2023-01-17



Apresento-vos um «Romance» de pequenas histórias (2008) que liga o Porto a Angola e a S. Tomé e Príncipe, durante a «Guerra Colonial». 

UM LIVRO DE VEZ EM QUANDO…ou de como dar uso às memórias, num tempo em que a memória é curta. E viajar, pelas palavras, a latitudes outras que também me marcaram em África – como é o caso das que escreveu António Cadete Leite, médico, professor universitário e escritor, que nos deixou fisicamente em 2016. MEMÓRIAS COLONIAIS, de 2008, foi um dos livros com que nos brindou, editado pela Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto. 

         E é dele que me tocam algumas das histórias, nomeadamente de Angola, com passagem em S. Tomé e Príncipe, abrindo – ainda antes do «prefácio de Francisco Duarte Mangas» – com um soberbo desenho do saudoso mestre José Rodrigues. 



         Este livro de Cadete Leite quase me parece um «romance» de ou com pequenas histórias – no fundo, todos passam por aí – no qual há uma narrativa perfeita de um romance comum adaptada, naturalmente, às breves circunstâncias de cada momento de ação.

         A escrita do autor facilmente nos coloca dentro do «ambiente» de cada história, mesmo para quem não esteja familiarizado com o tema, o espaço e o tempo – o antigo “Ultramar” e a “Guerra Colonial”.

         Com uma linguagem simples e direta e com diálogos vivos até à quebra do «suspense», como no caso do “Viajante Clandestino”, o médico Cadete Leite foi passando um relato breve das suas vivências em Angola, escolhendo situações que o marcaram, não só pelo inédito mas também pela excentricidade de cada história. Das várias, volto ao «Viajante Clandestino» para recordar o insólito de um pedido do então (1966) ministro do Ultramar – Silva Cunha – dirigido ao então governador-geral Silvério Marques, a fim de tentar conseguir, nos “Estados Gerais Universitários de Angola” [Cadeira de Anatomia do Curso Médico-Cirúrgico], um «esqueleto» para que a sobrinha do senhor ministro pudesse preparar, no sossego do seu domicílio em Lisboa, a difícil disciplina. Eram peças caras e não abundavam nas Faculdades no Portugal metropolitano. Angola ia avançada, portanto. E o esqueleto lá conseguiu passar nas malhas da «Alfândega», numa mala de madeira envernizada e com pega de couro.

         Uma outra, que também envolve o saudoso Professor Nuno Grande, camarada de Cadete Leite no Laboratório de Anatomia, em Luanda, tem a ver com a atitude (demasiado) protetora da mulher de outro governador-geral – Rebocho Vaz – quando pretendeu, na manhã de um exame na Faculdade e já com os alunos prontos para tal, que a filha pudesse sair da sala para «ir tomar o pequeno-almoço» na secretaria ou no refeitório. Cadete Leite, avesso a «cunhas», propôs que a filha do governador (Conceição) – não podendo sair da sala sob pena de ser excluída do exame – tomasse mesmo ali o “matabicho”. Seria a própria «Ção» a resolver o imbróglio, de difícil gestão para o professor, dizendo não lhe apetecer o pequeno-almoço.

         Para não desvendar o conteúdo completo desta obra de “Memórias Coloniais” – não posso nem o devo fazer – quero apenas referir mais uma «salgada» história de Cadete Leite, que envolve a mulher de um governador de S. Tomé e Príncipe, em Julho de 1964, na sequência de uma evacuação/retirada de feridos da guerra em Angola para Lisboa. O DC6 receberia no aeroporto de S. Tomé «mais um doente, civil, urgente» que seria acompanhado pelo Dr. Fialho. Nem mais nem menos do que a mulher do governador, “diagnosticada” com leucemia mas que, já em pleno voo para Lisboa, Cadete Leite viria a saber tratar-se de um «expediente» para justificar o transporte em avião militar. 



         Encomendem o livro à AJHLP e divirtam-se com a leitura.

homens.deletras@gmail.com

António Bondoso

17 de Janeiro de 2023.            



 

Sem comentários: