QUANDO TODO E QUALQUER UM…bota faladura sobre Pelé – aquele que no Brasil foi descrito como um «(…) verdadeiro garoto, o meu personagem anda em campo com uma dessas autoridades irresistíveis e fatais. Dir-se-ia um rei, não sei se Lear, se imperador Jones, se etíope. Racialmente perfeito, do seu peito parecem pender mantos invisíveis. (…)»
Eu
não «conheci» Pelé, nunca o vi jogar «ao vivo», apenas recordo imagens [cinema
e televisão] de alguns momentos do maior futebolista do seu tempo. Talvez até
de sempre! Curioso, é ver e ouvir – hoje – alguns «rapazes dos jornais e da
Tvs», que só nasceram depois de 74, a falar do «homem» e do futebolista Edson
Arantes do Nascimento.
Eu tenho bem presentes as imagens desse
campeonato do mundo de 1966, em Inglaterra, concretamente do jogo contra
Portugal. Foi duro, muito duro, ver a forma como se lesionou, na sequência de
uma «marcação» implacável por parte dos jogadores portugueses. E acabaria por
ficar fora do mundial, não só pela lesão, mas pelo facto de o Brasil ter sido
eliminado ainda na fase de grupos.
Mas os tempos de «glória», que já vinham de 1958 e de 1962, voltaram no mundial de 1970. E no Santos, como voltaria a ser na seleção, Pelé foi o 1º a conquistar a Taça Intercontinental a duas mãos, com o Benfica, em 1962. No Brasil, o Santos venceu por 3-2, com 2 golos de Pelé que, no jogo em Lisboa, voltaria a marcar por 3 vezes, sendo o resultado final de 2-5.
E depois do mundial de 1970, Pelé ainda
teve tempo e honra para salvar as suas finanças e ajudar o futebol nos EUA,
representando o «Cosmos» de Nova Iorque entre 1975 e 1977.
Como não vi e não sei tudo sobre o «astro rei» Pelé, socorro-me de um texto que me chegou por e-mail do meu amigo André Freire [Lamego], que o recebeu da sua amiga Teresa Gouda, do Rio de Janeiro. O texto, da autoria do jornalista Nélson Rodrigues, datado de 8 de Março de 1958 e com o título “A Realeza de Pelé”, diz assim:
«Depois do jogo
América x Santos, seria um crime não fazer de Pelé o meu personagem da semana.
Grande figura, que o meu confrade [Albert] Laurence chama de “o Domingos da
Guia do ataque”. Examino a ficha de Pelé e tomo um susto: — dezessete anos! Há
certas idades que são aberrantes, inverossímeis. Uma delas é a de Pelé. Eu, com
mais de quarenta, custo a crer que alguém possa ter dezessete anos, jamais.
Pois bem: —
verdadeiro garoto, o meu personagem anda em campo com uma dessas autoridades
irresistíveis e fatais. Dir-se-ia um rei, não sei se Lear, se imperador Jones,
se etíope. Racialmente perfeito, do seu peito parecem pender mantos invisíveis.
Em suma: — ponham-no em qualquer rancho e a sua majestade dinástica há de
ofuscar toda a corte em derredor. O que nós chamamos de realeza é, acima de
tudo, um estado de alma.
E Pelé leva sobre os
demais jogadores uma vantagem considerável: — a de se sentir rei, da cabeça aos
pés. Quando ele apanha a bola e dribla um adversário, é como quem enxota, quem
escorraça um plebeu ignaro e piolhento. E o meu personagem tem uma tal sensação
de superioridade que não faz cerimônias. Já lhe perguntaram: — “Quem é o maior
meia do mundo?” Ele respondeu, com a ênfase das certezas eternas: — “Eu.”
Insistiram: — “Qual é o maior ponta do mundo?” E Pelé: — “Eu.” Em outro
qualquer, esse desplante faria rir ou sorrir.
Mas o fabuloso craque
põe no que diz uma tal carga de convicção que ninguém reage, e todos passam a
admitir que ele seja, realmente, o maior de todas as posições. Nas pontas, nas
meias e no centro, há de ser o mesmo, isto é, o incomparável Pelé. Vejam o que
ele fez, outro dia, no já referido América x Santos. Enfiou, e quase sempre
pelo esforço pessoal, quatro gols em Pompeia. Sozinho, liquidou a partida,
liquidou o América, monopolizou o placar. Ao meu lado, um americano doente
estrebuchava: — “Vá jogar bem assim no diabo que o carregue!” De certa feita,
foi até desmoralizante. Ainda no primeiro tempo, ele recebe o couro no meio do
campo. Outro qualquer teria despachado. Pelé, não. Olha para a frente, e o
caminho até o gol está entupido de adversários. Mas o homem resolve fazer tudo
sozinho. Dribla o primeiro e o segundo. Vem-lhe, ao encalço, ferozmente, o
terceiro, que Pelé corta sensacionalmente.
Numa palavra: — sem
passar a ninguém e sem ajuda de ninguém, ele promoveu a destruição minuciosa e
sádica da defesa rubra. Até que chegou um momento em que não havia mais ninguém
para driblar. Não existia uma defesa. Ou por outra: — a defesa estava indefesa.
E, então, livre na área inimiga, Pelé achou que era demais driblar Pompeia e
encaçapou de maneira genial e inapelável. Ora, para fazer um gol assim não
basta apenas o simples e puro futebol. É preciso algo mais, ou seja, essa
plenitude de confiança, de certeza, de otimismo que faz de Pelé o craque
imbatível.
Quero crer que a sua
maior virtude é, justamente, a imodéstia absoluta. Põe-se por cima de tudo e de
todos. E acaba intimidando a própria bola, que vem aos seus pés com uma lambida
docilidade de cadelinha. Hoje, até uma cambaxirra sabe que Pelé é
imprescindível na formação de qualquer escrete. Na Suécia, ele não tremerá de
ninguém. Há de olhar os húngaros, os ingleses, os russos de alto a baixo. Não
se inferiorizará diante de ninguém. E é dessa atitude viril e, mesmo, insolente,
que precisamos.
Sim, amigos: — aposto minha cabeça como Pelé vai achar todos os nossos adversários uns pernas de pau. Por que perdemos, na Suíça, para a Hungria? Examinem a Fotografia de um e outro time entrando em campo. Enquanto os húngaros erguem o rosto, olham duro, empinam o peito, nós baixamos a cabeça e quase babamos de humildade. Esse flagrante, por si só, antecipa e elucida a derrota. Com Pelé no time, e outros como ele, ninguém irá para a Suécia com a alma dos vira-latas. Os outros é que tremerão diante de nós.»
Até sempre Pelé.
António Bondoso
2 de Janeiro de 2023.
1 comentário:
Estimado amigo António Bondoso. Fiquei feliz e emocionado com a sua crônica. Com este artigo sobre o Futebol e sobre o Edson Arantes do Nascimento / Rei Pelé! Na minha memória, sempre presente. Na memória do mundo, também. Um feliz ano novo para todos e que pessoas e talentos como Pelé possam sobreviver neste mundo de guerras, opressão e fome. Abraços do trio André, Teresa e Luiz António. E da Teresa Gouda.
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