2022-06-23

D. Pedro IV – um «Coração» em viagem – ou de como a «Memória» é História de relevo. Daí, escrever hoje sobre o Coração de D. Pedro, sobre o Porto, Lisboa e o Brasil, e sobre as lutas pelas liberdades. 


D. Pedro - I do Brasil, IV de Portugal

De seu nome completo “Pedro de Alcântara Francisco António João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon”, D. Pedro IV ficou simplesmente conhecido na história portuguesa como «Libertador» ou «O Rei Soldado» ou ainda e simbolicamente, como escreveu Eça em «Uma Campanha Alegre», de «As Farpas», “…a quem nós, por abreviatura, neste País apressado e preguiçoso, chamamos familiarmente o «Dador»”. E foi, de facto, doando nada mais, nada menos do que a Carta Constitucional, a Liberdade e, finalmente, o seu «Coração» à cidade do Porto. 


         E neste tempo do séc. XXI, em que o «coração» de Vossa Majestade vai ser trasladado temporariamente para o Brasil – de modo a dignificar os 200 anos de independência, resultado do seu «grito do Ipiranga» de 1822, com a frase célebre “independência ou morte” – é fundamental reler e apreender o verdadeiro significado da homenagem que o grande Eça de Queirós lhe presta, em carta de Agosto de 1872 com o título «À Alma de D. Pedro IV, Nos Elísios”. Na missiva, Eça critica o esquecimento a que foi votada a memória dos acontecimentos de 23 e 24 de Julho de 1833 – quando as forças vitoriosas do Duque de Terceira puseram fim à guerra civil entre miguelistas e liberais – e como que «lembra» a D. Pedro o que chama de “incurável rivalidade moral, social, elegante, comercial, alimentícia, política, entre Lisboa e Porto”. A propósito, de acordo com o relato de Eça, da iniciativa portuense de «oferecer» a D. Luís uma Festa Constitucional, numa altura em que se anunciava em Lisboa “um certo movimento subterrâneo, indistinto, informe, do espírito republicano”.

         Não poupando indícios e fatores de comparação, Eça foi estendendo na «carta» os sinais de rivalidade entre um Porto «reformista» e uma Lisboa «saloia».

         E concretiza: “Lisboa inveja ao Porto a sua riqueza, o seu comércio, as suas belas ruas novas, o conforto das suas casas, a solidez das suas fortunas, a seriedade do seu bem-estar. O Porto inveja a Lisboa a Corte, o Rei, as Câmaras, S. Carlos e o Martinho. Detestam-se”. E conclui: perante o «delírio» da receção a D. Luís, no Porto…Lisboa não conseguiu mais do que um arremedo saloio para homenagear os heróis do 24 de Julho, que deram a vitória liberal e constitucional a D. Pedro. “Que quer Vossa Majestade? – Lisboa faz o que pode: quem tem um temperamento saloio não pode tirar dele requintes de artista. (…) A sua imaginação, violentada para conceber uma festa, não pode produzir mais que o arraial. Foguetes e filarmónicas – eis o que ela sabe dar de mais delicado aos heróis que ama. – De modo que este dia de festa como se pode definir? – Um ARRAIAL DE OPOSIÇÃO. Mais nada”.  



         E como «portuense», o que desejo é que o «Coração» de D. Pedro IV possa regressar do Brasil às sagradas pedras da Igreja da Lapa, «são e salvo», para que o Porto e o País possam lembrar eternamente os valores das liberdades.

António Bondoso

23 de Junho de 2022.

Moimenta da Beira. 





 

2022-06-14

De Resende ao Ceará, passando por Angola, Lisboa e Macau, deixou de lutar um verdadeiro «Beirão do Douro». Deixou-nos António Correia, Poeta, Homem de Leis e Empresário.



Quando cheguei a Macau, António Correia era advogado, político (membro do Conselho Consultivo do Governo e em 1992 deputado à Assembleia Legislativa) e possuía belos «Fragmentos» de Poesia. Por isso, pela Poesia, foi um dos meus convidados para dizer e gravar alguns dos seus poemas, transmitidos posteriormente em horário nobre, logo a seguir aos principais noticiários do dia. E, a meu convite, embarcou também, em 1995, no processo de uma campanha eleitoral vista aos olhos de Eça e Ramalho, por meio de muitas «farpas» publicadas em UMA CAMPANHA ALEGRE – uma adaptação minha de alguns excertos e aos quais António Correia deu voz. 

