2015-06-12


A PROPÓSITO DOS 30 ANOS DE ADESÃO À CEE... DEIXO PARA REFLEXÃO UM PEQUENO ENSAIO QUE ELABOREI EM 2014, POR OCASIÃO DAS ELEIÇÕES PARA O PARLAMENTO EUROPEU. 
MANTÉM ATUALIDADE, PELO QUE NÃO ALTEREI FOSSE O QUE FOSSE. 


QUANDO
 FORMOS CIDADÃOS DA EUROPA



BREVE ENSAIO
A REBOQUE DO VOTO PARA O PARLAMENTO EUROPEU

ANTÓNIO BONDOSO
2014




Interior do Café Majestic, no Porto. Anos 20 do séc.XX. Foto disponível na Web

A IDEIA DE EUROPA



«A Europa é feita de cafetarias, de cafés. Estes vão da cafetaria preferida de Pessoa, em Lisboa, aos cafés de Odessa frequentados pelos gangsters de Isaac Babel. […] Desenhe-se o mapa das cafetarias e obter-se-á um dos marcadores essenciais da ‘ideia de Europa’»
                                     GEORGE STEINER, 2005

            Se esta ideia de Steiner fosse a única – e determinante – não haveria dúvidas de que Portugal se encontraria na primeira linha da construção europeia. Temos, de facto, uma cultura de “cafés”, quer seja numa grande cidade, quer seja na mais recôndita aldeia do interior. Mas só isso não basta. Todo o processo foi e é muito mais complexo e para o qual o povo não foi consultado. O que, em boa verdade, agora já não importa. Decisivo, seria ter, apresentar, defender e liderar uma visão estratégica de futuro. Que passa por uma cidadania percebida e assumida…mas também ouvida!


RAZÃO DE SER DO ENSAIO

“O que importa (…) é saber que propostas têm os partidos para a reforma do projeto europeu, tornando-o mais solidário, que ideias têm sobre o papel que Portugal deve desempenhar na construção europeia e como é que entendem que a UE deve atuar para sair da crise em que continuamos. O resto é "politiquinha". Se a Europa não estiver no centro do debate, então estas eleições serão, à semelhança de outras anteriores, uma oportunidade perdida".
Editorial do DN, 2014[1]

O Parlamento Europeu [PE] é o único “pilar” com legitimidade democrática – entendida na sua projeção direta e universal – no edifício tão complexo quanto aliciante que é a União Europeia.                                                                                                                          
            Apesar disso, é incontornável a estranheza que nos assalta quando percebemos que o voto pouco “entusiasmado” dos eleitores não corresponde à grandeza dos ideais que presidem à construção europeia, desde os longínquos tempos da CECA – Comunidade Europeia do Carvão e do Aço.
            E no que respeita a Portugal, chega mesmo a ser angustiante. Quer no que respeita ao total de não votantes no país – abstenção superior à média da EU – quer no enquadramento que se atribui às regiões do interior de Portugal e às Regiões Autónomas, quer ainda no que diz respeito aos jovens entre os 18 e os 24 anos: 70,9% de abstenção!
            Com este pequeno estudo/ensaio pretende-se, assim, tentar perceber alguns porquês do que não motiva os cidadãos a exercer o seu dever e direito de voto. Porquê o “divórcio”? Como ultrapassar a separação? Em qualquer caso, há sempre “culpas” de ambas as partes.
            Selecionaram-se inicialmente para o trabalho alguns concelhos do interior do país, nomeadamente Armamar, Bragança, Lamego, Moimenta da Beira, Tabuaço e Tarouca – sendo que, em dois deles, existem Centros “Europe Direct”: Bragança, integrado no Instituto Politécnico local e Lamego, na dependência da Câmara Municipal, Centro que mereceu a nossa atenção mais particular – por motivos de proximidade. Razões de diversa ordem, concretamente a falta de resposta a solicitações nossas para colaboração, obrigaram a reformular o projeto.
            Mas, independentemente da “visão” de interioridade, será sempre fundamental trazer aqui a “leitura” de dados e opiniões com uma perspetiva mais global, começando por elaborar um retrato, tão fiel quanto desejável, do que é o PE e qual a sua importância para o funcionamento das instituições europeias. Particularmente agora, que se pretende incentivar os cidadãos a aumentar a afluência às urnas no próximo ato eleitoral do mês de Maio.
            Daí, a generalização do “rosto” do trabalho. Quer no título – Quando Formos Cidadãos da Europa [porque “na” é uma evidência] – quer no subtítulo – Breve Ensaio a Reboque do Parlamento Europeu. 
            Poder-se-ia, de outra forma, desenhar uma “capa” mais redutora, como a que segue, registando até o “desencontro” entre as palavras Europa e Portugal, com base no pressuposto simbólico da existência de uma “fronteira interior”, permanecendo a questão de saber se, de facto, a Europa já chegou…ou se os portugueses já chegaram à Europa. 


