ÁFRICA – ESQUECER E LEMBRAR!
A propósito deste evento e a convite da AICEM - Associção Para o Idioma e Culturas em Português, com sede no Porto - escrevi mais esta visão do Continente que tem muitas Áfricas no seu seio, diversidade que vai tendo o condão de nos ir surpreendendo.
ÁFRICA
– ESQUECER E LEMBRAR!
Haverá contradição?
Embora possa parecer…veremos que não existe!
E a verdade é que, pela
história, seremos eternamente confrontados – quer dicotomicamente, quer pela
dialética – com esta questão!
Esquecer…não
é matar a memória. Pelo contrário…é preciso dar vida à memória, para que não sejamos
assaltados pela melancolia pesarosa ou por uma nostalgia perniciosa. É preciso
perceber e aceitar os outros, aceitar a verdade dos outros e os avatares da
história.
E
OUTRA COISA:- de África não nos chegam apenas “refugiados”!
Portanto…o
desafio é este: Apelo para que esqueçamos os filmes idílicos sobre África. Lawrence
da Arábia, África Minha, Fiel Jardineiro, Amor sem Fronteiras, por exemplo.
Esqueçamos
livros como As Verdes Colinas de África, de Hemingway…Um Lugar Dentro de Nós,
Adeus África, ou Uma Fazenda em África.
Hoje,
na ordem do dia, está mais um livro sobre Angola:- Magnífica e Miserável, da
autoria do Cientista Ricardo Soares de Oliveira, Prof em Oxford.
E
é sempre bom lembrar, por exemplo – reconhecendo o sabor a sangue e a ambição
desmedida – outros filmes como O Senhor das Armas, Hotel Ruanda, Diamante de
Sangue ou Crianças Invisíveis.
Em qualquer caso…Esqueçamos África,
vista pelos olhos eurocêntricos.
Seja-nos
permitido, contudo, lembrar a busca do conhecimento propiciada pela era dos
descobrimentos – assinalam-se por esta altura os 600 anos do início da
expansão.
Podemos
até lembrar Camões ou as missões científicas de Silva Porto, Hermenegildo
Capelo ou Roberto Ivans uns séculos depois…
Mas
esqueçamos, definitivamente, os Impérios de países europeus em África! Ou
melhor, não deixemos de lembrar as atitudes menos próprias, as condutas
erradas, indignas e violentas desses impérios – como a escravatura humilhante, por
exemplo.
Como
não devemos deixar de lembrar, por outro lado, os genocídios mais recentes do
Biafra, do Ruanda ou do Darfur…
Apesar
de tudo, tenhamos sempre presente figuras como Santo Agostinho, Senghor, Wangari Maathai, Lumumba, Nyerere, Eduardo
Mondlane, Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Aristides Vieira, Kaunda, Kenyatta, Selassiè,
Samora Machel, Desmond Tutu, Nelson Mandela…
De
outro modo, não deixemos de
lembrar – pelos piores motivos – nomes como Bokassa, Francisco Macias Nguema,
Idi Amin Dada, Habib Bourguiba, Sékou Touré, Mobutu, Robert Mugabe…
Fundamental é que – sabendo que esquecer não
significa o mesmo que varrer para debaixo do tapete – ainda assim é bom
esquecer a África da Conferência de Berlim, em 1884/1885 – na qual 14 países
redesenharam o Continente onde tudo terá começado, sem ter em consideração as
fronteiras linguísticas e culturais estabelecidas. Antes dessa data, 80% do
continente africano era dominado por chefes tribais. Basta recordar que, em finais do séc.XVIII,
a “estrutura política” variava entre reinos,
impérios, cidades-Estado, e outras linhagens de clãs e aldeias, resultado de
inúmeros movimentos migratórios associados à sobrevivência, à religião, à
cultura, ao poder e ao comércio. Mas bastou um século para se assistir a uma
notável transformação do continente, fruto de uma expansão
de modernidade com base em fatores
exógenos – particularmente as armas de fogo, que alteraram significativamente
os conceitos de estratégia militar e de ocupação dos espaços.
