SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE - UM PAÍS BASEADO NUMA ILHA CORAÇÃO. (I)
Há dias, passeando a minha atenção nas redes sociais - concretamente no facebook - deparei-me com esta notícia:
Projeto Meros
do Brasil em expedição à pérola do Golfo da Guiné
"Em expedição ao arquipélago no mês de
Novembro de 2015, os pesquisadores Nuno Vasco Rodrigues (FLYING SHARKS/MARE/IPLeiria), Jorge
Fontes (MARE/Açores) e Áthila Bertoncini (UNIRIO/Instituto Meros do
Brasil) realizaram uma série de mergulhos na Ilha de São Tomé e no Ilhéu das
Rolas, com o apoio do Costa Norte Fishing & Diving
Center para documentar a biodiversidade de
peixes desse espetacular Arquipélago, objetivando a produção de um livro guia
de peixes e um poster das espécies comerciais."
***** A propósito, lembrei-me do meu conto que escrevi, em exclusivo, para assinalar o 40º aniversário da independência daquele país africano de língua portuguesa, numa solicitação da CISTP - Casa Internacional de São Tomé e Príncipe - em Lisboa.
A partir do projeto em notícia, pensei que poderia ser interessante ir revelando aqui o meu texto completo - dividido em três capítulos, apenas para não ser demasiado maçador. Hoje deixo-vos a primeira parte:
Palestra do Projeto Meros no IDL- Instituto Diocesano de Formação
João Paulo II.
UMA
“ILHA CORAÇÃO”…EM FORMA DE PAÍS
No
dia em que eu cheguei à Ilha, levava comigo um golfinho – o Pantufo – escoltado pelo gandu Santana e por milhares de vadô-panhá, aproveitando uma água
temperada azul cor de turquesa, apesar da calema da gravana.
Avançámos avistando terra e encontrando
refúgio numa bela e protegida baía a que deram o nome de Ana de Chaves. E ali fizemos amizade com uma encorpada tartaruga,
que – desde logo – nos foi chamando a atenção para os perigos que a sua espécie
ia correndo, pois era evidente o aumento da sua importância comercial, com o
aproveitamento da sua carapaça para a elaboração do tradicional artesanato.
Para além da maravilha culinária dos seus bifes, igualmente. O problema não
estaria nos exemplares mais idosos, mas sim nas jovens tartaruguinhas que mais
facilmente eram apanhadas e tinham boa cotação no mercado.
Eu
sei que o meu destino é a morte lenta – dizia a velha tartaruga talvez com
80 anos…e de tanta idade já nem o nome lembrava – imaginando-se virada de
barriga para o ar, posição aflitiva e acrescida da fatal falta de água, ali no passeio da
marginal no Bairro de S. João.
Havemos
de tomar providências para que isso não aconteça – logo disse o gandu por
entre a sua forte dentadura, que lhe permitia essa sua atitude tão protetora
quanto arrogante. Mas o golfinho, mamífero de uma generosidade e de uma alegria
quase sem limites, embora sabedor da maldade humana própria de todos os tempos,
logo foi avisando: olhos bem abertos,
todos os sentidos apurados para evitar redes, arpões ou quaisquer outros
objetos. Ainda vão passar muitos anos até que alguém se interesse
verdadeiramente pela vida marinha, pelo ambiente, pelo turismo sustentável. E
as nossas amigas tartarugas poderão estar rapidamente numa era de perigo de
extinção.
Quanto tempo passaria, de facto, até
que se ouvisse falar de ONGs, da Marapa,
da Terra Crioula, do programa Tatô, da Terra Verde, do Jalé Ecolodge,
do turismo solidário e do ecoturismo.
Entretanto, propôs o golfinho, talvez fosse interessante irmos explorar
este ambiente, sempre bem perto da costa. E lá partimos com o gandu,
atentos mas brincando sempre. Deixámos as águas tranquilas da baía e
enfrentámos a tradicional ondulação quente que chegava do Golfo.
