2014-05-31

AMARGURA…
…ou o regresso a 15 de Março de 1974.


AMARGURA…
…ou o regresso a 15 de Março de 1974.

Reli há dias o interessante e importante O Horóscopo de Delfos[1], do meu antigo camarada Eduardo Valente da Fonseca – um livro que relata a habilidade de contornar a “censura” alguns meses antes do 25 de Abril de 1974. E relendo o que ele “previa” então para o meu signo Capricórnio, duas coisas retive e que hoje me levam a escrever este texto. A primeira diz isto:- “O teu país tem os quilómetros quadrados que tu lhe deres e será tanto maior quanto melhor for…”. À distância de mais de 40 anos, tem graça que o meu país já foi maior – por ser melhor – e que, pouco a pouco, tem vindo a encolher – por estar a ser pior!
A outra charada do horóscopo que me atingiu, e bem, significa bem mais do que uma simples frase. É o toque para o que se vai seguir:-“Qualquer coisa pode matar. Mas o que não te deixa viver o dia-a-dia é que é a grande agonia”.
O meu tom amargurado [pois ainda não é o tempo de agonia], que agora manifesto, muito pouco ou quase nada tem a ver com eventuais danos colaterais próprios de uma vida marcada pela intensidade das circunstâncias de uma cidade apaixonada. E apaixonante. Não é o meu clube que me intriga, não são os golos desperdiçados, não é a Câmara fechada, não é o azul e branco trémulo por uma vez. A mais azeda amargura relaciona-se diretamente – e sobretudo – com o cinzento da vida, com o retrocesso da esperança que nasceu há 40 anos. Porque foi bonito mudar, porque foi legítimo mudar, porque foi importante transformar, porque foi fundamental avançar! As pontes passaram a fazer sentido e daqui voltou a irradiar um forte sinal de vontade, de querer, de sentir a liberdade, de conquista. E sim…também o futebol foi nessa onda. Mas os lugares do poder ficaram inquietos. E como sempre, bem cedo se dedicaram a estudar e a aplicar uma estratégia de regresso a um centralismo atávico, que tudo arrasta, tudo arrasa e tudo mata. Mesmo com a conivência de alguns lugares e de certos poderes locais, iluminados por uma fosca claridade de jogos egoístas, ambições mesquinhas, interesses desmedidos e concertados ou escorados em pessoas e organismos pouco recomendáveis. De um tempo bonito de abertura e de felicidade, pouco a pouco o país foi sendo coagido, chantageado, esmifrado dos valores da redenção de um Abril esplendoroso. E quase tudo se foi! Aos poucos fomos morrendo, amputados já de um frágil poder de decisão, mutilados nas convicções. E não foi o vento que quase tudo levou. Foi a fraqueza e a maldade dos homens vestidos de políticos. Qualquer que tenha sido a roupagem. Depois da esforçada façanha para colocar um ponto final aos célebres “roubos de igreja”, voltou-se a um tempo em que a dignidade se pendura por uma perna e em que o caráter se enrola numa folha branqueada de princípios. Voltamos a estar quase como a 15 de Março de 1974. Praticamente regressámos às cerimónias do tipo da “brigada do reumático”, o primeiro ministro voltou a ser o presidente do governo, o inquilino de Belém (apesar de sorrir para Bill Clinton) adormece nos bancos do jardim de um palácio que não representa já a res pública, o Terreiro do Paço agoniza de pasmo, há um túnel da Alexandre Herculano até ao Jamor, os árbitros treinam inclinados e só se adaptam a certos campos, os ministros enviam telegramas de felicitações aos reformados que vivem abaixo do limiar da pobreza, a comunicação social está nas mãos e no pensamento de um pequeno grupo de iluminados e endinheirados. Não deixam que a televisão se veja, a não ser o que lhes possa parecer matematicamente favorável, não deixam que a rádio se ouça e se espalhe, a não ser a horas mortas ou de audiência moribunda.

