2013-10-04


UM ANIVERSÁRIO…


Hoje, o grande escritor chileno LUÍS SEPÚLVEDA, amigo de Salvador Allende, perseguido político, preso e depois “condenado” ao exílio, celebra mais um aniversário. Longe da Pátria mas junto da sua família.
Dele tenho todas as obras publicadas em Portugal – algumas pelo próprio autografadas – e com ele partilho a paixão pela Rádio. Apenas falei com ele duas vezes: uma pelo telefone, quando me encontrava em Macau [Luís vivia já em Gijon depois do exílio na Alemanha] e pretendi alertar para os problemas ambientais que estavam a condenar a vida dos golfinhos em todo o Delta do Rio das Pérolas, especialmente em Hong Kong – e outra na Póvoa de Varzim, durante uma edição de Corrente d’Escritas.
A propósito desta reunião/convívio de escritores de várias línguas – sobretudo do português e do castelhano – e de uma outra que se vai realizar amanhã em Montemor-o-Velho, por iniciativa da ONG “AECODE”- apenas dedicada à Lusofonia – quero destacar um excerto do seu mais recente livro PALAVRAS EM TEMPOS DE CRISE. No capítulo que designa por “Narrar…Resistir”, Sepúlveda escreve: “A cada dia que passa mais me convenço de que leio livros que não interessam a ninguém, e os outros leem livros que a mim não me interessam. A cada dia que passa mais digo NÃO a convites para participar em encontros de escritores porque me cansam, me aborrece o show literário, essa passarela onde se exibem as piores vaidades e as mediocridades mais bem conservadas. A cada dia que passa mais amo a vida, a rua, os atos sociais, porque aí descubro que as palavras ainda cumprem uma função necessária. (…) porque a minha valoração das palavras ensinou-me que estas possuem um profundo sentido do pudor e sofrem quando são mal usadas.(…) Ordeno as palavras que me permitem narrar o universo, e porque sou fiel aos meus, àqueles que tornam a vida possível com o seu esforço resistente [refere-se à recente luta dos mineiros em Espanha], escrevo, narro e resisto”.
Luís Sepúlveda mostrava a sua opção por acompanhar a luta dos mineiros, em desfavor de um convite para assistir a uma conferência de um outro escritor latino-americano que ele não considera. Daí, a crítica inicial aos encontros de escritores. Não seguramente ao da Póvoa de Varzim – um dos poucos que ele admira e no qual marca presença assídua.
Do mesmo modo, espero eu vir a admirar o que vai ter lugar amanhã em Montemor-o-Velho. Dedicado à Lusofonia, já vai na 3ª edição. E promete uma próxima até de maior envergadura. Uma vez que se assinala a 5 de Outubro o dia da implantação da República em Portugal – já lá vão 103 anos! – espero que valha a pena participar no encontro de escritores, mesmo sabendo que o mesmo será mais uma oportunidade para desfilarem vaidades, em troca de poder celebrar na invicta cidade do Porto os ideais republicanos da justiça, da liberdade e da solidariedade.
Termino, naturalmente, com um abraço de parabéns ao Luís Sepúlveda e fazendo votos para que possa continuar a deliciar-nos com a beleza da sua escrita e das suas histórias. Ao Luís, um apaixonado da rádio [é raro o livro seu em que não haja referências à rádio], a quem eu também pedi os contactos da Rádio Ventisquero, na longínqua Terra do Fogo, lá nos confins do Sul – “está sempre tudo no Sul!” repete o Luís – para depois chegar à fala com outro grande escritor chileno Francisco Coloane, que teve pena de não poder ir conhecer Macau e essa ilha de Coloane gravada no seu nome.
António Bondoso
Jornalista.

4 de Outubro de 2013.  

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