MACAU – O ORIENTE DA HISTÓRIA (Aula II na USRM)
20 ANOS – MUITOS SÉCULOS
…ou de como esta relação de séculos, embora não tenha sido
perfeita, foi sem dúvida a mais duradoura. E como é fundamental tentar perceber
de que forma é que o território – sereno de encantamento – moldou quem nasceu e
viveu! E nasceram poetas.
Ao falar do relacionamento entre a RP
da China e Portugal é inevitável inserir Macau na equação. E agora, quando se
aproxima a data dos 20 anos da transferência de Administração, 19 para 20 de
Dezembro de 1999, é uma ocasião propícia para rever a história mais ou menos
recente. Macau foi, para o bem e para o mal, a mais duradoura relação
ultramarina de Portugal. No Extremo Oriente…poderá não ter sido tão intensa e
tão problemática quanto a do chamado «Estado Português da Índia», mas foi a
mais duradoura. E deixou marcas indeléveis. Como essa «Língua Maquista» que,
sobretudo Adé dos Santos Ferreira, tornou perene. E foi também em «Patuá» que
se compôs uma aula da disciplina de Relações Internacionais na USRM –
Universidade Sénior Rotary de Matosinhos – dizendo e ouvindo poemas de figuras
que marcaram a vida do território onde nasceram ou onde viveram décadas – como
foram os casos de Adé dos Santos Ferreira (Tu, Macau, de passado alegre e
triste,/Fazes lembrar o céu quando varia de cor); Leonel Alves (Pai); Camilo Pessanha;
Graciete Batalha; António Correia; Silveira Machado (mais conhecido como "o
Professor" e também chamado por vezes de "Macaense dos Açores") e
Estima de Oliveira.
Grato aos alunos, professores e convidados
que disseram poemas – casos de Natália Vale, Adília Gonçalves, Goreti Moreira,
Teresa Morais, Arlete Costa, António Domingos, David Martins, Jorge Reis e
Alice Santos. Grato ao Miguel Sena Fernandes e ao João Gomes pela tradução de
alguns poemas.
Entrecortando a nota expositiva sobre o
relacionamento de séculos entre Portugal e a China, os «Poetas» de Macau foram fazendo
ouvir a sua «voz». O primeiro foi ADÉ com CIDÁDI DI NÓMI SÁNTO:
«Nôsso Macau, nómi sánto,
Vosôtro olá!
Qui ramendá unga jardim;
Fula fresco na tudo cánto
Sã pa ispantá.
Sai semeado, nom têm fim».
Traduzindo, quer dizer:
«Nossa
Macau de nome santo,
Vede,
vede todos bem!
parece
um jardim;
Por
todos os cantos flores frescas
É
de pasmar.
Saem
plantadas, sem fim».
Grande
parte da vida, ADÉ dedicou-a à divulgação do dialeto macaense, sendo autor de
vasta bibliografia e de récitas, peças de teatro e operetas, que também
ensaiava e dirigia. Durante muitos anos foi um ativo colaborador de muitos
programas de Rádio.
E depois de Adé, incontornável, lembrou-se LEONEL ALVES (Pai)
com o soneto FILHO DE MACAU:
Cabelos que se tornam sempre escuros,
Olhos chineses e nariz ariano,
Costas orientais, e peito lusitano,
Braços e pernas finos mas seguros.
Olhos chineses e nariz ariano,
Costas orientais, e peito lusitano,
Braços e pernas finos mas seguros.
Nascido
e falecido em Macau (27 de Janeiro de 1921/10 de Outubro de 1982), Leonel Alves
foi funcionário dos Serviços de Saúde. Colaborou em vários jornais de Macau com
poesia e charadas.
De CAMILO PESSANHA recordámos VIOLA CHINESA, de 1898, manuscrito no
seu «caderno de capa preta»:
Ao longo da viola morosa
Vai adormecendo a parlenda,
Sem que, amadornado, eu atenda
A lengalenga fastidiosa.
De alguma forma, são ainda nebulosas as razões da saída de Pessanha de
Portugal, mas aventa-se como hipótese plausível um desgosto amoroso. Em Macau, Camilo
Pessanha permanece de 1894 a 1926, ano da sua morte, tendo vindo à «metrópole»
quatro vezes. De acordo com as suas confidências, foram vinte e seis anos de «degredo»,
pois ele nunca se adaptou ao ambiente de Macau, onde lecionou várias
disciplinas no Liceu, ocupou o lugar de conservador do Registo Predial e
exerceu as funções de juiz.
Interessante a figura de GRACIETE
BATALHA que viveu em Macau de 1949 a 1992. No poema que selecionámos deixa nitidamente
transparecer a «angústia» de que já falámos na crónica anterior. ONDE QUE TU VAI, MACAU?
