UM
LIVRO DE VEZ EM QUANDO…ou de como dar uso às memórias, num tempo em que a
memória é curta. E viajar, pelas palavras, a latitudes outras que também me
marcaram em África – como é o caso das que escreveu António Cadete Leite,
médico, professor universitário e escritor, que nos deixou fisicamente em 2016.
MEMÓRIAS COLONIAIS, de 2008, foi um dos livros com que nos brindou, editado
pela Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto.
E é dele que me tocam algumas das histórias, nomeadamente de Angola, com passagem em S. Tomé e Príncipe, abrindo – ainda antes do «prefácio de Francisco Duarte Mangas» – com um soberbo desenho do saudoso mestre José Rodrigues.
Este livro de Cadete Leite quase me
parece um «romance» de ou com pequenas histórias – no fundo, todos passam por
aí – no qual há uma narrativa perfeita de um romance comum adaptada,
naturalmente, às breves circunstâncias de cada momento de ação.
A escrita do autor facilmente nos
coloca dentro do «ambiente» de cada história, mesmo para quem não esteja
familiarizado com o tema, o espaço e o tempo – o antigo “Ultramar” e a “Guerra
Colonial”.
Com uma linguagem simples e direta e
com diálogos vivos até à quebra do «suspense», como no caso do “Viajante
Clandestino”, o médico Cadete Leite foi passando um relato breve das suas
vivências em Angola, escolhendo situações que o marcaram, não só pelo inédito
mas também pela excentricidade de cada história. Das várias, volto ao «Viajante
Clandestino» para recordar o insólito de um pedido do então (1966) ministro do Ultramar
– Silva Cunha – dirigido ao então governador-geral Silvério Marques, a fim de tentar
conseguir, nos “Estados Gerais Universitários de Angola” [Cadeira de Anatomia
do Curso Médico-Cirúrgico], um «esqueleto» para que a sobrinha do senhor
ministro pudesse preparar, no sossego do seu domicílio em Lisboa, a difícil
disciplina. Eram peças caras e não abundavam nas Faculdades no Portugal
metropolitano. Angola ia avançada, portanto. E o esqueleto lá conseguiu passar
nas malhas da «Alfândega», numa mala de madeira envernizada e com pega de
couro.
Uma outra, que também envolve o saudoso Professor Nuno Grande, camarada
de Cadete Leite no Laboratório de Anatomia, em Luanda, tem a ver com a atitude
(demasiado) protetora da mulher de outro governador-geral – Rebocho Vaz –
quando pretendeu, na manhã de um exame na Faculdade e já com os alunos prontos
para tal, que a filha pudesse sair da sala para «ir tomar o pequeno-almoço»
na secretaria ou no refeitório. Cadete Leite, avesso a «cunhas», propôs que a
filha do governador (Conceição) – não podendo sair da sala sob pena de ser
excluída do exame – tomasse mesmo ali o “matabicho”. Seria a própria «Ção» a
resolver o imbróglio, de difícil gestão para o professor, dizendo não lhe
apetecer o pequeno-almoço.
Para não desvendar o conteúdo completo desta obra de “Memórias Coloniais” – não posso nem o devo fazer – quero apenas referir mais uma «salgada» história de Cadete Leite, que envolve a mulher de um governador de S. Tomé e Príncipe, em Julho de 1964, na sequência de uma evacuação/retirada de feridos da guerra em Angola para Lisboa. O DC6 receberia no aeroporto de S. Tomé «mais um doente, civil, urgente» que seria acompanhado pelo Dr. Fialho. Nem mais nem menos do que a mulher do governador, “diagnosticada” com leucemia mas que, já em pleno voo para Lisboa, Cadete Leite viria a saber tratar-se de um «expediente» para justificar o transporte em avião militar.
Encomendem o livro à AJHLP e
divirtam-se com a leitura.
homens.deletras@gmail.com
António
Bondoso
17
de Janeiro de 2023.
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