GENTE SEM PORTE

Temos um país suspenso
Em agonia de morte,
É já a Lei que se rejeita
Por certa gente sem porte.
E sofre mais quem não suspeita
Que essa gente percebe
E até promove
Traição infame, desonra e dor.
===Pag.19 em O PODER E O POEMA.2012. Ant.Bondoso e Edições Esgotadas.


[1] - Campo das Letras, 1998.


António Bondoso
Maio de 2014

2014-05-27


ONDE FICA A ÁFRICA?

Ontem, quando na União Europeia se tocou a finados – ou pelo menos a rebate – muito poucos ou quase ninguém se lembrou de que era O DIA DE ÁFRICA. Um dia que é dedicado a esse terceiro mais extenso continente e segundo mais populoso e do qual fazem parte cinco países que têm como oficial a língua portuguesa:- Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde, Moçambique e S. Tomé e Príncipe. 


Há, como dizia um antigo diplomata brasileiro, muitas Áfricas. Qualquer enciclopédia nos aponta as diferenças. Não pretendendo cavalgar essa verdade absoluta e deixando ao critério de cada um a busca do tesouro, sempre chamo a atenção para o que escreve o jornalista Leonel Cosme no seu livro MUITAS SÃO AS ÁFRICAS (Novo Imbondeiro,2006): «não são apenas muitas as Áfricas-nações que procuram a sua unidade, em cada território e no continente, mediante um esforço de “reafricanização”, para retomar o fio da história cortado pelo colonialismo; são também as muitas áfricas-sociológicas que existem em cada uma delas, como boas ou más heranças, conforme o olhar de quem faz a leitura dos resultados. E porque muitas são essas “áfricas”, muitos foram e ainda são os olhares, uns que vêm do passado, outros, do tempo que ainda decorre».
Portanto, o que pretendo aqui escrever é o meu olhar. E apenas isso. Sobretudo um olhar para alguns pormenores das minhas áfricas. E sem precisar de recorrer ao prefácio de Hemingway em AS VERDES COLINAS DE ÁFRICA, basta-me apreciar a capa desta VIAGEM MARAVILHOSA POR TERRAS DE S.TOMÉ E PRÍNCIPE (Costa Garcês,1956):

Particularmente, O LIVRO DE COSTA ALEGRE, de Lopes Rodrigues (1969), para quem o primeiro grande Poeta Santomense «foi bom, foi estudioso, foi inteligente, foi poeta». E o amor pela sua terra, o amor aos pais…até à sua morte. E quero deixar essa nota de não menos importância, pois a ideia que tem passado em muitos círculos é a de que Caetano da Costa Alegre não tinha “amigos” e foi um dos “esquecidos”. Basta saber ler com honestidade os textos que vos deixo e que me foram oferecidos pelo amigo Armando Cação. Uma “atenção” de valor incalculável. 






Um dia destes voltarei, para vos falar da Guiné-Bissau e da leitura sócio política que do país faz Ernesto Dabo. Um livro que me chegou pela mão da amiga de infância Milé Veiga. Interessante e importante para ajudar a perceber o circuito dos poderes e dos jogos de poder, num país que Amílcar Cabral desejou e tentou apresentar unido à Comunidade Internacional. 
António Bondoso 
Jornalista



2014-05-26

 NÃO SE CONDENEM OS CRAVOS =!

AINDA A PROPÓSITO DO QUE SE PASSOU NAS ELEIÇÕES PARA O PARLAMENTO EUROPEU ...E DO DIVÓRCIO COMPLETO ENTRE OS POLÍTICOS E OS CIDADÃOS. ESCREVI HÁ POUCOS DIAS - CELEBRANDO OS 40 ANOS DE ABRIL - UMA SÉRIE DE SETE POEMAS NOS QUAIS TENTO FAZER UM BALANÇO DESTE PERÍODO RECENTE DA HISTÓRIA DO PAÍS. OS 7 POEMAS (AINDA NÃO PUBLICADOS, MAS JÁ DITOS E OUVIDOS) FORAM COMO QUE A "RAMPA DE LANÇAMENTO" DO MEU MAIS RECENTE LIVRO - "O RECOMEÇO" - QUE TRATA EXATAMENTE DE ASSINALAR OS 40 ANOS DO 25 DE ABRIL DE 1974 EM TODAS AS SUAS DIMENSÕES. = NÃO SE CONDENEM OS CRAVOS =!
AQUI VOS DEIXO, POR HOJE, APENAS 4 DESSES CRAVOS:

Foto de A.Bondoso


SETE CRAVOS E UM LIVRO!