E nesse período houve até um reino/império…por
onde passou o navegador e explorador Sancho de Tovar (que alguns identificam
mesmo como espião!)…império que floresceu entre os séculos 15 e 18 – numa
região banhada pelo rio Zambeze e cujo território hoje se pode situar entre o
Zimbabwe e Moçambique – o Império de
Monomotapa. De tão curioso – e talvez até pelas ligações que mais tarde se
verificariam a propósito do Mapa Cor-de-Rosa – seria objeto de uma obra de Ana
Maria Magalhães e de Isabel Alçada “ NO
CORAÇÃO DA ÁFRICA MISTERIOSA”.
Ouro e marfim foram as riquezas que elevaram e
derrubaram esse império. Como outros casos inumeráveis.
==== E ainda hoje se encontram no topo das
Relações Internacionais os problemas diretamente ligados à exploração das
riquezas africanas – matérias-primas de caráter vital para muitas potências. Isto,
apesar de – entre os 10 países mais pobres do mundo – 9 serem africanos. E
entre estes se encontrarem a Guiné-Equatorial e S. Tomé e Príncipe, países
inseridos na área da lusofonia/CPLP e ambos com a palavra “PETRÓLEO” gravada na
agenda mediática.
O caso é que, nos dias de hoje (pese embora o
eterno acordo entre a CEE/União Europeia com os países designados como ACP), o
pêndulo do relacionamento está nitidamente a desviar-se para a Ásia: - primeiro
foi a China [que até criou há uma dezena de anos o Fórum de Macau para
desenvolver as relações com os países «lusófonos»]…e agora, com muitos anos de
atraso, está a ser a Índia a promover essa aproximação. Dois dos países BRICS a
recentrar o eixo da política internacional.
==== A União Europeia, definitivamente, = com a
sua atenção/preocupação mais centrada no leste europeu e no próximo e médio
oriente, vai-se afastando cada vez mais da África. E não só no que diz respeito
aos “refugiados” ou Migrantes, apesar da recente tentativa de perceber, para
resolver, esse complexo problema. Só dinheiro para os Estados Africanos não
resolverá certamente. Por isso é que Federica Mogherini, [Alta
Representante da UE para a política externa] diz que “o objetivo é criar oportunidades para as pessoas, proteger a vida das
pessoas, lutar contra as redes de tráfico que exploram o desespero das pessoas
e fazer tudo isto em conjunto”.
Quero dizer eu…não impor, mas aceitar e adaptar regimes com a maior
transparência possível e à medida de uma justiça universal, sem pretender ser
donos da justiça ou de um conceito único de democracia.
==== a isto chamo COOPERAÇÃO – uma atitude para a qual é fundamental rever
os atuais paradigmas. Por isso, Podemos sempre incluir aqui inúmeras ideias.
Porque não esta de Aimé Césaire?*
«Não me enterro num particularismo estreito. Mas tão pouco quero perder-me
num universalismo descarnado. Há dois modos de nos perdermos: por segregação
emparedada no particular ou por dissolução no 'universal'. A minha concepção do
universal é a de um universal depositário de todo o particular, depositário de
todos os particulares, aprofundamento e coexistência de todos os particulares.»
*-(Martinica. Político e Poeta, fundador do Movimento da Negritude)
Alguém escreveu para o Círculo de Leitores há muitos anos – e ainda hoje
faz jurisprudência – que nenhuma ciência da terra nem nenhuma ciência social
pode por si só captar e analisar as múltiplas transformações estruturais dos
Estados, das comunidades económicas e dos blocos político-militares. A
colaboração interdisciplinar é indispensável para o nosso futuro.
Sobretudo, devo acrescentar, depois da queda do Muro de Berlim, após a
implosão da ex-União Soviética e da ex-Jugoslávia, e com o aprofundamento da
chamada globalização, em finais dos anos de 1980.
==== e nesse sentido, não deixa de ser estranho que Portugal – 40 anos
depois das independências das suas ex-colónias em África – não tenha ainda
conseguido, em plenitude, dar corpo a uma relação profícua, sem traumas, sem tabus
e de respeito mútuo, de forma a aprofundar e a fazer coexistir todos os “particulares”
que são os países de língua oficial portuguesa.