         Presença constante em Macau, quer pela cultura, quer pela advocacia, António Correia viria no final do milénio a ser um dos fundadores de uma sociedade de advogados em Lisboa e foi Administrador Executivo da ANAM, S.A. desde Abril de 1997 a 2000, com a missão de construir o Novo Aeroporto do Funchal, missão que concluiu com êxito, tendo sido agraciado pelo Presidente da República com o grau de Grande-Oficial da Ordem do Mérito. Foi igualmente sócio fundador do Grupo Lusobrás, no Ceará, Brasil, em 2001. 



         Autor de uma vasta obra de Poesia e de reflexão, com alguns livros traduzidos em língua inglesa e em Chinês, António Correia foi um incansável lutador pelas liberdades. E lutou até ao fim da sua vida, apesar do cansaço dos últimos anos, recebendo ontem o «ponto final». Um abraço sentido a todos os Familiares, particularmente à Teresa Portela – sua mulher – aos Filhos e aos muitos Amigos espalhados pelo mundo. 



Ao lado de sua mulher Teresa Portela, quando homenageado em Coruche por UM POEMA NA VILA, dirigido por Ana Freitas. 

         Recordo talvez o seu último poema (pelo menos um dos últimos) publicado no dia 5 de Junho na sua página do «facebook» e datado da que chamava com propriedade a sua “Casa da Poesia”, em Resende:

Já amadura o trigo

e eu sonho que vou,

que vou contigo,

caminhando,

de mão na mão,

pelos caminhos

onde medra o pão.

E eis senão quando

gorjeios de passarinhos

embalam os odores

silvestres das flores

que ninguém semeou.

Brancas, rubras, amarelas,

lilases também; todas elas

formam pequenos sóis

de um diadema

que coloco em teu cabelo

com o desvelo

de te saber poema

de castos girassóis.

António Correia

Casa da Poesia

5/6/2022

===========

António Bondoso

14 de Junho de 2022. 









 

2022-06-05

UM CONVÍVIO DE MILITARES…É UM QUARTEL DE MEMÓRIAS.

UM CONVÍVIO DE MILITARES…É UM QUARTEL DE MEMÓRIAS.

Não foi o verde de S. Tomé e Príncipe, nem a humidade, nem o calor tórrido da hora do meio dia, nem a temperatura calda das águas do mar que banha as Ilhas. O verde, igualmente bonito do interior beirão, e a simpatia do anfitrião Agostinho Santos, completaram a moldura mental da busca das memórias de quem lá esteve 24 ou 27 meses ou de quem lá cresceu e passou meia vida. 


Agostinho Santos, Rodrigues e Osório

         E foi agradável o esforço de ter reconhecido algumas figuras – umas mais do que outras – que nos acompanharam “aquartelados” ou não. Alguns, como diz o Borges, foram a família uns dos outros enquanto lá estiveram, num tempo em que “a única forma de contactarmos a família, namorada e amigos, era pelo aerograma SPM (Serviço Postal Militar) que só chegava lá no avião que ia de Luanda à Sexta-feira!”. 


Graça, o Farto, o Caritas, o Toninho (Despachante) e o Severiano!


E outras «coisinhas» como eu refiro no meu livro O MEU PAÍS DO SUL, a propósito da «divisão» da cidade à esquerda e à direita do rio Água Grande: Deixando a meio esta interessante investida pelo ensino no meu «país do sul», regresso à «divisão» da cidade capital e às «margens» da estratificação social para lembrar que – como em todas as regras – havia naturalmente exceções, como era por exemplo a zona da Ponta Mina. 


Borges, Osório, Rodrigues e Bondoso

E dava-se o caso de, por muitas vezes, alguns da margem esquerda terem aceitação na outra banda. Como passou a ser o caso dos oficiais militares, já no período da «Guerra Colonial». Oficiais, sargentos e praças com uma vida dividida, de acordo – naturalmente – com a sua cadeia hierárquica ou de comando. Particularmente os idos (vindos) da metrópole, mobilizados – quase se poderá dizer expatriados – procuravam ir cumprindo o seu tempo de destacamento. Alguns com uma pragmática forma de adaptação ao meio físico e social, por vezes bem-sucedida, tanto no convívio com os «colonos», nem sempre fácil, como no relacionamento com os são-tomenses. Os oficiais, claro, no topo. Mas mesmo neste caso, era importante o Água Grande. O Quartel, ou os Quarteis, ficavam na margem esquerda. O Clube Militar, exclusivo a oficiais e seus convidados civis, situava-se na margem direita. E esse, como disse, era território das elites. Havia exceções, claro.