Onde que tu vai, Macau?
Qui de amanhã ocê tê?(…)
Qui de amanhã ocê tê?(…)
(…)Meu
povo chora càlado.
Que nã sabe ele-sa fim …
Filho de Macau largado
Qui de amanhã para mim?
Numa tradução livre de João Gomes, podemos ler:
Para
onde vai Macau?
Que
amanhã você tem?(…)
(…)Meu
povo chora calado
Por
não saber seu fim…
Filho
de Macau abandonado
Que
amanhã para mim?
Sem esquecer o ensino primário em Macau, na
Universidade de Hong Kong Graciete Batalha regeu a disciplina de Língua
Portuguesa, em 1958-1959. Desenvolveu depois a sua atividade docente no Liceu Nacional
Infante D. Henrique, em Macau. Lecionou igualmente na Escola do Magistério Primário
de Macau, de que foi diretora de 1967 a 1969. Professora e pedagoga,
conferencista, investigadora e ensaísta, é reconhecida como “uma das
personalidades mais marcantes no panorama da cultura contemporânea de Macau”. Foi
ainda membro do Conselho Legislativo de Macau, da Assembleia Legislativa de
Macau e do Conselho Consultivo do Governador de Macau. Foi também membro da
Sociedade de Geografia de Lisboa.
ANTÓNIO CORREIA é um «Beirão» do sul do Douro
– Resende – e dali levou para Macau uma sensibilidade telúrica muito própria e
moldada na sua função de homem de leis. Poderia eu ter selecionado – agora, que
também chove muito em Portugal – o poema PORQUE
CHOVE EM «OU MUN». Mas a sequência da «aula» levou-me a preferir o soneto FAROL DA GUIA, monumento pelo qual
também eu nutro uma particular afeição. Tem «luz» e indica «presença»:
Português lampião no sul da China,
o primeiro entre os mais, Farol da Guia,
guia-nos na procela em cada dia,
co´a luz, que à noite tens diamantina.(…)
o primeiro entre os mais, Farol da Guia,
guia-nos na procela em cada dia,
co´a luz, que à noite tens diamantina.(…)
(…)Brilha e rebrilha ao céu e mar sem fim,
que a luz de Portugal, luzeiro amigo,
dá-se aqui, sem se impôr, a todo o chim.
que a luz de Portugal, luzeiro amigo,
dá-se aqui, sem se impôr, a todo o chim.
António Correia radicou-se em Macau em 1980 e saiu em
1997. Poeta, contista e romancista com colaboração em jornais, revistas e na
rádio em Macau. Foi Advogado, Notário Privado, Gestor de Empresas e Deputado.
Foi membro do Conselho Superior da Advocacia, Conselho de Cultura e Conselho
Consultivo do Governo de Macau. Em Macau publicou os seguintes livros: Miscelânea,
1987; Conjugando o Verbo Amar, 1989; Folhas dispersas,
1989; Ngola, 1990; Amagao, meu amor, 1992; Deideia,
1992; Fragmentos, 1994 (1.ª edição), 1996 (2.ª edição) (3); Contos
de Ou Mun, 1996.
JOSÉ SILVEIRA
MACHADO nasceu em S. Jorge, nos
Açores, e viveu mais de 70 anos
em Macau, tendo publicado o seu último livro aos 87 anos de vida (2005) com o
título O OUTRO LADO DA VIDA. Uma obra
de forte crítica social:
(…)
As grades não prendem
O
voar do pensamento
As
grades não seguram
a
distância do vento
No
encanto dessa idade
há
de haver felicidade
p´los
cristais da quimera
Há
de entrar primavera
Mais conhecido por "o Professor" e também chamado por vezes de "Macaense dos Açores", Silveira Machado foi
professor, cofundador e e jornalista do semanário católico "O Clarim", para além de comentador, animador cultural, dirigente desportivo e escritor. Este seu último livro é uma compilação de textos
e de comentários por si publicados ao longo dos anos em O
Clarim e tem por tema principal o que chamou de "lado
preto da vida" – o das "crianças que morrem de fome, doentes,
pobres, drogados, desempregados ou imigrantes". O autor, um católico convicto,
quis igualmente lançar um apelo à preservação e à divulgação da cultura portuguesa
em Macau.
ALBERTO ESTIMA DE OLIVEIRA foi, como é usual dizer-se, um cidadão
do mundo: Portugal, Angola, Guiné-Bissau e Macau, remontando os seus primeiros versos aos 18
anos de idade. Do seu livro de 1988, Diálogo
do Silêncio retirei este poema inteiro:
«é
um impacto neutro
uma porta já aberta
uma porta já aberta
e
cai-se
num silêncio
intemporal
e profundo
como se
por artes mágicas
entrássemos
noutro mundo…
num silêncio
intemporal
e profundo
como se
por artes mágicas
entrássemos
noutro mundo…
algumas
pancadas na porta grande
a velha casa tremeu
a velha casa tremeu
silêncio».