A EUROPA JÁ CHEGOU?


 UM ENSAIO SOBRE A FRONTEIRA INTERIOR


BREVE HISTÓRIA DO PE
(A VOZ DOS CIDADÃOS)
                    “Mais do que coligar Estados, importa unir os homens”.
                     Jean Monnet[1]

            Jean Monnet, visto como o verdadeiro arquiteto do sonho da unidade europeia, no período pós II Guerra Mundial, tinha essa ambição de criar uma relação especial entre os cidadãos dos Estados-membros, não apenas dos seis iniciais mas de todos os que desejassem aderir a esse projeto, que viria a merecer mais tarde a designação de “revolucionário” no âmbito das relações internacionais.
            Perante a conjuntura inicial, não houve alternativa à nomeação de 78 deputados dos Parlamentos dos seis Estados fundadores da CECA, em 1952. Porém, seis anos depois, com a entrada em vigor dos Tratados de Roma sobre a Comunidade Económica Europeia (CEE) e sobre a Comissão Europeia de Energia Atómica (CEEA), a Assembleia Parlamentar ficou conhecida pelo Parlamento dos Seis, com 142 deputados [entre 1958 e 1972] – tendo reunido pela primeira vez em 19 de Março de 1958 – e mais tarde, já com 198 deputados [1973-1979], viria a ficar conhecida pelo Parlamento dos Nove.
            O verdadeiro sonho de Jean Monnet só viria a ter expressão em Julho de 1979, com a primeira eleição dos eurodeputados por sufrágio direto e universal no âmbito dos Estados-membros.
            Apesar da legitimidade democrática, os poderes do PE foram sendo reivindicados e conquistados pouco a pouco, pois os Tratados eram como que uma “força de bloqueio” para as aspirações dos eurodeputados. Por exemplo o poder de codecisão e o voto por maioria qualificada a par do Conselho.
            Hoje, as três funções principais do PE centram-se exatamente na partilha, com o Conselho, da competência para aprovar legislação; no controlo democrático sobre todas as instituições da UE – sobretudo sobre a Comissão Europeia (CE), podendo mesmo adotar uma moção de censura e tendo poderes para aprovar ou rejeitar as nomeações do Presidente e dos membros da Comissão; ainda na partilha com o Conselho da autoridade sobre o orçamento da UE.
            Mas há novos poderes em perspetiva, nomeadamente o de cada família política poder propor o seu candidato ao cargo de Presidente da Comissão, para além de passar a ter igualmente uma maior influência na seleção dos Comissários.
            Margarida Marques[2], representante da Direção Geral de Comunicação da Comissão Europeia em Portugal, realçou há dias em Lamego que “Estas eleições são diferentes das anteriores porque é a primeira vez que os deputados eleitos para o PE vão decidir o novo líder da Comissão Europeia”. 
Os novos poderes são um reforço efetivo da legitimidade democrática do PE mas, por si só, poderão não ser suficientemente aliciantes para motivar os eleitores. Por isso, Margarida Marques coloca em destaque a importância do voto, ao dizer que, se for exercido, “os eleitores podem indiretamente decidir sobre quem vai liderar a Comissão Europeia”.
Quanto aos candidatos à eleição…ela estará sempre garantida pelo método de Hondt. O que, aos olhos dos eleitores – sobretudo daqueles que decidirem não participar – poderá significar, de certa forma, uma reduzida legitimidade democrática. Por isso, acrescentou Margarida Marques, “é necessário criar uma ligação mais forte entre os eurodeputados e os cidadãos”. Contudo, na maioria dos eleitores parece ficar uma certa ideia – ainda que possa ser enganadora – de que os novos candidatos não poderão efetuar uma campanha abrangente por falta de tempo, enquanto os eurodeputados em fim de mandato já não estarão muito disponíveis ou empenhados.
E, assim, parece que vai ganhando força a ideia de que ou a Europa se reforma e avança com seriedade…ou o sonho de Jean Monnet sucumbirá juntamente com a “derrota” da democracia.
Se analisarmos o mais recente estudo do European Social Survey – 6ª edição, Março de 2013[3] – sobre “Significados e Avaliações da Democracia” e que teve a participação do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, vemos que os portugueses estão cada vez menos satisfeitos com a democracia: "Os dados sugerem que a valorização da justiça social como elemento indissociável do conceito de democracia parece ser especialmente intensa nos países com maiores desigualdades de rendimentos, dos quais Portugal claramente faz parte". O funcionamento dos tribunais e a incapacidade dos governos em assegurar a justiça social é um dos focos dos inquiridos no nosso país, tal como a existência de um sentimento de “falta de controlo popular do poder político”.
E um estudo de opinião realizado pela Universidade Católica e pela empresa Ipsos Apeme para a Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, resulta a quase papel químico. O título que o jornal Público escolheu para divulgar a notícia é sintomático: Portugueses têm orgulho no país e vergonha do sistema político e económico.