E foram os cravos que nos trouxeram aqui. E foram os cravos que viraram a nossa vida do avesso. Mas sempre soubemos responder a desafios, independentemente de considerar as consequências. Uma mão cheia de boas atitudes – a outra plena de erros e de culpas. Uma mão cheia de engenho e arte – a outra plena de confrontos violentos. Até que chegaram os cravos libertadores…depois de muitos espinhos e cardos. Já lá vão 40 anos! É preciso lembrar e não deixar morrer esse espírito libertador. Por isso plantei estes cravos:
PRIMEIRO CRAVO

Madrugada
Pura
Em noite desenhada
Alegria em Abril
Renascida
E p’lo Povo partilhada!
Também por outros povos desejada.
=====
21Abril2014= A.Bondoso.
Entre 1974 e 1976 – houve tempos de combate político e de outras lutas, de muita esperança e de muitas angústias:

CRAVO SEGUNDO

E o povo saiu à rua
Como antes não pudera
A liberdade a cantar
Em tempo de Primavera.

Depois de um Maio de luta
E de um Outono perdido
Entrámos com sangue novo
Em Verão quente na rua…
E o Outono foi chegando
Com outras armas na mesa
Nova gente regressando
De tão longe além do mar!
=======
22Abril2014= A.Bondoso.


Mais alguns anos passados, a transformação foi-se apoderando do país – até se concretizar a “opção europeia”:

TERCEIRO CRAVO

E depois da luz
Tanta certeza em descuido,
Abril foi correndo
E depois Maio passando
O Povo sem perceber
Que alguém o ia enganando.

Um Abril ainda forte
De quem “eles” não gostaram
Resistia no Poema
Nos corações namorava
Sem saber que a “Finança”
De falsa noiva tratava.

Abril nas nuvens caminhava
Para o sonho de uma Europa que enganava.
======
23Abril2014= A.Bondoso.
E os fundos dourados que ofuscaram a razão. Ele foi o FEDER, ele foi o FEOGA, ele foi o FSE…eles foram tantos a insuflar os bolsos de oportunistas – sejam banqueiros, empresários, intermediários:
CRAVO QUARTO

Houve uma ilusão sem fundo
E fundos muito ilusórios
Que chegaram da Europa em catadupa sonora.

Mas Abril foi sendo corroído
E corrido
Do pensamento da alma
E do calor dos corações.

Abril solidário
Abril irmão
Todo o egoísmo levou
Palavras ao vento
De uma ambição
Que matou.
======
24Abril2014= A.Bondoso.

António Bondoso
Maio de 2014



2014-05-25


ENTRE O COMBOIO E O ELÉTRICO - O APERFEIÇOAMENTO DO TRAÇO

Foto de Pintura de Luisa Moura

Por pouco perdi o comboio para chegar a tempo de mais uma manifestação cultural da Amiga Luisa Moura. Mas - qual milagre da natureza - foi ainda possível apanhar o "elétrico" que, apenas imaginariamente, continua a passar ali perto da Avenida de Roma. Em boa verdade, hoje apenas ali se movimentam as carruagens do Metro e dos comboios suburbanos, mas o traço da pintura que a Luisinha vai tornando mais firme e mais apelativo na tela - ajuda a perceber que se pode ir sempre mais longe. O sonho é o limite...mas o trabalho persistente é o caminho para lá chegar. Aperfeiçoando a luz, a cor, o movimento...e a utopia da viagem. 

Foto de Pintura de Luisa Moura
António Bondoso
Maio de 2014.

2014-05-18

MANHÃ DE PRAIA…


Foto de A.Bondoso

MANHÃ DE PRAIA…
…enquanto a época não dá o sinal de partida de tantas gaivotas à deriva.