Em Macau, onde viveu de
1982 a 2001, e sob a chancela do Instituto Cultural, Estima de Oliveira publicou
a maioria dos seus livros, todos eles de poesia, colaborando também nas
revistas Macau e Revista de Cultura. O Poeta está
traduzido em chinês e em inglês, nomeadamente na coletânea com o título Fly,
publicada em Portugal em 1986 e apresentada pelo autor, nesse mesmo ano, no 1º
Festival Internacional de Poesia de Las Palmas, Gran Canaria, no qual também
representou o território de Macau. Em 1997, o ACTO/Instituto de Arte Dramática,
adaptou uma das suas obras O Corpo (Con) Sentido e levou-a à
cena, em três sessões, no Teatro Municipal de Estarreja. Faleceu em 2008.
Tal como Estima de
Oliveira, de ANTÓNIO BONDOSO também se pode dizer que foi um cidadão do mundo,
pois da sua geografia sentimental e de trabalho fazem parte Moimenta da Beira, S. Tomé e Príncipe, Angola, Porto e
Macau. Foi ali que publicou o seu primeiro livro em 1999. De poesia e com o
título EM MACAU POR ACASO. E dele foi
selecionado o poema LEQUE VERMELHO:
O leque é vermelho
Invariavelmente vermelho (…)
(…) O leque é vermelho…
E trinta vezes repetido
Enche de cor o horizonte
Agora sombrio da minha janela.(…)
A Rádio
foi e é a sua paixão – Rádio Clube de STP,
EN, RDP e Rádio Macau – tendo
colaborado na RTP e na RTV. Foi colunista nos jornais Correio Beirão e Jornal Beirão, fundados em Moimenta da Beira.
Entre
poesia e prosa, António Bondoso publicou já mais de uma dúzia de títulos desde
1999. Colaborou
igualmente em diversas Coletâneas de poesia, e em 2019 já publicou TERRA DE NINGUÉM ou Variações sobre o País
Real, com a editora Edições Esgotadas. Realizou, em 1999, para a TDM-Rádio
Macau uma série de 31 Programas (MACAU –
O ORIENTE DA HISTÓRIA) para assinalar a Transferência da Administração
Portuguesa de Macau para a RPC, os quais foram transmitidos em algumas dezenas
de Rádios Locais em Portugal.
Por fim…e como nos aproximamos
rapidamente da «quadra natalícia», entendi por bem recuperar um outro belo poema
de Adé do Santos Ferreira sobre o Natal. NATAL!
NATAL! – é um poema, diz-nos o Miguel Sena Fernandes, que serviu
de letra, em «Patuá», para um clássico de Natal de Adolphe Adam de 1847, “O
Holy Night”. Os Doci Papiaçám di Macau cantaram
a música com esta letra do Adé na missa do galo de 2000:
Perto di Céu,
N´acunga nôte sánto,
Ung´estréla já sai pa lumiá.(…)
N´acunga nôte sánto,
Ung´estréla já sai pa lumiá.(…)
(…)Glória pa Dios! dôs ánjo cantá,
Natal, Natal,
Luz di paz ta deramá …
Natal, Natal,
Amor nádi falta!
Natal, Natal,
Luz di paz ta deramá …
Natal, Natal,
Amor nádi falta!
Numa
tradução livre do Miguel Sena Fernandes, deixo-vos o poema completo que foi
dito, nas duas versões, pela Alice Santos:
(NATAL, NATAL ou PERTO DI CÉO)
“Próximo
do Céu
Naquela
Santa noite
Uma
estrela veio para iluminar
Abaixo
do Céu
Cheio
de encanto
Uma
doçura de voz nos chamou para ver
O
lugar sagrado que Deus escolheu
Para
o Filho Santo do Céu nascer
Gloria
a Deus! Dois anjos cantaram
Natal,
Natal,
Amor
não faltará
Glória
a Deus! Dois anjos cantaram
Natal,
Natal,
Luz
de paz a derramar
Natal,
Natal,
Amor
não faltará “
E assim, na simplicidade de uma aula sobre R.I., se falou do
triângulo Portugal/Macau/China e de uma relação de séculos que, embora não
tenha sido perfeita, foi sem dúvida a mais duradoura. E como é fundamental
tentar perceber de que forma é que o território – sereno de encantamento –
moldou quem nasceu e viveu! E nasceram poetas.
António Bondoso
28 de Novembro de 2019.
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