E fomos navegando primeiro para norte
passando perto do aeroporto, na Praia Gambôa, e depois em Diogo Nunes no canal
frente ao Ilhéu das Cabras, antes de chegar a Fernão Dias. Ora aqui está
uma praia com história de sangue – disse o gandu Santana, fazendo alarde das suas características de excelente e
temível predador dos mares. Como assim?
– interrogou o Pantufo. E Santana explicou brevemente, frisando
ter sido ali que, em tempos, se derramou muito sangue humano inocente, dando
corpo ao que ficou conhecido na história como o “Massacre de Batepá” – embora esta povoação ficasse
bem no interior da terra que os dois, agora, me ajudavam a explorar. Centenas
de pessoas humilhadas e torturadas pelo regime colonial português – acrescentei
eu. Pantufo deu duas piruetas para
afastar um arrepio…indicando quase de imediato o rumo a continuar. Vamos à procura de lugares bem mais
agradáveis – disse. Mas a História,
retorquiu Santana, não deve ser esquecida. Por isso
falamos nela – frisei! Continuando a nadar muito perto da costa, para nos
orientarmos melhor, passámos a ponta Cruzeiro e a praia dos Tamarinos notando que o rumo havia
começado a “desviar-se” para Oeste. E Morro
Peixe ali tão perto! De instituição penal, no período colonial, a projeto
de paraíso para as tartarugas…foi um longo caminho. Que é necessário continuar
a trilhar apesar das “dificuldades” que se apresentam. Nem sempre é fácil
conciliar economia, sobrevivência e biodiversidade – particularmente nos PEID, Pequenos Estados Insulares em
Desenvolvimento. Mas como diz Brígida Rocha Brito, dada a riqueza dos ecossistemas e da paisagem, as ilhas do arquipélago
santomense são dotadas de biodiversidade e endemismo, factores fortemente
potenciais para a prática de actividades turísticas de observação em contexto
de lazer. O que, de certa forma, se enquadra perfeitamente nesta ação
exploratória em que me acompanham o Pantufo
e o Santana.
Não
sei ao certo quantas milhas já teremos “palmilhado”, desde que deixámos a velha
tartaruga na baía de Ana de Chaves – disse Santana. Nadamos mais um
tempo…e antes do anoitecer descansaremos – propôs Pantufo. E eu, já há muito “afastado” deste mar e exausto,
rejubilei com a ideia. E assim chegámos à Lagoa
Azul, mesmo junto ao Morro Carregado.
Mas o adiantado da hora e o sol a despedir-se já não nos permitiu saborear a
delícia do azul do mar e a transparência da água naquele local tão tranquilo e
tão sereno. E onde eu pratiquei até pesca submarina com o amigo Sobral – um
verdadeiro mestre – e onde me recordava de ter sido enganado por um tubarão,
não deixei de o frisar a Santana, que
nos levou todo o peixe já capturado nesse dia já longínquo do século passado. E
até a “bóia” onde o peixe estava pendurado!
Vós, humanos – devolveu Santana – tendes a convicção de que sois
mais “frescos” do que nós. E logo neste ambiente marinho, ao qual eu e o Pantufo estamos perfeitamente adaptados.
Para nos acompanhar, e mesmo com muita dificuldade, vocês precisam de
barbatanas artificiais e de garrafa de oxigénio. Basta olhar para ti, neste
momento. Vamos procurar um nicho tranquilo – decidiu o Pantufo – para depois podermos apreciar o luar.
Que saudades tenho eu – pensei – de uma
fresca cerveja Cuca ou Nocal que vinham de Angola. Mas hoje,
com a sede que este mar salgado provoca, não diria que não a uma antiga Ceto, Rosema ou à nova Creola de
fabrico local. Dizem mesmo que esta é uma das melhores de África. Não deixa de
ter influência a qualidade da água, penso eu. E logo me vêm à ideia tempos da
minha juventude adulta…quando o “carocha
15-50” transportava uma grade, com gelo, e era só decidir o melhor local à
beira-mar. Refrescávamos ideias e imaginávamos o mundo.
