2017-02-25



CARNAVAL – QUATRO DIAS DE FOLIA E UMA HISTÓRIA SECULAR QUE VAI DA EUROPA AO BRASIL…com Lamego no centro das atenções. André Freire, médico brasileiro em Lamego, recorda a expressão "Atrás da verde e rosa só não vai quem já morreu".

         Hoje, é comum falarmos da alegria e da sátira que se vivem em muitas localidades portuguesas – de Loulé a Podence – e sobretudo no Brasil, para onde os festejos teriam sido levados no início do século 18 por emigrantes da Madeira.
         Mas já no século XI as raízes se situam na Quaresma e na Semana Santa dos católicos, com o afastamento dos prazeres da carne vertidos na expressão “carne vale”, a qual rapidamente teria dado origem à palavra Carnaval.
         Das famosas máscaras de Veneza ao calor do Rio de Janeiro o percurso do nosso imaginário passa por exemplo pelos cinco dias de Alcobaça, pela portugalidade de Torres Vedras, pelos desfiles das escolas de samba de Loulé, Ovar e Estarreja, pela memória do Clube Carnavalesco dos Fenianos Portuenses logo em 1905 e pela ilha da Madeira, como se disse, sem esquecer os caretos de Podence, no Nordeste Transmontano e as máscaras de Lazarim, em Lamego.
         Exatamente em Lamego, reside há uns anos o médico brasileiro André Castilho Freire que, por estes dias, tem vivido saudades e até uma certa angústia pela distância da sua “Mangueira” – mais propriamente da Escola de Samba Estação Primeira da Mangueira, fundada em Abril de 1928, de acordo com o relato que lhe pedimos: como é que um empenhadíssimo participante nos carnavais cariocas vive a imensa alegria e toda a movimentação das escolas de samba aqui, neste Portugal distante?
Esta pergunta e esta curiosidade também  é frequente nos meus amigos que ficaram no Brasil. Vamos esclarecer alguns detalhes, desde já antecipando que o meu Carnaval será dedicado ao trabalho no Serviço de Urgência no Hospital de Lamego.
Vivi grande parte da minha no estado do Rio de Janeiro.
Desde sempre sou um adepto (e componente) da Escola de Samba estação Primeira de Mangueira, fundada em 28 de Abril de 1928. A mais antiga, a despeito de falsos profetas. A única com as cores verde e rosa.
A mais querida e mais popular, sem demagogia e/ou populismo.

Portanto desfilei muitos anos na Mangueira, sempre pela Ala dos Boêmios, uma ala técnica da Escola e, em alguns anos, na qualidade de Diretor do Departamento Médico e Social e membro do Conselho Fiscal. Também fiz parte da Ala dos Compositores.

Nunca desfilei de fantasia pois sempre desfilava na área de trabalho, ou seja, responsável por alguma ala ou segmento da escola. Por exemplo, Ala das Baianas, Bateria, conduzir o Casal de Mestre e Sala e Porta-Bandeira, etc...
Nossos meses decorriam entre as minhas actividades profissionais e os preparativos que envolvem um desfile no Rio. Ensaios, reuniões, etc.
E em  alguns anos, ajudava a levar os carros alegóricos do local onde eram confeccionados ("barracão") até o Sambódromo, Isso feito 24 horas antes do desfile.
Também participava de concursos para escolha de sambas de enredo em outras agremiações, normalmente no interior do Estado do Rio e uma vez na Mangueira.

Em 1993 idealizei o enredo "Atrás da verde e rosa só não vai quem já morreu", que a Mangueira desfilou no Carnaval de 1994 e que prestava homenagem ao luxuoso quarteto baiano da MPB: Gilberto Gil, Maria Bethânia, Caetano Veloso e Gal Costa. Nunca cobrei um centavo da Mangueira.

Para ajudar na alma sambista, os meus pais André e Ruth integravam a Galeria da Velha Guarda da Mangueira.
Na manhã do Sábado de Carnaval seguia com o meu saudoso pai para a Avenida Rio Branco e desfilar junto com o Cordão da Bola Preta, hoje com cerca de 1 milhão de componentes.

Portanto, o amigo Bondoso poderá, desde já, imaginar o meu estado no Carnaval...

Nos meus primeiros anos em Portugal eu evitava assistir os desfies pela TV. Sentia medo de passar mal.
Em 2016 ficamos todos acordados (a minha Teresa é mangueirense e já desfilou na Escola) para assistir o desfile da verde e rosa". A última a desfilar e foi campeã! Quanta emoção!
Fico nervoso, emocionado, Semanas antes do desfile eu sonho bastante sobre o Carnaval.