==== tantos anos passados, e apesar da criação da CPLP em 1996, deitou-se
para o caixote do lixo o chamado “espírito de Bissau” – um gesto de capital importância
para o relacionamento de Portugal com os novos países saídos das ex-colónias
africanas, o qual passava por uma fase dificílima. Estávamos em 1978, quando o
Presidente Ramalho Eanes – recorrendo embora a uma atitude de diplomacia
paralela – consegue com o Presidente Agostinho Neto um “acordo geral de
cooperação nos domínios cultural, científico, técnico e económico”.
E como princípio – diria Agostinho Neto – “entendeu-se que a cooperação não significa apenas uma dádiva ou um
benefício em sentido único. Ela tem um carácter recíproco, o que lhe dá o
carácter novo nas relações Angola-Portugal”.
Ramalho Eanes definiria mais tarde esse espírito
de Bissau – como sendo a “preocupação
em aproveitar aquilo que o passado de bom nos legou, tentando acabar com
preconceitos, que sempre existem quando as independências ocorrem”. Agostinho Neto, o Presidente-Poeta que
o meu camarada jornalista e escritor Leonel Cosme chama de “pragmático”,
agradeceu o esforço de Ramalho Eanes para esse encontro – do qual resultou um
clima de amizade entre Portugal e Angola, estando “dentro da lógica dos fenómenos históricos vividos e segue a natureza do
impulso humano para a coexistência”.
==== Mas infelizmente esse impulso não tem sido seguido regularmente. Ainda
hoje, como é sabido, o clima do relacionamento entre os dois países tem sido
sufocado por altos e baixos – mais baixos do que altos – muitas vezes
traduzidos em questões mesquinhas ou oportunisticamente manipuladas.
Sendo o capital uma
entidade sem rosto, por que razão se questionam apenas (e quase sempre de forma
acintosa) os investimentos angolanos em Portugal, ignorando capitais de outras
proveniências?
São evidentes as enormes
diferenças entre os países do espaço lusófono. Desde logo o conceito temporal
do espaço nação e do território Estado. Há já 41 anos de democracia recente em
Portugal – país a caminho de 9 séculos de existência – enquanto há outros, como
Angola, onde o caminho da paz ainda só completou 13 anos. O tempo da guerra, as
suas causas e meandros condicionaram – não se pode negar – o normal
desenvolvimento do país. E, por consequência, o seu relacionamento externo.
Ainda há dias, o embaixador itinerante angolano, António
Luvualu de Carvalho, referiu que “seria fantástico fazer em 13 anos o que
outros fizeram em 100”!
Quer em Portugal, quer nos
Países de Língua Oficial Portuguesa, é certo que há – e sempre houve – algumas
cabeças ocas. A diferença poderá estar na consolidação da cultura democrática, no
nível de aceitação da liberdade de pensamento e de expressão. E definir cabeças
ocas, embora seja tarefa aceitável para um jornal – não poderá segura e
definitivamente ser preocupação de qualquer Órgão de Soberania. É certo que a
tensão latente remonta aos tempos da independência, de Angola particularmente,
e às contradições e constrangimentos em que Portugal se viu envolvido nesse
período – não deixando de ser palco do experimentalismo internacionalista.
O embaixador Luvualu de Carvalho disse também que, em Portugal, há um nicho
de pessoas que pensam que Angola ainda é de Portugal: - "A representatividade deste grupo
não é grande, mas os meios que possuem, meios de comunicação televisiva (...)
rádios, jornais e nas redes sociais claro que influencia muitas pessoas a terem
uma imagem negativa em relação ao Estado angolano".
Será neste grupo, direi eu, que devem estar inseridas
algumas das tais cabeças ocas.
Portanto…foram tempos diferentes. Tal como são ainda hoje. E se é verdade
que os países africanos tentaram de alguma forma assumir a luta contra
ingerências pós-coloniais e adaptar-se a um mundo em transformação mais ou
menos permanente, não é menos verdadeiro que essa intenção nem sempre terá sido
bem sucedida.
Falávamos de diferenças,
particularmente nos aspetos culturais (onde estão incluídos os direitos humanos!),
económicos e políticos.
Contudo, há uma vivência secular e uma língua transnacional comum, no rasto
da qual devem ser balizados todos os caminhos do futuro. Aceitando e
respeitando mutuamente as diferenças.
