VIAGENS COM REGISTO
O Comboio das 08.37
VIAGENS COM REGISTO
O Comboio das 08.37
Por tuneis abertos e fechados, o comboio das 08.37 circula, rançoso e esperançoso em chegar ao fim da viagem. A esperança chega-lhe da paisagem deslumbrante de verde e cinza ao amanhecer, mesmo com o sol já a aquecer. Torga diria, do alto de Galafura ou de S. Salvador do Mundo «O prodígio de uma paisagem que deixa de o ser à força de se desmedir». De facto, um “excesso de natureza” nas duas margens do rio, quer antes, quer depois das barragens, apesar de muitos gostarem mais da antiga força revolta do Douro.
E quando a paisagem do rio termina, aí por alturas do Juncal, quase desaparece o encanto. «Não tendes olhos para o dionisíaco esplendor que vos cerca», escrevia João de Araújo Correia no seu “Sem Método – notas sertanejas” de 1938. Não fora a terra e o verde do arvoredo ou as hortas de subsistência de um povo que não verga ao infortúnio de ter sido mal nascido neste «sítio» mal frequentado como dizia Almada. Esse esplendor só volta a encontrar-se naquele curto trajeto entre Campanhã e S. Bento. É o Douro em toda a sua pujança, antes da Foz, onde abraça o oceano imenso. Fica para trás o comboio das 08.37 e o silêncio da viagem, antes do regresso ao coração do rio e da paisagem. A cidade grande engole por algumas horas toda a magia embriagante.
Julho
de 2021
António
Bondoso
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