No Concelho de Lamego as escolas organizam um desfile na sexta-feira e e Lazarim é mantida a tradição do Entrudo e as famosas máscaras, ex-libris do Concelho.

No mais, estando por aqui é sempre tempo de trabalhar e quase nunca consigo folgas nesta época do ano.
E o coração e o pensamento de vez em quando seguem vôo para o Sambódromo, onde a Mangueira é sempre recebida com amor e lágrimas pelo povo brasileiro.

Um forte abraço Mangueirense do André Freire.


Palácio do Samba (Mangueira), André Freire, Maria Bethânia e a saudosa Porta bandeira Mocinha da Mangueira.

16 OUT 1993

António Bondoso
Jornalista
Fevereiro de 2017

2017-02-13





A MINHA RÁDIO HÁ 50 ANOS.
Alguns dos que passaram…ainda me falam de Rádio.
“A Rádio é um instrumento de Liberdade porquanto é um apelo permanente à Criatividade”. - Isto digo eu. 

Houve um tempo em que, também em Portugal, se podia citar com orgulho o pensamento do publicitário Bob Schulberg: “Se a televisão tivesse sido inventada antes, a chegada da radiodifusão teria feito as pessoas pensarem: - Que maravilhoso que é a Rádio! É como a televisão, só que nem é preciso olhar!”
Encarar o futuro não pode deixar no esquecimento a importância do passado e, porque as incertezas são imensas, é preciso encarar o presente com muito realismo. Anunciada ciclicamente – televisão, internet, era digital – a morte da “rádio” tem vindo a ser adiada, não por milagre, antes pelo combate e pelo empenho na capacidade de adaptação aos novos tempos. E de muitos que ainda lá trabalham com empenho e com profissionalismo. Mas não bastam as novas tecnologias, não é suficiente “arrumar” tudo ou quase tudo no disco rígido de um moderno computador. É preciso que a rádio volte a estar com as pessoas e que tenha gente dentro! Que seja capaz de pensar e de refletir e que saiba provocar no auditório a capacidade de dialogar, discutir serenamente e reagir aos desafios.
Não basta que a evolução tecnológica aconteça e seja bem aproveitada. É fundamental dar-lhe conteúdo. E sonho!
Quando sinto e penso em todas as montanhas que ainda não subi; em todos os rios que ainda não naveguei; nas matas densas onde ainda não me aventurei; nos desertos secos de vida qua ainda não dessedentei; em todas as viagens que ainda preenchem os meus sonhos... e quando sei todos os sonos que ainda não dormi e em todas as madrugadas a que cheguei atrasado e não vi nascer o Sol para além do infinito que imagino – mesmo sem ouvir a Onda Curta a que me habituei no transístor Sony de nove bandas, companheiro de viagem sempre que saía do país em reportagem ou em férias.
         E neste ano…como recordo com emoção o início da minha atividade no Rádio Clube de S.Tomé e Príncipe em finais de 1967. À experiência, primeiro…com retribuição de 250 escudos depois, sempre subindo etapas, aprendendo diariamente com os mais velhos: Carlos Dias, José Maria Rocha, Victor Dias, Carlos Cardoso, Victor Nobre, Raúl Cardoso, Daniel Pinho, Manuel Sá, Firmino Bernardo, Mina Malé. Dois anos depois – e após algumas peripécias – chegava a Emissora Nacional. E novos camaradas que me foram passando conhecimentos, como Fernando Conde, Sebastião Fernandes, Guilherme Santos, Manuela Borralho e Maria Emília Michel. Alguns destes já passaram…mas, para mim, ainda continuam a falar-me de Rádio. Com serenidade, sem pressas – quantas vezes a pressa é má conselheira – com entusiasmo, com responsabilidade. E ouço, continuo a escutar. E muitas vezes não aprecio o que me transmitem. Melhor dizendo – a forma como me transmitem. Mas há momentos de consolo e de prazer. Felizmente ainda há alguns, que me chegam sobretudo pelo meu transístor. Ou no automóvel quando viajo.
Sem memória não há História! E depois, como dizia o jornalista “Sam Ridley” – investigador criminal na londrina City Radio[1] - “A rádio não depende de imagens, e essa é uma das razões porque gosto dela. O olho pode ser um órgão muito enganador”.
13 de Fev. de 2017
António Bondoso




[1] - NILES, Chris. OS MORTOS NÃO FALAM NA RÁDIO. Bertrand, 2003.