Editora "Edições Esgotadas" - 2021

Depois havia os sargentos – maioritariamente furriéis milicianos – mais ou menos desalinhados. A geografia da cidade, e da ilha, dificilmente os condicionava. A não ser que levassem «recomendações» de amigos da metrópole para alguns amigos nas ilhas. Esta circunstância era menos previsível com os «praças» mas também acontecia. A sua mobilidade era muito mais dificultada, até pela atuação dissuasora da PM – Polícia Militar, curiosamente «instalada» numa zona resguardada do cais da cidade, na margem direita. De certa forma, uma força encarada com algum elitismo na ilha. Um caso à parte eram os furriéis da chamada incorporação local que, depois de frequentar o CSM na EAMA, em Nova Lisboa, Angola, tinham a sorte de regressar a STP, como foi o meu caso entre Agosto de 1971 e Julho de 1974.

                E um pouco de tudo isto esteve (também) em análise neste convívio na Recta do Pereiro, em Sátão, distrito de Viseu. Foi o retomar da rotina depois da fase mais difícil da Covid-19. Um abraço a todos os presentes e um particular à Família Santos, que nos recebeu tão bem. Para o ano…ficou decidido, por consenso, ter lugar em Vila Real.

António Bondoso

5 de Junho de 2022. 

 












 

2022-06-03

ALGUNS MILITARES – ALGUMAS AMIZADES, convívio STP2022

ALGUNS MILITARES – ALGUMAS AMIZADES…ou de como somos e como nos encontrámos em STP, ficando um «laço» que continuamos a tentar atar.


                                          

                                    Praia Banana (antiga Praia do Precipício) Ilha do Príncipe

É certo que não há «guerras boas» ou, se quisermos, todas as guerras são más. Contudo – para aqueles que puderam sobreviver aos conflitos – e para além de todos os traumas que restam, ficam também memórias. Dos camaradas, dos locais e de muitas situações vividas, momentos positivos ou de menor atenção. E depois há essa restrita Amizade que se vai construindo e consolidando…permanecendo. Mesmo que, num primeiro momento de afastamento devido às circunstâncias de cada um, o «nevoeiro» do nosso andar superior tenha (des) arrumado as vivências.

         Amanhã, um grupo de camaradas que se encontraram e conheceram em S. Tomé e Príncipe, vai dar continuidade a uma série de convívios de alguns anos. Em Sátão, mais concretamente na Recta do Pereiro, Estrada Nacional nº 229, porta 638. Tal como referem Nelson Santos e Paulo Marques na carta/convite, “Não queremos deixar cair no esquecimento os nossos encontros que tão agradáveis têm sido e, apesar das dificuldades existentes, estamos convictos de que todos continuamos a ter vontade de nos revermos, de conviver e de recordar momentos inesquecíveis que, juntos ou individualmente, nos marcaram durante a nossa permanência nas belas ilhas de S. Tomé e Príncipe”.

         Por mim, uma nota de presença, oferecendo desde já esta ideia que publiquei em 2012: 

QUANDO REVEJO OS AMIGOS.

 

Quando revejo os amigos

Companheiros de saudade,

O tempo que foi marcante não morreu

Ficou suspenso

De palavras nunca ditas

Ideias e emoções a ferver dentro de mim.

 

Memória viva saída

Arrancada aos corações

Em abraços e sorrisos que nascem

De cada olhar

Parido num frente a frente

Ou na lente de uma câmara.

 

Nessas alturas eu digo buscando

Dos Santos Ary

Revejo tudo e redigo meu camarada e amigo

Estou aqui...estou de pé como cresci.

---------------------------

ABondoso.

EM: O PODER E O POEMA, 2012. Ediç Esgotadas. Pg 85. 



António Bondoso

3 de Junho de 2022.