2013-10-01


UM "SE" DE VEZ EM QUANDO...



SE…
Devo dizer-vos que sonhei ter um computador novo e que, talvez por indução, sonhei igualmente estar num país já sem recessão – ouvindo longe uma voz trémula e de articulação difícil – mas curiosamente num país ainda de muitas contradições. Se, por um lado, me deparo com esta notícia de veludo, por outro vem logo o lado negro da questão: só num ano, mais de 30 mil pessoas ficaram sem o RSI – rendimento social de inserção – e, até Agosto de 2013, já se tinham verificado 674 suicídios, uma média de 84 por mês. Como digo, tudo isto numa nébula de efeitos, vozes e letras que me transportavam igualmente para alguém que afiançava que não irá haver segundo resgate e que o défice – apesar de estar nos 7,1 no primeiro semestre – vai seguramente chegar aos 5,5% no final do ano. Ah! E o desemprego que baixou uma décima…Mas se, por um lado, a brisa do sonho me faz chegar este otimismo – por outro, há vozes incomodativamente desesperadas que me sopram a ideia de que a economia paralela subiu para quase 27% do PIB, que os pensionistas já perderam 20% do seu poder de compra [como poderia eu adquirir um computador novo?], que o nº de casais sem emprego aumentou 45% e que os portugueses consomem 75 mil embalagens diárias de medicamentos psicotrópicos.
         A nébula não seria exatamente cor de rosa…mas quase! Ou terá sido efeito de um sonho eleitoral? Fruto da imaginação sonolenta talvez, algo aéreo ou aeróbata, lá fui navegando no imenso firmamento, espaço etéreo e sublime, como que por efeito de um leve ansiolítico.
         E fui “ouvindo” e “lendo” essa mutreta própria dos que se entendem altamente capacitados para analisar – no instante – os resultados de uma complexa eleição como é a de milhares de freguesias e centenas de municípios, complexidade agravada pelas circunstâncias em que se desenrolam. Uma grave recessão económica, uma típica intervenção estrangeira própria dos agiotas da alta finança, um frenético clima de desilusão com os políticos, um propício terreno para os “independentes” [como se os houvesse, de facto, verdadeiros] – tão certa aquela ideia de que eles são muito imprevisíveis! – uma forte corrente de emigração quase forçada de jovens altamente qualificados e dos adultos ainda capazes de suportar a vida longe da família.
         Mas para esses analistas, comentadores (deiros), jornalistas (eiros) e até alguns politólogos…tudo era de leitura simples. E cada um levava números e percentagens para um campo de análise muito seu e para uma projeção obtusa das lições a tirar. Quantas necedades, meu Deus!
         E de repente acordei com um mapa do país muito mais cor-de-rosa à minha frente e com os ecos de vitória de muita gente – até daqueles que, embora perdendo, ganham sempre! Como “Se” a realidade não fosse muito concreta!
         Ou então…gravemos em relevo a frase de Hemingway: “Realidade – é uma ilusão causada pela falta de álcool”.
António Bondoso

Outubro de 2013.

Sem comentários: