E neste tempo do séc. XXI, em que o «coração» de Vossa
Majestade vai ser trasladado temporariamente para o Brasil – de modo a
dignificar os 200 anos de independência, resultado do seu «grito do Ipiranga»
de 1822, com a frase célebre “independência ou morte” – é fundamental reler e apreender
o verdadeiro significado da homenagem que o grande Eça de Queirós lhe presta,
em carta de Agosto de 1872 com o título «À Alma de D. Pedro IV, Nos Elísios”. Na
missiva, Eça critica o esquecimento a que foi votada a memória dos
acontecimentos de 23 e 24 de Julho de 1833 – quando as forças vitoriosas do
Duque de Terceira puseram fim à guerra civil entre miguelistas e liberais – e como
que «lembra» a D. Pedro o que chama de “incurável rivalidade moral, social, elegante,
comercial, alimentícia, política, entre Lisboa e Porto”. A propósito, de acordo
com o relato de Eça, da iniciativa portuense de «oferecer» a D. Luís uma Festa
Constitucional, numa altura em que se anunciava em Lisboa “um certo movimento
subterrâneo, indistinto, informe, do espírito republicano”.
Não poupando indícios e fatores de comparação, Eça foi
estendendo na «carta» os sinais de rivalidade entre um Porto «reformista» e uma
Lisboa «saloia».
E concretiza: “Lisboa inveja ao Porto a sua riqueza, o seu comércio, as suas belas ruas novas, o conforto das suas casas, a solidez das suas fortunas, a seriedade do seu bem-estar. O Porto inveja a Lisboa a Corte, o Rei, as Câmaras, S. Carlos e o Martinho. Detestam-se”. E conclui: perante o «delírio» da receção a D. Luís, no Porto…Lisboa não conseguiu mais do que um arremedo saloio para homenagear os heróis do 24 de Julho, que deram a vitória liberal e constitucional a D. Pedro. “Que quer Vossa Majestade? – Lisboa faz o que pode: quem tem um temperamento saloio não pode tirar dele requintes de artista. (…) A sua imaginação, violentada para conceber uma festa, não pode produzir mais que o arraial. Foguetes e filarmónicas – eis o que ela sabe dar de mais delicado aos heróis que ama. – De modo que este dia de festa como se pode definir? – Um ARRAIAL DE OPOSIÇÃO. Mais nada”.
E como «portuense», o que desejo é que o «Coração» de D.
Pedro IV possa regressar do Brasil às sagradas pedras da Igreja da Lapa, «são e
salvo», para que o Porto e o País possam lembrar eternamente os valores das
liberdades.
António Bondoso
23 de Junho de 2022.
Moimenta da Beira.
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