Batiam as pontas dos ciclos da rádio às onze…quando espraiei os olhos pelo extenso areal da Sereia da Costa Verde. Voltar a por os pés na areia – quanta felicidade! – antes de aproximar o corpo da gélida mas límpida água desse mar imenso que é o Atlântico, acima e abaixo do Equador.
O ritual de montar o chapéu-de-sol, estender a toalha sem ser necessário acotovelar os vizinhos com crianças ou hesitar na escolha de um lugar ao sol – mais um metro para a direita, dois passos à retaguarda.
Foi um final de manhã de céu azul…e as ondas a quebrar depois de levar às costas os aprendizes de surf. Que bom que é partilhar o sol, a presença da companheira de uma vida, um gelado refrescante e temperar a sede com um pouco de água engarrafada no Caramulo, no Gerês ou na Serra do Fastio.
E os pormenores de quem está…ou um biquíni apertado ou uma ausência do top, um banho de muitas cores a lembrar que a minha música é sempre o mar:

A MINHA MÚSICA...É O MAR! (A Publicar).

Planto-me em frente ao mar
Até que as raízes me apertem definitivamente.

Mas o meu desejo é estar ali
Dentro dele
Com todos os membros do corpo a pulsar
Vivos, agitados, refrescados
Ora nadando – combatendo pelo espírito 
Ora deixando-me ir como um náufrago em abandono. 

Foi do mar que alguém chegou antes de mim
Foi por ele que naveguei todo o meu tempo
É nele que me entendo e me respeito
Ouvindo sons aconchegantes de harpas e violinos!
=========António Bondoso (A Publicar)
António Bondoso
Maio de 2014


2014-05-14




ESPERANÇA DE ABRIL SEM NORTE
BLOQUEIO DOS SENTIDOS


***** Primeiro foi o sentido branco da Primavera, correspondente à pureza ingénua dos jovens capitães, desejosos de pôr fim a uma guerra de guerrilha interminável.
***** Depois foi o sentido vermelho ideológico, de Leste carregado – o aproveitamento “enquadrado” das organizadas estruturas da Guerra-Fria.
***** Pelo meio um sentido amarelo de aviso Outonal para repor, disseram, os ideais do sonho – dos sonhos!
***** Ainda um sentido verde de esperança, próprio do rasgo, da vontade, da atitude de quem começa um caminho novo.
***** Finalmente o sentido azul “obrigatório” da adesão à CEE – o único que “oferecia” sustentabilidade – ou diziam oferecer – para um futuro democrático e em liberdade.
Mas, como em quase tudo na vida, também as regras de trânsito são violadas. Os limites de velocidade, os sentidos proibidos, os sinais de informação.
***** E porque virámos as costas ao Mar...ficámos a perder! As frotas mercante e pesqueira – sobretudo esta – fizeram-se ao largo e afundaram. A primeira perda de soberania, por acatarmos, sem discussão, as ordens de outros – particularmente os mais interessados no nosso fracasso. A agricultura secou, seguindo o mesmo caminho.
***** Ao “centro” da Europa, que sempre nos rejeitou, interessava construir neste ocidente do Ocidente uma plataforma logística, de serviços.
E foi dinheiro atrás de dinheiro. Engordar os ricos (banqueiros e outros da alta finança) e aumentar o peso “ilusório” da classe média.
***** No fundo, ficarmos desreguladamente globalizados! O mesmo é dizer...dependentes daqueles que, soprando levemente nas asas de uma borboleta na Amazónia, conseguem provocar um tsunami no Japão.
E, assim, somos hoje confrontados com um sentido obrigatório de contornar as inúmeras rotundas que se espalham pelo país. De tanto contornar ficámos tontos, e o trânsito completamente interrompido. E apesar de acenarem com a compreensão dos mercados que nos consideram lixo, com a baixa das taxas de juro ou com o crescimento da economia…o certo é que se instalou o caos quase absoluto, e não sei se haverá sentidos que possam indicar a necessária inversão de marcha. Basta que a alta finança sopre mais uma vez o vento dos mercados.
         Os cortes nas pensões, nas reformas e nos salários não beneficiam tão cedo da descida das taxas de juro ou da saída limpa do lixo em que os mercados nos colocaram. E como os pretendem em permanência…os afetados, também pela idade, jamais voltarão a sorrir.
***** Como sempre, não deixou de haver alguns profetas a dizer : - o caminho é por ali! E muitos acreditaram. E agora, perante a desgraça anestesiante, os políticos são incapazes de perceber caminhos alternativos. Que não passem pela desgraça dos que menos podem ou daqueles que não podem fugir à sanha assassina de um Estado que não é de bem. Empobrecer a razão de ser da Nação e do Estado – as pessoas – é um crime de alta traição.
***** Pagarem por ele deve ser um desígno nacional. E se a Nação e o Estado – as pessoas, nós todos, não formos capazes de, democrática e urgentemente, tomarmos o nosso lugar na História, então...só mesmo a via revolucionária. Qualquer que ela seja e como quem quer que a entenda!
***** Como alguém dizia há uns anos:- talvez de derrota em derrota, até à vitória final!

