O MASSACRE…E A SOMBRA!
Ou de como se assinala este ano o 70º aniversário dos acontecimentos de
humilhação e de violência gratuita em Fevereiro de 1953, em S. TOMÉ, CIDADE,
BATEPÁ, FERNÃO DIAS e PRÍNCIPE, quando a
morte saiu à rua:
---
«(…) O passado
histórico não se vive todos os dias, mas vive-se eternamente. Porque há que
lembrar!...E não se pode consentir que se repita». É uma síntese com um forte
poder simbólico que me é transmitida por Frederico Gustavo dos Anjos,
licenciado em Estudos Alemães mas que é sobretudo Poeta e ensaísta santomense.
--- «(…) a celebração do 70º aniversário do “Massacre de Batepá” no corrente ano será num quadro de elevadíssima tensão política, com uma sociedade dividida, temerosa, desesperançada, ao ponto de, sem rodeios, questionar a soberania.(…)»:- Alcídio Montóia, economista e pensador santomense, igualmente em testemunho a este meu blogue PALAVRAS EM VIAGEM.
O MASSACRE:
A.B.
- Massacre, Revolta, Inventona ou “Guerra Inventada” pelo regime colonial
português em S. Tomé e Príncipe em Fevereiro de 1953, à espera de que a memória
do novo país vire a página negra e a catarse se feche. Mas a efeméride acontece
num clima de tensão, nada favorável a um momento reflexivo. Pode deduzir-se
dessa frase que Alcídio Montóia me escreveu, depois de aceitar o “desafio” que
lancei nos seguintes termos: Dos 70 anos passados sobre a «revolta/massacre» de
1953, mais de metade já o foram depois da independência. Pode afirmar-se que a
«data» é uma etapa já exorcizada pelo país, pelos dirigentes e pela população?
Ou ainda não foi possível concluir a catarse?
ALCÍDIO MONTÓIA. - Enquanto houver testemunhas vivas dos nefastos efeitos dos grotescos acontecimentos de fev'53, dificilmente a catarse poderá ser dada como fechada. Por outro lado, tendo os acontecimentos de 1953 espoletado sentimentos soberanistas, que culminaram com a independência em 1975, agravados pela constatação de que a justiça não foi feita (Gorgulho não foi julgado e muita documentação ainda está como classificada ou extraviada) e perante o fraco desempenho económico e social do país nestes quase 50 anos de independência; há uma preocupação da classe política em manter esse episódio muito presente e sistematicamente revisitado, dado que é praticamente o único que ainda consegue agregar toda a sociedade e trazer para o presente os fantasmas do colonialismo.
A SOMBRA:
A.M.
- Ainda assim, perante os bárbaros acontecimentos de 25/11/2023 e a constatação
de que, afinal, a capacidade para, gratuitamente, praticar o mal não é um
exclusivo do colonialismo e a crescente cristalização na opinião pública do
conceito de “colono forro”, assiste-se, de certa forma, a um relativizar dos
acontecimentos de 1953 e a trazer à baila, ainda que em surdina, os
“inconfessados pecados” da elite forra que alimentaram o clima de desconfiança
entre a governação portuguesa e os ilhéus em 1953.
A.B.
- Que fatores mais têm contribuído para isso? E o «ensino/aprendizagem» da
História?
A.M.
- Consequência de ter sido, durante décadas, objeto de exploração exaustiva
para fins políticos e como agregador de uma consciência nacional que tarda em
se afirmar, proliferam descrições mal fundamentadas do massacre, com impacto
negativo sobretudo nos mais jovens. Enquanto subsistir esse peso estrutural do
“Massacre de ‘53” na definição da nação, dificilmente o tema poderá ser
abordado de forma factual e despido das emoções necessárias à afirmação da
identidade.
De resto, a celebração do 70º aniversário do “Massacre de Batepá” no corrente ano será num quadro de elevadíssima tensão política, com uma sociedade dividida, temerosa, desesperançada, ao ponto de, sem rodeios, questionar a soberania. Muito possivelmente, a classe política, ladeada pelos “pais-fundadores-da -nação”, receosa da reação popular, apavorada e, muito provavelmente, ainda sem conhecer as conclusões do inquérito judicial aos acontecimentos de 25/11/2023; aproveitará a ocasião para ensaiar discursos pouco convincentes de reconciliação e de apaziguamento de espíritos. Veremos como será.
A.B.
– Por sua vez, FREDERICO DOS ANJOS
não sobrepõe os acontecimentos de 1953 e de 2022, salientando que o recente 25
de Novembro foi “tão somente um momento de «perversão», embora também
condenável e irrepetível”:
F.G.A.
– São momentos
históricos diferentes com contornos cada um deles únicos. Páginas
de sangue e luto não se "apagam" com o tempo. Pode acontecer que se
"referenciem" diferentemente através de gerações já que a
cultura evolui no tempo, mas não deixarão de ser marcos sobre os quais o
futuro se edifica retomando sempre o simbolismo do que não se deve repetir.
Sobre isso não há espaço para dúvidas: "non
na ka pô kunxintxi 53 bilá bi fa." O
25 de Novembro de 2022 é tão somente um momento de "perversão". Também
condenável e irrepetível.
O passado histórico não se vive todos os dias,
mas vive-se eternamente. Porque há que lembrar!..."
A.B. - Dos dramáticos efeitos/consequências dos acontecimentos desse longínquo ano de 1953, já largamente investigados – apesar da ideia de Alcídio Montóia de que “a justiça não foi feita (Gorgulho não foi julgado e muita documentação ainda está como classificada ou extraviada) – pouco mais de relevância haverá a acrescentar. Contudo, e como contraponto ao eventual desalento que se vive hoje em S. Tomé e Príncipe, fui recuperar uma recente declaração de Ana Maria Cabral, viúva de Amílcar Cabral, nos 50 anos da morte do líder africano, questionada pela Radio France Internacional sobre o legado de Amílcar e sobre se ainda vale a pena lutar em prol do pan-africanismo: “(…) O mundo já deu tanta volta, está tão estranho e já não tem nada a ver com o mundo daquela altura. Mas acho que vale sempre a pena lutar pelo pan-africanismo, porque há muitos tabus ainda a vencer. Foram muitos anos de colonização em África, há muitos preconceitos ainda sobre África, de maneira que é preciso lutar contra tudo isso, contra todos esses preconceitos, essas alienações, digamos assim, das quais os africanos ainda não conseguiram libertar-se. (…)”.
António
Bondoso
30
de Janeiro de 2023.
Complementos
da História em vídeo:
2 comentários:
Sem dúvida um singelo, mas (muito) bem conseguido contributo para assinalar o 70° aniversário da "Guerra de Batepá", que, verdade seja dita, foi um acto tresloucado de um governador e não uma premeditação do regime ditatorial que vingou em Portugal até abril de 1974.
Alcidio Montóia
Obg Alcídio Montóia. Mas os «convidados» é que devem colher os louros. Eu limitei-me a imaginar o «cenário» e a dar-lhe uma perspetiva diferente, exatamente para evitar «repetir» antigas considerações.
Forte e grato abraço.
António Bondoso
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