2020-02-17

AS CORES DA PELE E AS CORES DOS CLUBES…ou de como a «Humanidade» perde sempre para a intolerância de uns, para a omissão das leis, para a fraqueza das instituições. E é nesta fraqueza que reside uma grande parte do problema: situações graves e de contornos diversos, repetidamente praticadas e nunca penalizadas, geram «impunidade». E desta à «indignidade» há apenas uma simples troca de letras. 


         Dizem os especialistas que há formas ou truques para tentar resistir aos insultos. Mas, como disse também filosoficamente Arthur Schopenhauer – em cujo pensamento se baseou Franco Volpi[1] para o seu ensaio sobre a arte de insultar – há momentos em que é praticamente impossível recuar, pois, quem insulta, faz-nos perder a honra, mesmo se for o "mais indigno canalha, o mais estúpido animal, um vagabundo, um jogador, um facadista".
         Portanto, podemos ser levados a intuir que só a «vileza» responderá satisfatoriamente à provocação e ao insulto. Contudo, quem é humilhado terá capacidade para – seguindo Schopenhauer – fazer-se de desentendido e ignorar os insultos do adversário? Certamente alguns se recordarão da «estória» do anão que, depois de ser repetidamente insultado, um dia matou os prevaricadores. E disso foi absolvido. A nós, ter-nos-á chegado de forma anedótica. Mas há para ler – e refletir – o conto «Hop-Frog», do escritor norte-americano Edgar Allan Poe, publicado pela primeira vez em 1849 e originalmente designado como "Hop-Frog ou os Oito Orangotangos Acorrentados".
Entrando no caso concreto que aqui me traz – a atitude do jogador do FCP Marega, em Guimarães, depois de ouvir durante mais de uma hora (os insultos terão começado ainda no período de «aquecimento») os mais diversos impropérios – teria esse jogador condições psicológicas para continuar em campo? Poderão os adeptos do seu clube criticá-lo por ter pedido para abandonar o relvado e, com isso, eventualmente vir a prejudicar/enfraquecer a equipa para o resto do jogo? Marega é um ser humano antes de tudo. Mesmo, claro, antes de ser jogador profissional. Decidiu, e bem, responder de forma dura à continuada humilhação. Já havia respondido aos insultos quando, depois de marcar um golo, resolveu mostrar a cor da sua pele. E o que aconteceu? Da bancada «choveram» cadeiras e ele, para dar um sinal de protesto e até de se proteger, colocou uma delas na cabeça. O que fez o árbitro? Puniu-o com um cartão amarelo. Triste juiz! Nada de espantar, sabendo que já antes havia atropelado um jogador – o Danilo – e depois o expulsou. O árbitro não percebeu, ou não teve tempo de perceber, todo o ambiente hostil que vinha das bancadas em direção a Marega? Mostrando o «amarelo» ao jogador entendeu que iria aplacar a ira dos que o insultavam há mais de uma hora? O que terá ele escrito no relatório? E qual será o entendimento da Liga, a mesma Liga que decidiu de imediato condenar os insultos ao jogador? O cartão a Marega será revertido? E o que dizer de toda uma série de condenações que se seguiram – algumas delas carregadas de hipocrisia, como as de alguns movimentos e/ou partidos políticos? Quantos, dos que apoiam ou criticam Marega, já viram o vídeo «Many Faces» (James e FCP) e refletiram sobre ele?
O comentador da SIC/Notícias, David Borges, terá dito por outro lado – segundo li – que o “futebol está, cada vez mais, transformado num Estado dentro do Estado". Um pequeno pormenor me separa desta citação. Para mim não é todo o «futebol»…mas sim, e sobretudo pelo que se tem publicado e passado, um «clube» de futebol. O SLB faz-me lembrar o velho sistema colonial das Roças/Fazendas em África, particularmente em Angola e em S. Tomé e Príncipe. Aí sim, um Estado dentro do Estado. Claro que o FCP e outros clubes não podem também ficar isentos de culpas, tal como dirigentes sucessivos da Liga e da FPF, dos árbitros e da chamada justiça desportiva.
         Hoje a «manchete» é o racismo, mas há muito mais para trás. Quando falo da fraqueza das instituições é também disto que falo. Pela simples razão de que essa fraqueza tem conduzido a outras situações de impunidade. E, infelizmente, não é apenas a «justiça desportiva» que está ferida de morte. É a justiça deste país. Ponto final! Um país que nasceu da forma que sabemos, mesmo tendo em conta a luz da História, o espírito do tempo…poderá ser reabilitado?



António Bondoso
Jornalista
Fevereiro de 2020.

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