  
NOVOS DESAFIOS - NOVA IMAGEM
Costuma dizer-se, e é verdade, que o Parlamento Europeu (PE) é a instituição perfeita tanto para os mais tenazes moiros de trabalho como para os maiores preguiçosos. Não existe seguramente nenhum cargo eleito no mundo com tantas oportunidades como aquelas que o PE oferece aos seus 766 eurodeputados (751 depois das eleições europeias de Maio.
Isabel Arriaga e Cunha, 2014
Jornal Público[4]                                                                                                                                                    
            Apesar da consolidação dos poderes e da legitimidade democrática, o PE nunca esteve isento de críticas, percetíveis de alguma forma nesta citação da jornalista do Público em Bruxelas, Isabel Arriaga e Cunha. O número de eurodeputados ali referenciado, já incluindo os 12 da Croácia empossados no momento da adesão do 28º Estado-membro, em Julho do ano passado, foi sempre apontado como excessivo. Por outro lado, em análise estão os gastos de funcionamento, sabendo-se que os trabalhos dos parlamentares decorrem em três locais diferentes: Estrasburgo, sede oficial; Bruxelas, onde tem lugar a maioria das atividades das comissões e ainda no Luxemburgo, onde está instalado o Secretariado-geral do PE. Para além dos gastos com pessoal e manutenção, naturalmente exagerados, chegou a haver também acusações de fraudes – o que não ajudou a minorar a imagem de luxo e de fausto.
            Poderá residir nestas críticas um dos fatores de divórcio entre os cidadãos e a instituição, o que – por tabela – atinge a imagem de toda a UE e conduz aos números desoladores dos atos eleitorais.
            Mas se a imagem negativa do PE se reflete em toda a União, não deixa de ser igualmente verdadeiro que os problemas e contradições no seio da Organização afetam, de forma clara, o comportamento dos cidadãos.
            Pode apontar-se nomeadamente a exiguidade de ações que coloquem efetivamente em contacto direto eurodeputados e cidadãos. E também a "deficiente informação" disponibilizada à sociedade em geral sobre as temáticas europeias. Concretamente quanto à tardia disponibilização de informação sobre candidaturas e quanto ao controlo, pela imensidão de entidades e comissões criadas, dos fundos – o que não permite uma efetiva redistribuição dos mesmos, pela falta de cuidado em  alinhar atempadamente as políticas nacionais e as políticas comunitárias. Nem só o que é nacional é bom – nem tudo o que vem da Europa é mau!


CIDADANIA DIVORCIADA
“A europeização, na medida em que reforçou o Estado português e o consolidou através da capacitação do governo para o melhoramento da eficácia das políticas públicas, serviu para o reforço da cidadania”.
                                                                                                                                    
