40 ANOS...APENAS UMA VÍRGULA NAS MEMÓRIAS DE S. TOMÉ E PRÍNCIPE QUE VAMOS CARREGANDO. O CONVÍVIO NA MATA DO BUÇACO.
É
assim que começa a página 73 do meu livro ESCRAVOS DO PARAÍSO, publicado em
2005 para assinalar o 30º aniversário da independência de S. Tomé e Príncipe.
Até àquela data – excetuando talvez a excelente tese de doutoramento do
investigador Gerhard Seibert, publicada em 2001 – penso não ter havido um
escrito com uma abordagem tão profunda e tão diversificada sobre o pensamento,
quer de portugueses que sempre se consideraram são-tomenses, quer de são-tomenses
que até à data da independência não deixaram de ser portugueses. Um pensamento
sobretudo virado para as memórias de séculos, boas e más, para além de uma
análise e/ou de um balanço – em certos casos até com desassombro – do trajeto
político do novo país africano de língua oficial portuguesa.
Fazendo
jus ao título da página com que iniciava o 3º capítulo do livro, escrevia eu
que “Apesar do percurso turbulento, não
conheço outra comunidade com «raízes» africanas que se reúna tantas vezes ao
ano em Portugal”. E salientava o almoço-volante das terças-feiras num
restaurante da baixa de Lisboa; o calulu anual de Junho em Alfaião, com
Bragança à vista; os habituais convívios, de forma rotativa, daqueles que
trabalharam na Rádio – fosse no antigo Rádio Clube de STP, fosse no posterior
Emissor Regional da ex-EN, a partir de 1969; no infalível almoço lisboeta em
Dezembro para assinalar o dia do Santo; e particularmente no consagrado
convívio da Mata do Buçaco, sempre no segundo domingo de cada Setembro desde
1976. Completam-se agora 40 anos!
Por
desconhecimento, seguramente, não me referi então aos mais recentes encontros
da malta menos idosa em Montachique e ao dos atletas e dirigentes do Andorinha
Sport Clube em Pedralva. E mais recentemente ainda, tentou dar-se corpo a um
outro promovido também pelos que passaram pelo Liceu D. João II. Friamente,
poderá dizer-se que é um exagero. Sobretudo tendo em conta o facto das
presenças mais ou menos recorrentes e, de certa forma, os mais recentes anos de
crise que a todos tem afetado.
Mas
para além disso, acrescem razões que foram motivando comportamentos
diferenciados e que levaram ao declínio de alguns dos encontros/convívios em
favor de outros. À dispersão dos interessados – embora o país não seja assim
tão grande – e ao cansaço da repetição, ter-se-á juntado igualmente,
porventura, a emigração.
Bom.
O que realmente importa agora é lembrar o convívio da mata do Buçaco, iniciado
em 1976, algum tempo depois do regresso ou do retorno originado pelo inevitável
processo de descolonização. Provavelmente, a maioria dos “são-tomenses” já
estaria instalada, passada uma natural fase de confusão provocada pelas
mudanças. Significativas para muitos. Era ainda um tempo em que alguns tinham “receio”
de assumir a saudade da história e das suas vidas e de conviver sem tabus…mas
era igualmente um tempo de afirmação de outros, graças ao esforço de mobilização
de uns quantos. Como sempre, aliás.
A
ideia partiu do senhor Leal, que trabalhou nos Serviços de Fazenda, que terá
escolhido a Cruz Alta, no Buçaco, sem dúvida pelo significado do local, mas
também provavelmente por ser relativamente perto de Viseu, cidade para onde foi
residir após o regresso de S. Tomé. Ao Leal juntaram-se depois o Domingos, do
Baía, o Victor Cruz, o Eduardo Duarte, o Oliveira que trabalhou no Auspício &
Menezes e mais tarde o Américo Gradíssimo. Cada família levava a sua merenda…mas
todos partilhavam tudo. Havia calulus para todos os gostos. Num dos primeiros
encontros, recorda o Domingos, apareceram lá elementos dos Serviços Florestais
e perguntaram quem era o responsável. De imediato lhe responderam: cada um é responsável pelo que faz.
Contudo, entendeu-se depois ser mais correto comunicar a realização do evento
aos ditos serviços – até pela simples razão de que era necessária autorização para
a abertura dos sanitários e balneários. Durante muitos anos essa tarefa foi
desempenhada pelo Victor Cruz.
E
como eu digo no livro ESCRAVOS DO PARAÍSO
já referido, não se discutia política: “…os
convívios são a expressão de nos revermos nos cabelos mais brancos de cada um
ou no abraço do parceiro que, algumas vezes e pela corrida do tempo, já nem
recordamos o nome. Sem saudosismos, mas para matar saudades, quem não teve
oportunidade de regressar ao paraíso, vai repetidamente enchendo o coração com
memórias de outro tempo. Todos continuam escravos do milongo, escravos do
feitiço das ilhas do obó, onde o cantar dos pássaros desperta os sentidos. No
fundo, a História não acabou nem começou em 1975, apenas mudou de rumo
acrescentando outras cambiantes”.
E
tal como então, também agora – 40 anos depois – o encontro vai ser marcado por
esse espírito. Oficialmente, será o último a ser “organizado” ali.
Independentemente de poder haver sempre quem, não esquecendo as raízes, ali
continuará a aportar, levando a merenda de uma vida. E por ser o último – é só
perceber as razões – este vai ter uma celebração particular. O lanche terá um
bolo alusivo, com velas e tudo. Nada se apagará. Mas o objetivo é agregar este
encontro do Buçaco ao convívio do Andorinha, no Luso, futuramente talvez no
derradeiro domingo de Junho de cada ano.
Assim
seja.
António Bondoso
Setembro de
2016.
1 comentário:
"Conhece-se o coração do Homem pelo que faz e a sua sabedoria pelo que diz".
Belíssimas, profundas e ricas "Palavras em Viagem".
Os meus parabéns,Tó!
Bjinhos
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