É pelo sonho e pela utopia que devemos ir…num caminho traduzido em ações
concretas das sociedades civis dos 9 [mais as diásporas], mas sem esquecer o
enquadramento fundamental das vontades políticas dos Estados-membros.
Acontece, porém, que – numa cegueira completa com os fundos comunitários –
Portugal tem quase sempre preferido esquecer 600 anos do mar que lhe
proporcionou autonomia e independência. E até mesmo desinvestir na língua que
espalhou e tornou comum a milhões de pessoas, não só em África.
A
Língua portuguesa – é hoje património comum de quase 300 milhões de pessoas. E
não deixa de ser curioso assinalar pequenas vitórias, eventualmente
casuísticas, em territórios não originários da Lusofonia: a Universidade da Suazilândia – incentivada pelo próprio Rei – assinou há dias um acordo
com o Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, para a abertura da primeira
licenciatura em língua e literatura portuguesa naquele reino africano.
Ficaremos mais ricos,
sem dúvida!
Mas
o que enriquece o chamado espaço lusófono… não é apenas a Língua oficial. É
certamente também a diversidade.
Infelizmente
nós, portugueses, não herdámos dos nossos grandes exploradores, a riqueza do
conhecimento das outras línguas.
Talvez
não saibamos dizer duas ou três palavras em qualquer das línguas bantos, umbundo (3 a 4 milhões de pessoas nas províncias
centrais de Angola)…ou quimbundo (2
a 3 milhões, na região norte e Luanda)…
Foi
talvez com o Kimbundu que os portugueses mais terão convivido nos primeiros
tempos da colonização.
E desse convívio,
recordo, fomos assimilando apesar de tudo, alguns vocábulos.
Como cambuta (de kambuta,
"baixo, baixinho"), candongueiro
(de kandonga, "negócio ilegal"), moleque (de mu'leke, "menino"), muamba (de mu'hamba,
"carga"), caçula (de kusula ), xingar (de kuxinga, "injuriar, descompor"), kubata
– casa; (Corruptela portuguesa de Ku
Dibata ), ou ainda quitanda (de kitanda, "feira, venda").
E a propósito de Kitanda, e
estando nós em Novembro, como não recordar este poema de Agostinho Neto “Meia-Noite na Quitanda”:
Cem réis de jindungo
Sá Domingas.
O sol
entrega Sá Domingas à
lua
nas quitandas dos
musseques
E a quitandeira
esperando
Cinquenta réis de
tomate
três tostões de
castanha-de-caju
um doce de coco
Sá Domingas
Ela vende na quitanda
à meia-noite
que o filho
está na estrada
precisa de cem réis
para pagar o imposto
O sol deixa Sá
Domingas
na quitanda
e ela deixa o luar
Um tostão
dois tostões
três tostões
que o coração de Sá
Domingas
sofre mais ainda do
que o corpo na quitanda.
Há sempre qualquer coisa de novo em África e
uma aptidão
constante para surpreender – diz o historiador Elikya M’Bokolo – ciente de que
há muitas Áfricas.
Apesar de tudo, esperemos poder
continuar a ser surpreendidos.
-TENHAMOS
FÉ NUM PORTUGAL RENOVADO…
-CONTINUEMOS
A ACREDITAR NA GUINÉ-BISSAU…
-REFORCEMOS
O PRAGMATISMO DE CABO VERDE
-TENHAMOS
ESPERANÇA NO “RIO DOS BONS SINAIS” EM MOÇAMBIQUE…
-NÃO
REGATEEMOS ESFORÇOS RELATIVAMENTE A STP
-OLHEMOS
CONVICTAMENTE PARA ANGOLA … com Kizola (Amor)
e com Kidielela (Esperança).
-Mungu ue! (até amanhã)
-Mungu uenu! (até amanhã a vocês!)
Muito
Obrigado.
Maia,
19 de Novembro de 2015.
António
Bondoso.
António Bondoso
1 comentário:
Amigo Bondoso, MUITO OBRIGADA! Gostei MUITO da sua Palestra.
Tal como me aconselhou um dia a minha Professora de Português, a propósito dos discursos..."Clara,Precisa e Concisa" e com mais uma qualidade Poética!
Um grande abraço.
Maria Mamede
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