Marina Costa Lobo, 2013
                                                                                                          
A opção europeia de 1986 e reforçada em 1992 foi um caminho fundamental para a consolidação do regime democrático em Portugal. Os portugueses assumiram desde o início o estatuto europeu, mas o clima de   euforia cedo começou a definhar. Olhando os mapas dos resultados eleitorais verificados em Portugal desde 1987, para o Parlamento Europeu, podemos questionar esse “reforço da cidadania” de que nos fala Marina Costa Lobo no estudo que coordenou sob o título “Portugal e a Europa: novas cidadanias”[5]. De uma forma talvez simplista, poderá bastar ter em conta o nível de abstenção: se em 1987 foi de 27,8%, já em 2009 atingiu os 63,2%.
            Um divórcio consumado entre os cidadãos e os políticos, entre os eleitores e as políticas mal percecionadas e deficientemente explicadas pelos decisores, quer em Portugal, quer em Bruxelas ou em Estrasburgo.
            Um divórcio indesmentível, se atentarmos no nível de abstenção em diversas regiões do país – por exemplo nos Açores ou em Moimenta da Beira. Continuando a comparar a linha do tempo referida, temos o recorde de 45,9% e 78,3% nos Açores sendo o desinteresse, apesar de tudo, ligeiramente inferior em Moimenta da Beira: 33,3% em 1987 e 72,1% na eleição mais recente de 2009.
            Há, naturalmente, justificações para este afastamento entre quem elege e quem decide. Do ponto de vista sociológico, claro, mas também – ou sobretudo – político. Seguramente uma questão de cidadania.
            As realidades dos Estados-membros não são seguramente alheias às decisões tomadas em Bruxelas, tal como estas influenciam decisivamente o olhar de cada um sobre a bondade das políticas desenvolvidas. Uma dicotomia agravada em tempos de crise, sabendo que “a crise” não tem idênticos contornos em todos os Estados-membros e que as “famílias partidárias” – arrumadas no PE – não refletem por igual a realidade partidária vivida em cada um dos países.
            Será interessante reter, por exemplo, algumas das muitas razões da abstenção. De acordo com um estudo (eurobarómetro) realizado em 2012 para o PE[6], os inquiridos foram classificados em “ponderados” [decidiram não votar semanas ou meses antes das eleições] e “incondicionais” [nunca votam]. No que diz respeito a razões de ordem política no sentido lato do termo, as percentagens foram de 64% e de 74%, enquanto os motivos pessoais se situam muito abaixo: 23 e 14% respetivamente. Não deixa de ser preocupante, contudo, o item das razões diretamente relacionadas com a EU, sobretudo no que tem a ver com os “ponderados”: - 41%.
            E quando todos os inquiridos em todos os Estados-membros [então ainda 27] se pronunciaram sobre se a UE tem um papel importante na vida de todos os dias, só 6% disseram sim. Uma percentagem extremamente baixa, transversal às idades e às profissões.   
            Neste quadro, compreende-se que os cidadãos – alvos prioritários das políticas tomadas em Bruxelas e em cada um dos Estados-membros – aproveitem o que lhes parece ser o “elo mais fraco” do sistema para demonstrarem a sua insatisfação ou lavrarem o seu protesto, mesmo sabendo que só o podem fazer nas eleições para o PE. No meio de fantasmas, envolvidos nas mais diversas teorias e práticas de economia política, mas sempre na linha da frente dos sacrifícios, os cidadãos preferem divorciar-se.
            Mas Francisco Assis, um dos candidatos ao “novo” PE, já disse esperar que «seja possível dissipar progressivamente o alheamento que parece haver agora por parte do eleitorado em relação às eleições europeias»[7]:- "Eu julgo que, até por efeito da crise, as pessoas compreenderam a importância da Europa para a resolução dos seus problemas. Hoje o país percebe que muitas das nossas dificuldades só poderão ser superadas se houver uma alteração das políticas prevalecentes na Europa".           
            Por aqui se percebe que é muito complexo separar as questões europeias dos problemas nacionais. Veja-se igualmente o resultado das recentes eleições autárquicas em França.     
            E parece residir aqui um dos defeitos do “sistema”, quando os aparelhos partidários – não só em Portugal – não se conseguem entusiasmar para mobilizar os eleitores. Sobretudo aqueles mais afastados dos grandes centros urbanos. E não mobilizam os cidadãos, pois também não conseguem parcerias naturais e sérias com os grandes órgãos de comunicação social. Os Partidos ainda não se entenderam com esses atores da sociedade civil quanto ao papel a desempenhar, parecendo não perceber a independência que lhes assiste, por muito que duvidem da bondade do que se designa por “critérios jornalísticos”. Nomeadamente com as televisões – que já manifestaram a sua intenção de não terem papel ativo no processo eleitoral.
            Até que ponto tem sido ignorada igualmente a chamada imprensa regional? E o papel das rádios locais? E essa nova realidade que são as televisões locais, que se vão alinhando cada vez mais à boca das urnas? Quem dá um passo em frente…para ativar todo este manancial de instrumentos – fundamentais ao exercício da cidadania?