O nascer do sol, como agora, único no
mundo! É o coração a falar, claro. Mas não haverá muitos. Pantufo e Santana já se
exibiam em acrobáticos saltos ou em velozes correrias, absorvendo os ricos
raios de sol de um dia magnífico a projetar-se. Concordando com a beleza da
Lagoa Azul, não deixaram de me desafiar para prosseguirmos a tarefa
exploratória. E assim se passaram a praia das Plancas e a Ribeira Funda, pressentindo
ao longe o som de alguns cetáceos em cruzeiro, para chegarmos antes do “almoço”
à cidade das Neves. E de novo a sagacidade do tubarão Santana a lembrar que ali, nas Neves e na praia Rosema, houve em tempos idos um
importante centro de “retalho” de baleias capturadas, apesar de atualmente
apenas se notar o cheiro de combustíveis.
De facto – de acordo com um estudo de
Inês Costa de Carvalho [2004] para o Instituto Superior de Psicologia Aplicada,
de Lisboa, sobre as baleias corcundas – a caça à baleia nesta região durou
praticamente uma década, até finais dos anos 50 do séc. XX, tendo sido
capturados cerca de 800 exemplares que renderam 3.500 toneladas de óleo. Mas
hoje as baleias estão a regressar e são uma atração turística, apesar de o
Japão insistir num acordo para desenvolver a caça aos cetáceos. Apenas pensei
nisto, não o referindo em voz alta para não preocupar e entristecer de novo o
golfinho Pantufo.
Mesmo com cheiro a crude, o “almoço”
nas Neves incluiu um excelente “peixe com banana” – regado com óleo…de palma –
antes de nos fazermos de novo “ao mar” em direção ao Padrão [da descoberta], constatando que o rumo era já nitidamente
para sul.
Tem todo o aspeto de ser uma ilha –
considerou o Pantufo, apurando o seu
“radar” essencial. Para Santana isso
era indiferente, desde que houvesse mar tépido e muito peixe para o seu
sustento. E não era de cerimónias. Tanto mordiscava uma garoupa como podia
trinchar uma corvina. Sem falar de algumas novas espécies que nos últimos anos
foram encontradas nas águas do arquipélago, como por exemplo um peixe papagaio de 80 cm, um peixe-góbio ou uma pequena raia elétrica.
E a um ritmo de cruzeiro,
simpaticamente imposto por Santana e Pantufo em atenção, sobretudo, à minha
condição de peixe fora d’água,
passámos Esprainha, o Padrão, a Ponta de Diogo Vaz…e aqui até nos afastámos um
pouco da costa para poder ter a visão magnífica [em puro contraste com a secura
da de Morro Carregado] de uma selvática vegetação luxuriante que subia numa
cascata verdejante até quase ao Pico, lá no alto, embora menos visível na época
das chuvas devido à densa névoa. Bem medidos, são 2024 metros desde o nível do
mar [mas há quem diga 2027] e ali à volta há ainda o Pico Pequeno, com 1983 m,
Ana de Chaves, com 1630, Calvário, com 1600 – antes da cadeia montanhosa se
alinhar para o sul com Pirâmide, Charuto, Cabumbé e Vila Verde, culminando com
o majestático cenário dos fonólitos Cão
Grande, 663 m ao nível do mar [420 a partir da base] e o Cão Pequeno, apenas a 390 m de altitude
e já muito perto do Ilhéu dos Cocos e da Praia de Massacavú. Ainda mais perto
da costa uma referência para as Mamas de
Massacavú, acima dos 300 metros.
Não foi intencional este adianto, nem tão pouco um desvio de
rota e muito menos um esquecimento dos companheiros Pantufo e Santana. Apenas
um déjà vu de uma outra época que não
é fácil esquecer. Atravessar de Nova Moca para Diogo Vaz ou Monte Forte,
atravessar de Java para Bindá ou Santa Catarina…
Jornalista
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