CELEBRAR AQUILINO...
...TÃO SIMPLES COMO SACIAR A SEDE !
E VOCÊ... SABE O QUE SIGNIFICA «TEBAIDA»?
Numa altura em que se assinala o
centenário da publicação de O Jardim das
Tormentas, de Aquilino Ribeiro, lembrei-me de ter lido uma simples e
deliciosa historinha sobre o Mestre, contada em 2004 pelo jornalista Pedro
Foyos – que começou a sua atividade no República em 1960 – para a obra Memórias Vivas do Jornalismo, de
Fernando Correia & Carla Baptista, publicada pela Caminho em 2009.
E a coisa tem a ver com a forma
simples e bela como Aquilino projetava a riqueza da língua para uma dimensão
nacional e internacional.
Conta Pedro Foyos que o Mestre, no
final de uma entrevista feita na sua casa em Lisboa, lhe ofereceu um livro em
cuja dedicatória lhe augurava um «futuro de homem de letras» que se lembraria,
por meio daquele livro, «do velho autor que visitou na sua tebaida». E foi esta
palavra – tebaida – que ficou a mexer
nos neurónios de Pedro Foyos: “Que raio quereria aquilo dizer? É evidente que
não iria expor perante o mestre a minha ignorância” e, por isso, nada
perguntou. Chegado ao jornal, explica, “corri para o dicionário. Lá estava, sim
senhor: «Tebaida: lugar solitário; retiro.» Desde esse dia, admito que seja dos
poucos portugueses que está em condições de dizer, tranquila e prontamente, o
que significa «tebaida»...”.
Posto isto, passemos então ao texto
com que me associei a um número especial do Jornal
Beirão, inteiramente dedicado a Aquilino Ribeiro.
CELEBRAR AQUILINO...
...TÃO SIMPLES COMO SACIAR A SEDE !
E
sinto-me honrado e grato por poder participar nesta celebração especial,
recuperando e atualizando uma carta que dirigi publicamente ao Mestre há já
cinco anos, inserida no livro “...DA
BEIRA! ALGUNS POEMAS e uma CARTA PARA AQUILINO”.
Datada da Serra da Nave, que ele
conheceu por prazer e, mais tarde, pela necessidade de despistar os esbirros a
caminho da liberdade longe, dizia eu que essa era uma carta retirada das
gavetas do tempo. Hoje, acrescento um ponto: este tempo novo apresenta-se
igualmente duro e difícil. Mário Soares ( não só ele) diz que a situação, hoje,
é a mais difícil depois do 25 de Abril – mesmo se nos lembrarmos dos tempos
dramáticos dos anos de 1980, particularmente na região de Setúbal, onde o Bispo
D.Manuel Martins recebeu a “marca” de Bispo Vermelho, por ter combatido a fome
e a miséria e criticado os políticos de então. Um deles era Mário Soares,
primeiro ministro de um governo de coligação com o PSD de Mota Pinto, o chamado
Bloco Central.
E nessa carta de
há cinco anos [Setembro de 2007], escrevia eu designadamente: “Nesta sua Serra
da Nave, praticamente incólume no seu espírito de liberdade mas a merecer ainda
os adjectivos com que baptizou as Terras do Demo, a vida continua a ser dura e
pobrinha. (...) Mas tem havido investimento, criatividade e engenho particularmente
nas áreas da Educação e do Desporto e na resolução das carências
sócio-culturais. Em Moimenta da Beira (Vila que viu aumentada sobremaneira a
sua área urbana), por exemplo, tomou forma um desejo dos anos de 1950 e 1960
(que o mestre ainda partilhou nomeadamente com o Padre Bento da Guia e com o
Dr. Amadeu Baptista Ferro) – a excelente e funcional Biblioteca que leva o seu
nome.
Nesta celebração, quero apenas recordar
alguns nomes de figuras que foram suas contemporaneas, nomeadamente Amadeu
Baptista Ferro, homem ímpar que engrandeceu Moimenta da Beira e que nesta
altura – provavelmente não muito longe do espírito do Panteão – certamente lhe recorda conversas de viagem na carreira
para Viseu.
(...)
“Baptista Ferro[1],
na época de 1980, traçava nas páginas do renascido jornal [Correio Beirão] um
Itinerário Aquiliniano (que incluía
V.N.Paiva, a Serra da Lapa, Soutosa, Moimenta, a Barragem do Vilar) e revelava
que as suas relações com o mestre foram estabelecidas, sobretudo, através do
Correio Beirão – naturalmente a 1ª série, nascida em 1956. Competia ao
modestíssimo jornal, escrevia o Dr. Ferro, um dever de gratidão e de admiração
para com Aquilino, dado o seu estatuto de grande trabalhador das letras. E
alguns anos antes das comemorações do cinquentenário de labuta literária do
mestre (talvez Outubro de 1959), já o jornal exortava os moimentenses a
perpetuarem a “…estima e gratíssima
admiração por um dos seus conterrâneos mais ilustres, dos mais altos valores de
todos os tempos”. A sua preocupação com a instrução, com a educação, com a
cultura – levaram o mestre a manifestar também satisfação com o jornal, com a
ascensão do Colégio/Externato Infante D. Henrique e sugeriu até, para o espólio
da Biblioteca [uma autêntica aventura], valores firmados da região, como por
exemplo Frei Joaquim de Santa Rosa Viterbo, de Gradiz; o crítico de arte
Armando de Lucena, com ligações familiares a Sernancelhe e a Leomil; o
jurisconsulto Jaime de Gouveia, dos Arcozelos; Leite de Vasconcelos, da Ucanha,
sábio etnólogo ; os poetas Luís Veiga Leitão, de Moimenta, e Fausto José, de
Armamar e que fez parte do grupo “Presença”; o romancista Afonso Ribeiro, da
Vila da Rua – que foi professor em V.N. de Gaia e jornalista no Porto, fundador
do “Sol Nascente” em 1937 e proibido pela censura em 1939 – o mesmo Afonso
Ribeiro que partiu para Moçambique em 1947, onde viria a exercer também a
actividade jornalística, sendo preso dois anos depois na campanha de Norton de
Matos; o diplomata António de Sèves e o médico investigador de medicina
tropical Fraga de Azevedo, de Sernancelhe. Toda esta lista relatada por Amadeu
Baptista Ferro, que era uso viajar consigo na carreira entre Moimenta e Viseu e
que, em Soutosa, conheceu o seu amigo íntimo, o Padre António de Andrade, dos
Arcozelos; e onde levou os antigos condiscípulos no Colégio da Lapa, Ernesto da
Paiva Gomes e Acácio Gomes Machado. Dada a sua partida, mestre, a biblioteca
não a chegou a conhecer e, pela sua ausência e oposição do governo, já não se
realizou a homenagem que lhe iria ser prestada em Outubro de 1963, no
Externato, sendo conferencista convidado outro ilustre natural de Moimenta – o
publicista Eduardo Salgueiro, da Editorial Inquérito, desde muito cedo radicado
em Lisboa, um inovador no ramo com a edição de livros de bolso – também ele um
alvo de perseguição da Censura e da PIDE. (...) Era assim o fadário da
existência nas suas Terras do Demo nesses anos da ditadura”. E que é
fundamental ter presente, para evitar um futuro idêntico, sabendo-se que hoje
Moimenta tem furado essa “muralha interior” com iniciativas de grande alcance,
merecedoras da atenção dos media nacionais de referência.
Serra da Nave, (re)escrita em Maio de
2013
Este seu leitor e admirador
António Bondoso
Maio de 2013.
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