[2] - Declarações ao Porto Canal, em Lamego, 14 de Fevereiro de 2014 . No âmbito de um debate sobre a UE, promovido pelo Centro local Europe Direct. Também notícia/resumo do próprio Centro, in http://www.europedirect-lamego.eu/
[5] - Fundação Francisco Manuel dos Santos e União Europeia. 2013. Lisboa. Pg 19.
[7] - JN online. 21 de Março de 2014. Política.


 À PROCURA DO CAMINHO CERTO
OUTROS INSTRUMENTOS DE NAVEGAÇÃO



Este Centro “Europe Direct” de Lamego é um dos 19 que estão implantados em Portugal, como já foi referido, e pode ser consultado presencialmente, por telefone ou por endereço eletrónico.
            O serviço da rede – que se iniciou em 2005 – é basicamente responder a perguntas sobre a UE. Mas cada Centro, na opinião de Rui Pereira[1], tem como objetivo fundamental ir ao encontro das escolas e de outras instituições para divulgar e informar sobre os objetivos da União.
         No seio da União, embora com funções apenas consultivas, existem outros organismos que, em princípio, deveriam pugnar pelo regular e eficiente funcionamento da Organização. O Comité Económico e Social Europeu (CESE), que é suposto representar a sociedade civil organizada [apesar de os seus membros serem designados pelos governos dos Estados-membros], deve defender os valores da integração europeia, tal com a causa da democracia e da democracia participativa.
            O que é facto é que parece não se notar – no terreno – a dois meses do ato eleitoral, outras ações de envergadura que possam corresponder à defesa dos valores enunciados.
            Também o Comité das Regiões, que é designado como a voz do poder local, deve representar as cidades e as regiões da Europa. E no âmbito das suas funções, existe uma Comissão vocacionada para as áreas da Cidadania, Governação e Assuntos Institucionais e Externos. Podendo entender-se o sentido da ação deste Comité de fora para dentro – isto é, dos Estados-membros para a União – não podemos deixar de nos interrogar sobre o tipo e o alcance da mensagem que é preciso fazer passar.
            Quem já passou por este Comité foi o agora candidato Fernando Ruas – durante vários mandatos Presidente da Câmara Municipal de Viseu e igualmente presidente da ANMP [Associação Nacional de Municípios Portugueses] – o qual já prometeu vir a ser um defensor do interior e dos territórios de baixa intensidade[2]. É o caso desta região que selecionámos para desenvolver o trabalho. Fernando Ruas dá por adquirida a eleição, naturalmente, mas ficámos sem saber como é que o candidato vai fazer a sua campanha. E que localidades é que vai visitar durante esse período. Que tipo de mobilização?
            Acresce que a CE criou já em 1989 o Team Europe – uma rede de especialistas em temas específicos da União e espalhados pelos diferentes Estados-membros, sendo que em Portugal há vinte e nove. São conferencistas independentes disponíveis para intervir também em seminários, debates, iniciativas nas escolas, ações de formação, ou para contribuir com artigos na imprensa e programas de rádio, nomeadamente a nível local. Um deles, Paula Marques dos Santos, que leciona na Escola Superior de Gestão de Lamego [do Instituto Politécnico de Viseu] elaborou em 2010, com a coautoria de Mónica Silva, um estudo sobre “A identidade europeia – a cidadania supranacional[3], no qual se pode ler nomeadamente: “Com o Tratado de Lisboa, demonstra-se a vontade de transformar uma Europa baseada na economia para uma Europa dos Cidadãos, uma Europa Social, que procura transmitir o sentimento de pertença a uma entidade supranacional. De facto, a cidadania europeia fez repensar o “impossível”, procurando um novo modelo que conceda aos cidadãos formas de combate à discriminação, à exclusão e à incapacidade de alcançar a empregabilidade e a estabilidade pessoal e colectiva. Talvez seja este o caminho para redefinir o conceito de cidadania e responder, simultaneamente, aos problemas que se enfrentam actualmente, tornando a UE num espaço mais competitivo e líder ao nível da formação e da cidadania.”
            Uma visão algo diferente podemos lê-la no filósofo Étienne Balibar, cético ou pelo menos muito crítico da construção europeia[4], quando reflete sobre “Um novo impulso, mas para que Europa?”. Partindo do pressuposto de que não pode haver construção política cujo princípio diretor implica o antagonismo dos interesses dos seus membros, Balibar aponta o que chama de crise da legitimidade democrática na Europa como “resultante de os Estados nacionais terem deixado de ter meios (ou vontade) de se defenderem ou de renovar o «contrato social», e de as instâncias da União Europeia não terem qualquer predisposição para procurar as formas e os conteúdos de uma cidadania social de nível superior – a menos que a isso sejam levadas por uma insurreição das populações ou pela tomada de consciência dos perigos políticos e morais em que a Europa incorre por causa da conjuntura de uma ditadura exercida «no topo» pelos mercados financeiros e de um descontentamento antipolítico alimentado «em baixo» pela precarização das condições de vida, pelo desprezo pelo trabalho e pela destruição das perspectivas de futuro”.



