2020-04-22

DE DOR EM DOR, e continuando a «cozer o seu arroz na sua panela» …a Guiné-Bissau «caminha com e como todos, para o futuro». Mas, «Imaginemos que o país se encontrava sem Chefe de Estado neste quadro de pandemia…». É também assim, com esta frase, que Ernesto Dabo entende justificar a complexidade da situação política na Guiné-Bissau, revelando que, «Manter a situação de vazio de poder na presidência, isso sim, poderia levar a consequências de imprevisível gravidade». 



Ernesto Dabo, que é um veterano da luta de libertação da Guiné-Bissau e Cabo Verde e foi um alto quadro político guineense, quer no PAIGC, quer ao serviço do Estado, disse a este Blogue «Palavras Em Viagem» que, na sequência das recentes eleições para a Presidência da República, não houve “golpe de Estado. E justificou: “O empossamento do candidato reconhecido vencedor, aconteceu nos moldes em que aconteceu, porque a postura do candidato derrotado tinha por objetivo agir de forma dilatória, na esperança de conseguir uma saída favorável aos seus interesses”. E para reafirmar a sua convicção, Ernesto Dabo esclarece: “Admito que esta questão possa parecer um golpe de Estado, mas mesmo que alguém o consiga provar, direi que o apoiaria como apoiei o 25 de Abril”.  
O meu contacto com esta multifacetada figura guineense – poeta, escritor, cronista, dramaturgo, fotógrafo, ativista cultural, músico e Mestre em Direito Internacional – data de há já alguns anos, quando me foi oferecido por uma amiga de infância o seu livro/ensaio político “PAIGC : da maioria qualificada à crise qualificada”, de 2013. Também por essa altura publicava eu a dissertação de mestrado em Lusofonia e CPLP, a qual incluía como que um «estudo de caso» sobre a GB, acabadinha de viver mais um conflito politica e socialmente dramático em 2012. Dúvidas persistentes e um futuro carregado de incertezas – incluindo atos eleitorais normais – levavam-me a perguntar «E se o resultado eleitoral não corresponder às expectativas dos atuais militares no poder»? Pois essa minha dúvida tem vindo a repetir-se ciclicamente, tendo acontecido o mais recente episódio já no início de 2020, depois de o PAIGC ter perdido e contestado as eleições de Dezembro do ano passado. De novo o fantasma da crise com a derrota do candidato do partido «histórico», o que me levou a perguntar a Ernesto Dabo, sete anos depois do seu “ensaio”, se o partido voltaria a ter capacidade de liderança, numa sociedade dividida a vários níveis, ou se mais este episódio determinaria o fim da importância do PAIGC? Eis as respostas:
ED = Como se costuma dizer, “ uma crise também é oportunidade para se mudar, melhorar”. Assim sendo, acredito que o PAIGC poderá voltar à liderança do país. Aliás, quando perdeu Amílcar Cabral, prosseguiu a luta e proclamou, unilateralmente, o Estado da Guiné-Bissau, concluindo o processo com a proclamação do Estado de Cabo verde; com o golpe de 14 de Novembro de 1980, ficou sem a componente cabo-verdiana, mas seguiu liderando a Guiné-Bissau; com o advento da democracia, ganhou e perdeu eleições; após o conflito político militar de 7 de Junho de 1998, esteve à beira da extinção, conseguiu restaurar-se e ganhar eleições. Se tivermos em conta estes factos, julgo que se deve admitir que o PAIGC pode recuperar a liderança, se souber renovar e adaptar-se devidamente às exigências da luta política e democrática do presente.
AB = A «erosão» de que fala, está ainda hoje associada ao problema da corrupção?
     ED = A “erosão” me parece indissociável da corrupção. As situações em que a meritocracia seja dominante, os progressos atenuam o recurso à corrupção, porque a fiscalização da acção dos governantes e agentes da administração pública é mais competente, sofisticada, presente e prudente. Se a isso juntarmos o maior potencial de cultura ética, que se supõe residente num grupo de boa preparação técnica, culturalmente identificado e patriótico, os efeitos negativos da “erosão” de que falamos, serão reduzidos ao mínimo.
        AB = Houve «Golpe de Estado» agora…ou tudo é fruto da incapacidade das Instituições?
 ED = A meu ver não houve golpe de estado. A instituição com competência para pronunciar os resultados eleitorais (CNE) fê-lo reiteradamente; a CEDEAO reconheceu os resultados; unanimemente, os observadores internacionais, nacionais, órgãos fiscalizadores, reconheceram os resultados. O recurso apresentado ao STJ, não obedeceu aos preceitos legais para o efeito; até ao presente o STJ não consegue se pronunciar de forma clara e definitiva.
          AB = A «tomada do poder» tem também ou sobretudo a ver com a «luta» entre Lusofonia e Francofonia?
    ED = Interesses geopolíticos fazem parte integrante da acção externa dos Estados, dai que, nada a estranhar, que sejam factores a ter em conta na análise de factos políticos ocorridos nas zonas de interesses de actores diferentes.
         AB = A chamada «Comunidade Internacional» (incluindo a CPLP) não tem força para «normalizar» o país!? Para onde caminha a Guiné-Bissau?    
 ED = A esta questão, responderia com um pensamento de Amílcar Cabral: “ Por mais importantes que sejam os factores externos, em última instância, são os endógenos que determinam as soluções. “O arroz coze-se na panela”. A Guiné-Bissau caminha com e como todos, para o futuro.
Um futuro eventualmente adiado, de novo, agora pelos efeitos da pandemia da COVID-19. Não pelo número de casos registados – há dois ou três dias situava-se em 50 – mas sobretudo pelas consequências económicas e sociais. Segundo a diretora nacional do Banco Central dos Estados da África Ocidental para a GB, Helena Nasolini Embaló, as debilidades do país poderão conduzir a um choque económico mais profundo do que em outros países da sub-região. Mesmo tendo em conta o alívio da dívida por parte do FMI. 



Poliglota, fala sete línguas, Ernesto Dabo já publicou também “Mar Misto” e “Olonko” (Bilingue em Kiriol/Português) de poesia, e editou o CD “Lembrança”, considerado como uma referência para a música guineense e africana.


António Bondoso
22 de Abril de 2020

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