MACAU
– O ORIENTE DA HISTÓRIA!
20
ANOS – MUITOS SÉCULOS!
...ou de como, em 20 de Dezembro de 1999, Macau passou a ser diferente mas não deixou de ser Macau.
Foi
este o tema que escolhi para uma «aula» de Relações Internacionais – a última
deste ano de 2019 – na Universidade Sénior Rotary de Matosinhos (USRM), em Leça
do Balio. Uma oportunidade para recordar o relacionamento entre chineses e
portugueses através de Macau, numa altura em estamos próximos da data que
assinalou a transferência da administração do território para a RPC. Momentos
de «história» antiga e recente, imagens, testemunhos e emoções, pela poética,
de figuras que marcaram a vida do território onde nasceram ou onde viveram
décadas – como foram os casos de Adé dos Santos Ferreira (Tu, Macau, de passado
alegre e triste,/Fazes lembrar o céu quando varia de cor); Leonel Alves (Pai); Camilo Pessanha;
Graciete Batalha; António Correia; Silveira Machado (mais conhecido como "o
Professor" e também chamado por vezes de "Macaense dos Açores") e Estima de Oliveira.
Grato aos alunos e professores, que escutaram
e participaram – nomeadamente dizendo poemas – casos de Natália Vale, Adília
Gonçalves, Goreti Moreira, Teresa Morais, Arlete Costa, António Domingos, David
Martins e Jorge Reis. Um abraço particular ao engº António Rosado que me facultou quase duas dezenas de fotografias sobre a evolução dos trabalhos da construção do aeroporto de Macau e que estão, algumas, expostas no átrio da Universidade. Reconhecido igualmente a convidados que testemunharam
vivências mais ou menos recentes, como por exemplo a Alice Santos – que também
disse poesia – a Maria do Amparo e o Major-General Jorge Santos, engº e
militar, que recordou – numa síntese brilhante – a azáfama dos últimos anos da
presença portuguesa em Macau, falando particularmente da construção do
aeroporto e do Centro Cultural, infraestrutura onde decorreu a cerimónia da
«transferência». Deixou inclusive uma nota de humor quando referiu um episódio
ocorrido a poucos dias da «cerimónia»: chuva intensa e ventos fortes obrigaram
um colaborador seu a dizer-lhe «Jorge
Sampaio tem os pés molhados», querendo significar que, no lugar onde
ficaria sentado o Presidente da República Portuguesa, caía chuva. Ao que Jorge
Santos retorquiu «agora, só nos resta rezar para que não chova mais». E o
assunto resolveu-se assim. Como foram sendo resolvidos outros momentos ao longo
de séculos, nomeadamente os tempos difíceis do «1,2,3» de 1966, em plena
«Revolução Cultural» na China de Mao, ou os períodos de angústia dos naturais
de Macau (particularmente os de ascendência lusa) que se seguiram à assinatura
da «Declaração Conjunta» Luso-Chinesa, em 1987, sobre o futuro do território.
Que, na perspetiva da RPC, nunca foi uma «colónia». Visão sábia de quem,
pacientemente, analisa e projeta o tempo futuro, eliminando essa tese no âmbito
das Nações Unidas e pela qual não poderia haver «descolonização». A RPC, com
olhos postos na «reconstrução» da «Grande China», depois do retorno de HK,
Macau e Taiwan (que ainda demora), não poderia aceitar uma eventual e
consequente hipótese de, descolonizados, aqueles territórios pudessem ascender
à «independência». Entenderam, por isso, designar os momentos de 1997 e de 1999
como de «Retrocessão». Isto é, o ato de ceder o que se obteve por
cessão.
A
Declaração Conjunta, apesar de habilmente elaborada, não «oferecia» uma
evidente tranquilidade quanto ao futuro. No entanto, nela estavam escritas
palavras e ideias como «alto grau de autonomia da RAEM», dotada de um governo
próprio e na qual se manteriam «substancialmente inalterados» os sistemas
social e económico durante 50 anos. No fundo, ideias que balizavam a semântica
do estabelecido no Tratado de restabelecimento das relações diplomáticas entre
Portugal e a RPC, de 1979, o qual reconhecia “o princípio do mútuo respeito pela soberania
e integridade territorial”.
Os altos e baixos do
processo de transição, sobretudo a seguir ao «caso Melancia», condicionaram de
alguma forma a eficácia da localização de quadros e do ensino do Mandarim como
língua oficial, mas – apesar disso – o governo de Macau e os representantes
portugueses no Grupo de Ligação Conjunto Luso-Chinês que «negociaram» o futuro,
foram capazes de assumir a importância do Aeroporto para a autonomia do
território e de formalizar outras questões fundamentais, como as bases do
Direito e a permanência da língua portuguesa – pelo menos até 1949 – o que
permitiu aprofundar as relações no âmbito da Lusofonia, uma ideia iniciada pela
Administração de Rocha Vieira e mais tarde concretizada pela RPC ao criar o
«FÓRUM de Macau» em 2003.
Finalmente,
a inevitável e sempre considerada comparação entre os casos de Macau e de Hong
Kong. Quer pela dimensão, quer pela história, o que nos apresenta Macau como um
quadro singular. Há dias, a historiadora Catherine Chan See disse à Agência
Lusa que «O fosso político
entre Macau e Hong Kong já vem dos tempos da Revolução Cultural chinesa». A
Lusa concluiu que, depois de ouvir vários dirigentes de grupos “não alinhados”,
«Duas décadas após a
transição, a população de Macau permanece desinteressada da política, graças à
educação que não favorece o espírito crítico, devido à melhoria do nível de
vida ou ao receio de represálias». Os casos foram e são
diferentes, sem dúvida. E outra das explicações pode estar nesta ideia de Ron
Lam U Tou – presidente da Associação da Sinergia de Macau e o último candidato
a ficar fora da Assembleia Legislativa nas últimas eleições, em 2017: “quase
metade da população de Macau nasceu do outro lado da fronteira e os mais velhos
“ainda se lembram de quando, na China, não havia nada para comer”. “Nos anos
1990, muitos dos meus colegas de liceu viram os pais ir trabalhar para Taiwan
de forma ilegal ou na construção civil”.
Também por isso, mas não só, Macau é
diferente. E foi, para o bem e para o mal, a
mais duradoura relação ultramarina de Portugal. No Extremo Oriente…poderá não
ter sido tão intensa e tão problemática quanto a do chamado «Estado Português
da Índia», mas foi a mais duradoura.
E deixou marcas indeléveis. Como essa «Língua Maquista» que,
sobretudo Adé dos Santos Ferreira, tornou perene. E foi também em «Patuá» que
esta aula na USRM se revelou, dizendo e ouvindo poemas – matéria que deixaremos
para a próxima nota neste blogue.
Apesar do inevitável «prazo de validade»…Macau passou a ser
diferente mas não deixou de ser Macau.
António Bondoso
Jornalista e Mestre em R.I.
27 de Novembro de 2019
2 comentários:
Uma tarde onde as memórias foram presente, onde Macau e as vivências de cada um fizeram recordar o dia a dia de quem por lá passou e não ficou indiferente às suas gentes. Quem viveu em “Ou Mun” sabe que ao regressar deixa um pouco de si por lá, mas traz muito de “Á-Má-Gao”. Macau entranha-se na pele de todos os que por passam.
Obrigada.
Obg Alice Santos. Pela presença, pela disponibilidade e pelo carinho.
Ou Mun sã assi. Primeiro estranha-se e depois entranha-se.
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