[1] - Responsável pelo Centro Lamego-Europe Direct, em conversa com o autor no dia 12 de Março 2014.
[2] - - In Correio Beirão, 7 de Março de 2014. Pg 7. 


[3] - In Janus.net – E-Journal of International relations. Vol. 2, nº 1 (Spring 2011). http://observare.ual.pt/janus.net/
[4] - Le Monde Diplomatique – edição portuguesa. Nº89, Março de 2014. Pgs 10 a 13.  

FONTES E BIBLIOGRAFIA

ESTUDOS E ENSAIOS
SANTOS, Paula Marques dos & SILVA, Mónica. Comunicação A Identidade europeia – a cidadania supranacional.
JORNAIS E REVISTAS
Correio Beirão (Viseu)
Diário As Beiras (Coimbra)
Diário de Notícias (Lisboa)
Guia das Instituições da União Europeia – Como Funciona a União Europeia (Luxemburgo, 2013)
Janus net (Lisboa)
Jornal de Notícias (Porto)
Le Monde Diplomatique – edição portuguesa (Lisboa)
Sol (Lisboa)
Público (Lisboa)
TELEVISÃO
Porto Canal (Porto)
SÍTIOS DA INTERNET
MONOGRAFIAS
COSTA LOBO, Marina. Portugal e a Europa: novas cidadanias. 2013. Fundação Francisco Manuel dos Santos e União Europeia.
STEINER, George. A Ideia de Europa. 2005. Gradiva, Lisboa.


(RE) ENAMORE-SE PELA EUROPA


Faça fé no slogan…enquanto é tempo. E vote no dia 25 de Maio.

«É que…parece que vai ganhando força a ideia de que ou a Europa se reforma e avança com seriedade…ou o sonho de Jean Monnet sucumbirá juntamente com a “derrota” da democracia.»

PS
============ Depois do que temos visto, lido e ouvido nestes últimos meses, sobretudo após as eleições na Grécia...será ainda possível que nos (re) enamoremos pela Europa - melhor dizendo, por esta União Europeia?
****
António Bondoso
Jornalista




2015-06-10

ATUALIZAR UMA EFEMÉRIDE.
PARA QUE A MUDANÇA...VOLTE A MUDAR.
PARA UM RUMO QUE TENHA NORTE:

Deixo para reflexão um trabalho de 2009. É só atualizar. O que já não é pouco. Isso deixo para mais tarde.


                                                    Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
                                                    Muda-se o ser, muda-se a confiança;
                                                    Todo o mundo é composto de mudança,
                                                    Tomando sempre novas qualidades.
                                                                               Luís de Camões - Sonetos[1]

