UM "SE" DE VEZ EM QUANDO...
SE…
Devo
dizer-vos que sonhei ter um computador novo e que, talvez por indução, sonhei
igualmente estar num país já sem recessão – ouvindo longe uma voz trémula e de
articulação difícil – mas curiosamente num país ainda de muitas contradições.
Se, por um lado, me deparo com esta notícia de veludo, por outro vem logo o
lado negro da questão: só num ano, mais de 30 mil pessoas ficaram sem o RSI –
rendimento social de inserção – e, até
Agosto de 2013, já se tinham verificado 674 suicídios, uma média de 84 por
mês. Como digo, tudo isto numa nébula de efeitos, vozes e letras que me
transportavam igualmente para alguém que afiançava que não irá haver segundo
resgate e que o défice – apesar de estar nos 7,1 no primeiro semestre – vai
seguramente chegar aos 5,5% no final do ano. Ah! E o desemprego que baixou uma
décima…Mas se, por um lado, a brisa do sonho me faz chegar este otimismo – por
outro, há vozes incomodativamente desesperadas que me sopram a ideia de que a
economia paralela subiu para quase 27% do PIB, que os pensionistas já perderam 20% do seu poder de compra [como
poderia eu adquirir um computador novo?], que o nº de casais sem emprego
aumentou 45% e que os portugueses
consomem 75 mil embalagens diárias de medicamentos psicotrópicos.
A nébula não seria exatamente cor de
rosa…mas quase! Ou terá sido efeito de um sonho eleitoral? Fruto da imaginação
sonolenta talvez, algo aéreo ou aeróbata, lá fui navegando no imenso
firmamento, espaço etéreo e sublime, como que por efeito de um leve
ansiolítico.
E fui “ouvindo” e “lendo” essa mutreta
própria dos que se entendem altamente capacitados para analisar – no instante –
os resultados de uma complexa eleição como é a de milhares de freguesias e
centenas de municípios, complexidade agravada pelas circunstâncias em que se
desenrolam. Uma grave recessão económica, uma típica intervenção estrangeira
própria dos agiotas da alta finança, um frenético clima de desilusão com os
políticos, um propício terreno para os “independentes” [como se os houvesse, de
facto, verdadeiros] – tão certa aquela ideia de que eles são muito
imprevisíveis! – uma forte corrente de emigração quase forçada de jovens
altamente qualificados e dos adultos ainda capazes de suportar a vida longe da
família.
Mas para esses analistas, comentadores
(deiros), jornalistas (eiros) e até alguns politólogos…tudo era de leitura
simples. E cada um levava números e percentagens para um campo de análise muito
seu e para uma projeção obtusa das lições a tirar. Quantas necedades, meu Deus!
E de repente acordei com um mapa do
país muito mais cor-de-rosa à minha frente e com os ecos de vitória de muita
gente – até daqueles que, embora perdendo, ganham sempre! Como “Se” a realidade não fosse muito
concreta!
Ou então…gravemos em relevo a frase de
Hemingway: “Realidade – é uma ilusão causada
pela falta de álcool”.
António
Bondoso
Outubro
de 2013.
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