ATÉ OS MORTOS FALAM NA RÁDIO...
“A Rádio é um instrumento de Liberdade porquanto é um apelo permanente à Criatividade".
António Bondoso
“A Rádio é um instrumento de Liberdade porquanto é um apelo permanente à Criatividade".
António Bondoso
Foto de António Bondoso.
Algum tempo depois de ter sido assinalado o “Dia Mundial
da Rádio” (mais um) – meio de comunicação ainda privilégio de muitos, na exata
medida de outros que pretendem e têm vindo a insistir na sua morte antecipada (
a razão já foi a TV e nos últimos anos tem sido a internet) – apetece escrever de novo sobre este media que, nas
circunstâncias mais diversas de tempo e de espaço, continua a revelar-se de uma
utilidade fundamental. E continua a ser, de facto, um instrumento de Liberdade,
porquanto não deixa – nunca! – de ser um apelo permanente à Criatividade. De
liberdade, sim senhor, mesmo quando “rejeitado” em defesa desse valor supremo.
Como foi o caso, na Alemanha de Hitler, da família do Padre Bernard Häring –
que escreveu em finais dos anos 50 do século XX A Lei de Cristo e que viria a ser consultado pelos Papas João XXIII
e Paulo VI:- “Quando o partido [nazi] distribuía aparelhos de rádio pelas
famílias para ouvirem o «führer», o pai declarava, apesar da ameaça dos campos
de concentração: «Enquanto o führer vociferar na rádio, esses aparelhos não
entrarão em nossa casa»”[1].
Quando com
gente dentro e sem fios...transporta sorrisos audíveis, pensamentos positivos
mas inquietos e uma serena tranquilidade para refletir. Algumas unidades
continuam a semear cultura, outras – poucas – não poupam espaço à “grande
música”, muitas prestam um verdadeiro “serviço público” e ainda outras tantas –
infelizmente – cederam ao vício do “fabrico da informação”.
E para
além de tudo...um fabrico “normalizadamente global!”
Do “dever sagrado” que foi o facto de “revelar”, no
período do pós-guerra, caíu-se – em finais do século XX – na ideia de que só
ditadores e corruptos acreditavam que um grande título poderia ser incómodo e
que, por isso, precisavam de encobrir as suas ações. E depois, as notícias
passaram – de palavras sagradas – a ser vistas como falsas ou suspeitas.
Paradoxalmente, dizem Florence Aubenas e Miguel Benasayag[2],
“sob as roupagens da modernidade, a Internet corresponde a novo sobressalto
dessa mesma velha certeza [é verdade, pois vem nos jornais]: eis finalmente a
rede que irá permitir a cada um de nós aceder às famosas informações que os
poderosos tentam ocultar-nos...”.
Contudo,
referem os autores, o sistema de comunicação foi abalroado pelo exagero da
transparência e do poder/dever mostrar-se, aparecer.
No fundo, um mundo de representação com o qual temos que
saber viver. A adaptação sempre foi inata no homem e, por isso, não podendo
ignorar os males e os perigos da internet, temos a obrigação inteligente de os
saber e poder contornar a cada dia. Disseminada, mas não necessariamente
democrática, compete ao homem ir encontrando formas de retirar da net tudo o que ela pode oferecer de bom,
e dessa moderna, prática, eficiente ferramenta tentar eliminar todo o ruído e
todo o lixo que a invadem. A tecnologia foi de criação humana, não nasceu de
qualquer pulsão artificial.
Por outro lado, alinham-se no computador as modernamente
chamadas playlists – oferta (?) das
grandes editoras que fabricam música apenas para vender. Não importa a
qualidade, que o lucro não tem sentimentos. E a “qualidade”, pode
argumentar-se, não deixa de ser relativa. Mas a playlist é quase como que uma imposição de sobrevivência no meio. E
assim, excetuando felizmente alguns casos de coragem e de bom gosto, o que mais
vamos tendo por esse país dentro é radio-rooms
[a expressão é minha] perfeitamente normalizadas, emitindo três canções-bloco
publicitário, repetindo-se o cenário publicidade-três canções! Nem uma ideia,
nem um pensamento, nem uma nota sobre o tempo que faz!
E o vento nada me diz, não há notícias do meu país.
E quando surgem em grande parte dessas “rádios(?)” –
acontece que, ou estão desfasadas no tempo ou refletem apenas a cópia de
publicações nos jornais e – caso imperdoável – até a reprodução de factos já
relatados nas televisões. É uma rádio de reação...quando deveria ser de combate
na primeira linha. Sem perder o rigor e a qualidade.
Não basta que a evolução tecnológica aconteça e seja bem aproveitada.
É fundamental dar-lhe conteúdo. E sonho!
Quando sinto e penso em todas as montanhas que ainda não
subi; em todos os rios que ainda não naveguei; nas matas densas onde ainda não
me aventurei; nos desertos secos de vida qua ainda não dessedentei; em todas as
viagens que ainda preenchem os meus sonhos... e quando sei todos os sonos que
ainda não dormi e em todas as madrugadas a que cheguei atrasado e não vi nascer
o Sol para além do infinito que imagino – mesmo sem ouvir a Onda Curta a que me
habituei no transistor Sony de nove bandas, companheiro de viagem sempre que
saía do país em reportagem ou em férias.
E perante tudo isto – porque não podemos ignorar o que
vamos ouvindo e porque há datas de Abril e Maio de ligação umbilical à Rádio –
coloca-se-me a imperiosa necessidade de lembrar alguns grandes profissionais da
rádio. Que já “falaram”...mas que ainda se pronunciam na memória daqueles que –
como eu – cultivam o vício de não esquecer: - Alfredo Alvela, Alice Cruz, Amadeu
José de Freitas, António Roçadas, António Jorge Oliveira, Armindo Salvador,
Arminda Brito Viana, Artur Agostinho, Artur Peres, Carlos Cardoso, Fernando Pessa,
Fernando Conde, Francisco Simons, Filinto Lapa, Fernando Figueiredo, Gonçalo de
Faria T. Peixoto, Guilherme Santos, Helder Soares, Igrejas Caeiro, João Canedo,
Joaquim Berenguel, Johny Reis, Jorge Perestrelo, José Freire, José Andrade, José
Gabriel Viegas, José Maria Rocha, José Quelhas, Licínio Oliveira, Manuel Lage, Maria
Leonor, Maria da Paz de Barros Santos, Mário João, Nuno Brás, Pacífico Brandão,
Rui Andrade, Rui Lima Jorge, Rui Romano, Sebastião Fernandes, Virgílio Proença,
Vitor Cruz, Vitor Pombal.
Quem se lembrar de outros – porque há muitos mais para
recordar – fará o favor de ir completando a lista. Sem memória não há História!
E depois, como diz o jornalista “Sam
Ridley” – investigador criminal na londrina City
Radio[3] -
“A rádio não depende de imagens, e essa é uma das razões porque gosto dela. O olho
pode ser um órgão muito engandor”.
António Bondoso
Maio de 2013.
JOSÉ ANACLETO - 27 de Maio de 2013.
[1] - VUILLIEZ, Hyacinthe. Na introdução
a A IGRJA QUE EU AMO (Bernard Häring). Figueirinhas, 1992.
[2] - A fabricação da informação. 2002.Campo das Letras, Porto.
[3] - NILES, Chris. OS MORTOS NÃO FALAM NA RÁDIO. Bertrand,
2003.
Foto de António Bondoso.
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