            É este o mote para nos abalançarmos a uma breve reflexão sobre a “ideia de Portugal no mundo” ao longo de séculos. Partindo de Camões e da epopeia gloriosa dos Descobrimentos até aos nossos dias, passando pelas tragédias do império na África, na América e na Ásia – até à sua perda definitiva em 1974.
            A aventura gloriosa dos descobrimentos colocou Portugal em lugar cimeiro no concerto das Nações. Pelo Tratado de Tordesilhas, celebrado com Castela, os portugueses permitiram-se dividir o mundo – já descoberto e a descobrir – em duas metades. Uma visão política de largo alcance que, no entanto, viria a perder-se ao longo dos tempos. Não só devido à circunstância de sucessivas alterações políticas, sociais e económicas mas, sobretudo, por falta de recursos humanos para efectivar uma ocupação consistente. Não será de estranhar, portanto, uma opção mais virada para a actividade comercial – particularmente com o Oriente.
            Assim, nos idos de quinhentos e de seiscentos, Portugal [a par da Espanha] assume e difunde a ideia de uma “potência” marítima – uma talassocracia com um projecto e um objectivo definidos: mostrar a Europa ao Mundo e trazer o Mundo à Europa. África, Índia, Brasil, Malaca, China e Japão – uma volta ao mundo em 500 anos !
            Mas o “projecto” viria a ter custos elevados. Em recursos humanos e materiais e ainda na reacção de outros Estados Europeus bem mais poderosos, como a Inglaterra, a França e a Holanda.  
            É nesta perspectiva que se pode enquadrar hoje uma leitura política da obra de Camões, particularmente n’Os Lusíadas. O Velho do Restelo, no Canto IV, as estrofes e as mensagens dos perigos que a Nação corria:- a denúncia dos perigos de quem ia, as dificuldades de quem ficava, as promessas por cumprir, o despovoamento do reino e o sorvedouro das guerras. Feliz ou infelizmente, ninguém com responsabilidade política no reino se apercebeu dessa “leitura” camoniana e, assim, o curso da História tomou os rumos que hoje se conhecem.
            Quando se perdeu D.Sebastião, perdeu-se mais do que o reino e do que o império. Perdeu-se a identidade política de Portugal que, apesar de recuperada em 1640, não voltaria a restaurar o prestígio do país no Hemisfério Sul – onde a Inglaterra, a França e a Holanda passaram a ser os senhores do mapa.
            Um novo golpe, profundo, viria acoplado à revolução liberal de 1820 – no rasto das revoluções americana e francesa – e que, triunfante, levaria à perda da maior parcela do império, o Brasil. Jamais Portugal voltou a ser considerado como fazendo parte da família das grandes potências europeias e mundiais.
 Contudo, durante esse longo período de quase quatrocentos anos, Portugal teve um papel importante na projecção da Europa sobre o resto do mundo. E contribuiu decisivamente para o alargamento da comunidade internacional e para o desenvolvimento das relações internacionais, pondo em contacto povos de diversas raças, etnias, credos, religiões e culturas.
Não suscitavam admiração, por isso, os relatos de figuras ilustres que nos visitavam, sobre o desenvolvimento do país. Hans Christian Anderson, em 1865, após prolongada estadia, escrevia por exemplo :- Mas que transição veio de Espanha para Portugal. Era como se tivéssemos voado da Idade Média para a idade moderna [2]. Portugal tornara-se a sociedade mais avançada do Sul da Europa, nela despontando por ex Alexandre Herculano, Almeida Garrett e depois Antero, Camilo e Eça. Como escreve ainda Martin Page – sobretudo no domínio dos direitos civis, Portugal tinha-se tornado um exemplo para o resto do mundo.
A indústria, finalmente, acertava o passo; o país era o maior produtor mundial de cortiça e Eiffel projectava e construía em Portugal.
Mas esse “contributo” não mereceu o reconhecimento dos seus pares europeus, particularmente pela manipulação conduzida por Cecil Rhodes a propósito das possessões portuguesas em África. E foi o tempo da humilhação do Ultimato que, depois, conduziu ao Regicídio, ao fim da Monarquia e à implantação da República. Curiosa e tragicamente, foi a I Guerra Mundial que “salvou” o resto do Império, depois de – pouco tempo antes do conflito – a Alemanha e a Inglaterra terem “negociado” a partilha de quase todas as colónias portuguesas.
O novo regime, no entanto,  não se mostrou capaz de devolver a estabilidade ao país. Nos primeiros quinze anos, a República ofereceu-nos sete eleições gerais, oito presidentes e 45 governos – um dos quais durou menos de um dia. Os cofres do Estado não resistiram e foram mesmo “arrombados” com o golpe de Alves dos Reis. A dívida pública, de uns modestos 400 milhões de escudos, multiplicou-se como por milagre e chegou aos 8 mil milhões.
