DE DOR EM DOR,
e continuando a «cozer o seu arroz na sua panela» …a Guiné-Bissau «caminha com
e como todos, para o futuro». Mas, «Imaginemos que o país se encontrava sem
Chefe de Estado neste quadro de pandemia…». É também assim, com esta
frase, que Ernesto Dabo entende justificar a complexidade da situação política
na Guiné-Bissau, revelando que, «Manter a
situação de vazio de poder na presidência, isso sim, poderia levar a
consequências de imprevisível gravidade».
Ernesto Dabo,
que é um veterano da luta de libertação da Guiné-Bissau e Cabo Verde e foi um
alto quadro político guineense, quer no PAIGC, quer ao serviço do Estado, disse
a este Blogue «Palavras Em Viagem» que, na sequência das recentes eleições para
a Presidência da República, não houve “golpe de Estado. E
justificou: “O empossamento do candidato
reconhecido vencedor, aconteceu nos moldes em que aconteceu, porque a postura
do candidato derrotado tinha por objetivo agir de forma dilatória, na esperança
de conseguir uma saída favorável aos seus interesses”. E para reafirmar a
sua convicção, Ernesto Dabo esclarece: “Admito
que esta questão possa parecer um golpe de Estado, mas mesmo que alguém o
consiga provar, direi que o apoiaria como apoiei o 25 de Abril”.
O meu
contacto com esta multifacetada figura guineense – poeta, escritor, cronista,
dramaturgo, fotógrafo, ativista cultural, músico e Mestre em Direito Internacional
– data de há já alguns anos, quando me foi oferecido por uma amiga de infância
o seu livro/ensaio político “PAIGC : da
maioria qualificada à crise qualificada”, de 2013. Também por essa altura
publicava eu a dissertação de mestrado em Lusofonia e CPLP, a qual incluía como
que um «estudo de caso» sobre a GB, acabadinha de viver mais um conflito
politica e socialmente dramático em 2012. Dúvidas persistentes e um futuro
carregado de incertezas – incluindo atos eleitorais normais – levavam-me a perguntar
«E se o resultado eleitoral não corresponder às expectativas dos atuais
militares no poder»? Pois essa minha dúvida tem vindo a repetir-se ciclicamente,
tendo acontecido o mais recente episódio já no início de 2020, depois de o PAIGC ter
perdido e contestado as eleições de Dezembro do ano passado. De novo o fantasma
da crise com a derrota do candidato do partido «histórico», o que me levou a
perguntar a Ernesto Dabo, sete anos depois do seu “ensaio”, se o partido
voltaria a ter capacidade de liderança, numa sociedade dividida a vários
níveis, ou se mais este episódio determinaria o fim da importância do PAIGC?
Eis as respostas:
ED = Como se costuma dizer, “ uma crise também é oportunidade para se
mudar, melhorar”. Assim sendo, acredito que o PAIGC poderá voltar à
liderança do país. Aliás, quando perdeu Amílcar Cabral, prosseguiu a luta e
proclamou, unilateralmente, o Estado da Guiné-Bissau, concluindo o processo com
a proclamação do Estado de Cabo verde; com o golpe de 14 de Novembro de 1980,
ficou sem a componente cabo-verdiana, mas seguiu liderando a Guiné-Bissau; com
o advento da democracia, ganhou e perdeu eleições; após o conflito político militar
de 7 de Junho de 1998, esteve à beira da extinção, conseguiu restaurar-se e
ganhar eleições. Se tivermos em conta estes factos, julgo que se deve admitir
que o PAIGC pode recuperar a liderança, se souber renovar e adaptar-se
devidamente às exigências da luta política e democrática do presente.
AB = A «erosão» de que fala, está ainda hoje
associada ao problema da corrupção?
ED = A “erosão” me parece
indissociável da corrupção. As situações em que a meritocracia seja dominante,
os progressos atenuam o recurso à corrupção, porque a fiscalização da acção dos
governantes e agentes da administração pública é mais competente, sofisticada,
presente e prudente. Se a isso juntarmos o maior potencial de cultura ética,
que se supõe residente num grupo de boa preparação técnica, culturalmente
identificado e patriótico, os efeitos negativos da “erosão” de que falamos, serão
reduzidos ao mínimo.
AB = Houve «Golpe de Estado» agora…ou
tudo é fruto da incapacidade das Instituições?
ED = A meu ver não houve golpe de
estado. A instituição com competência para pronunciar os
resultados eleitorais (CNE) fê-lo reiteradamente; a CEDEAO reconheceu os
resultados; unanimemente, os observadores internacionais, nacionais, órgãos
fiscalizadores, reconheceram os resultados. O recurso apresentado ao STJ, não
obedeceu aos preceitos legais para o efeito; até ao presente o STJ não consegue
se pronunciar de forma clara e definitiva.
AB = A «tomada do poder» tem também ou
sobretudo a ver com a «luta» entre Lusofonia e Francofonia?
ED = Interesses geopolíticos
fazem parte integrante da acção externa dos Estados, dai que, nada a estranhar,
que sejam factores a ter em conta na análise de factos políticos ocorridos nas
zonas de interesses de actores diferentes.
AB = A chamada «Comunidade
Internacional» (incluindo a CPLP) não tem força para «normalizar» o país!? Para
onde caminha a Guiné-Bissau?
ED = A esta questão, responderia com um
pensamento de Amílcar Cabral: “ Por mais importantes que sejam os factores
externos, em última instância, são os endógenos que determinam as soluções. “O
arroz coze-se na panela”. A Guiné-Bissau caminha com e como todos, para o futuro.
Um futuro eventualmente adiado, de
novo, agora pelos efeitos da pandemia da COVID-19. Não pelo número de casos registados
– há dois ou três dias situava-se em 50 – mas sobretudo pelas consequências
económicas e sociais. Segundo a diretora nacional do Banco Central dos Estados
da África Ocidental para a GB, Helena Nasolini Embaló, as debilidades do país
poderão conduzir a um choque económico mais profundo do que em outros países da
sub-região. Mesmo tendo em conta o alívio da dívida por parte do FMI.
Poliglota, fala sete línguas, Ernesto Dabo já
publicou também “Mar Misto” e “Olonko” (Bilingue em Kiriol/Português) de
poesia, e editou o CD “Lembrança”, considerado como uma referência para a
música guineense e africana.
António Bondoso
22 de Abril de 2020
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