Internamente, foi com naturalidade que o povo aceitou o golpe militar de 1926, numa altura em que a credibilidade externa do país, da segunda metade do séc. XIX, se havia esgotado. A Sociedade das Nações perdera a confiança e Churchill perdoou quase três quartos da dívida de guerra que ainda estava por saldar. Também naturalmente, o povo aceitou Salazar e a sua ditadura do Estado Novo – ancorada na família como pedra basilar de uma sociedade organizada.
A ditadura trouxe a repressão policial, nasceu a PIDE e instituiu-se a censura. As liberdades foram acorrentadas em África, no Campo do Tarrafal, em Cabo Verde.
Veio a II Guerra Mundial e o regime preferiu uma “neutralidade colaborante” ao envolvimento directo no conflito, como havia acontecido na Grande Guerra. Mantendo a aliança com a Inglaterra, o objectivo prioritário era a salvaguarda da integridade territorial no Atlântico Norte e das colónias de Angola e de Moçambique. E em 1949, mais por pressão dos aliados [reconhecimento da importância estratégica dos Açores] do que por vontade da liderança portuguesa, o país é membro fundador da NATO/OTAN. No entanto, o grande objectivo de Salazar era o Forum das Nações Unidas – para o qual Portugal não foi convidado pelas grandes potências, quer pelo clima de “guerra fria” já instalado entre os EUA e a URSS, quer pelo facto de o regime não ser democrático. O veto da URSS prolongou a marginalização de Portugal até 1955, embora o país fizesse parte do chamado “bloco ocidental”.
Em 1960, quando Portugal adere à Associação Europeia de Comércio Livre – EFTA – já a imagem do país se havia deteriorado na cena internacional, particularmente na ONU onde predominava uma corrente anti-colonialista, a qual – no ano anterior – havia aprovado uma resolução condenando o colonialismo português.
1961 foi o “annus horribilis” para a imagem externa de Portugal, com a perda de Goa, Damão e Diu – pela força – para a União Indiana, e particularmente com o início da chamada Guerra Colonial em Angola, em Fevereiro. Mais tarde, com a abertura das frentes na Guiné e em Moçambique, a imagem negativa do país agravou-se e nem mesmo as “boas” relações com a Santa Sé conseguiram evitar o “golpe de misericórdia” em 1970 :- o Papa Paulo VI recebe em audiência privada os dirigentes dos Movimentos de Libertação das colónias portuguesas.
O “isolamento” internacional de Portugal só viria a ser quebrado com o golpe militar de 25 de Abril de 1974, que conduziria o país à democratização, à descolonização e ao desenvolvimento. Foi a queda do império, o corte com o passado – a queima das caravelas na metáfora de Adriano Moreira. Mas nem tudo foi perfeito. 1974 e 1975 foram anos difíceis, de forte luta interna pela escolha de um modelo para o novo regime, ainda com a guerra fria em pano de fundo. E o “perigo” da instauração de um modelo comunista no extremo ocidental da Europa e numa pequena ilha do extremo oriente, levou mesmo os EUA a “caucionarem” a invasão de Timor-Leste pelo exército indonésio – uma questão só resolvida internacionalmente em finais do séc.XX.
Contudo, a “normalização” da imagem de Portugal no concerto das Nações foi um facto logo em 1976, com a admissão no Conselho da Europa. Dez anos depois, foi marcante a adesão à CEE – a decisão estratégica mais importante na vigência do regime democrático e constitucional português, no dizer de Medeiros Ferreira. A Europa comunitária, de acordo com António Barreto, foi o amortecedor de perdas e lutos que, noutras condições, poderiam ter criado traumas insanáveis. Mas hoje, diz agora e ainda António Barreto[3], a pertença à União Europeia nem sequer por todos é um facto consumado. [...] Essa pertença, prossegue, não é claramente discutida e não provoca um pensamento sério sobre o nosso futuro como nacionalidade independente.
Hoje, com 35 anos de regime democrático, continuamos a evocar Camões e a celebrar o  “seu” dia – 10 de Junho – para lembrar a apropriação do nome e da obra do Poeta ao sabor da conjuntura. Festejar Camões, reforça António Barreto, não é partilhar o sentido épico que ele soube dar à sua obra maior, mas é perceber o homem, a sua liberdade e a sua criatividade. Como também é perceber o que fizemos de bem e o que fizemos de mal. Descobrimos mundos, mas fizemos a guerra, por vezes injusta. Civilizámos, mas também colonizámos sem humanidade. Soubemos encontrar a liberdade, mas perdemos anos com guerras e ditaduras.[...]Não usemos os nossos heróis para nos desculpar. Usemo-los como exemplos.
=== António Bondoso ===



[1] - Selecção sobre “A experiência humana e a reacção perante a vida”. Em Textos Literários do Séc.XVI, de M.Ema Tarracha Ferreira e Beatriz M. Paula. Aster, Lisboa, 1960. 3ª edição, corrigida e aumentada.
[2] - Citado por Martin Page em A Primeira Aldeia Global. Casa das Letras, Lisboa, 2008 – 3ª edição.
[3] - Discurso oficial do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades, em 10 de Junho de 2009. 

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António Bondoso
Jornalista