AB. Maio de 2014.  

2014-05-09


Porque 9 de Maio é o Dia da Europa...e porque no dia 25 haverá eleições para o Parlamento Europeu, aqui vou deixar algumas reflexões de um "ensaio" que elaborei há uns meses, mas que não teve a competência de ser positivamente classificado. Publico, agora, alterando apenas o formato e em duas partes: Aqui fica a segunda:



NOVOS DESAFIOS - NOVA IMAGEM
Costuma dizer-se, e é verdade, que o Parlamento Europeu (PE) é a instituição perfeita tanto para os mais tenazes moiros de trabalho como para os maiores preguiçosos. Não existe seguramente nenhum cargo eleito no mundo com tantas oportunidades como aquelas que o PE oferece aos seus 766 eurodeputados (751 depois das eleições europeias de Maio.
Isabel Arriaga e Cunha, 2014
Jornal Público[1]                                                                                                                                                    
            Apesar da consolidação dos poderes e da legitimidade democrática, o PE nunca esteve isento de críticas, percetíveis de alguma forma nesta citação da jornalista do Público em Bruxelas, Isabel Arriaga e Cunha. O número de eurodeputados ali referenciado, já incluindo os 12 da Croácia empossados no momento da adesão do 28º Estado-membro, em Julho do ano passado, foi sempre apontado como excessivo. Por outro lado, em análise estão os gastos de funcionamento, sabendo-se que os trabalhos dos parlamentares decorrem em três locais diferentes: Estrasburgo, sede oficial; Bruxelas, onde tem lugar a maioria das atividades das comissões e ainda no Luxemburgo, onde está instalado o Secretariado-geral do PE. Para além dos gastos com pessoal e manutenção, naturalmente exagerados, chegou a haver também acusações de fraudes – o que não ajudou a minorar a imagem de luxo e de fausto.
            Poderá residir nestas críticas um dos fatores de divórcio entre os cidadãos e a instituição, o que – por tabela – atinge a imagem de toda a UE e conduz aos números desoladores dos atos eleitorais.
            Mas se a imagem negativa do PE se reflete em toda a União, não deixa de ser igualmente verdadeiro que os problemas e contradições no seio da Organização afetam, de forma clara, o comportamento dos cidadãos.
            Pode apontar-se nomeadamente a exiguidade de ações que coloquem efetivamente em contacto direto eurodeputados e cidadãos. E também a "deficiente informação" disponibilizada à sociedade em geral sobre as temáticas europeias. Concretamente quanto à tardia disponibilização de informação sobre candidaturas e quanto ao controlo, pela imensidão de entidades e comissões criadas, dos fundos – o que não permite uma efetiva redistribuição dos mesmos, pela falta de cuidado em  alinhar atempadamente as políticas nacionais e as políticas comunitárias. Nem só o que é nacional é bom – nem tudo o que vem da Europa é mau!

CIDADANIA DIVORCIADA
“A europeização, na medida em que reforçou o Estado português e o consolidou através da capacitação do governo para o melhoramento da eficácia das políticas públicas, serviu para o reforço da cidadania”.
                                                                                                                                    
Marina Costa Lobo, 2013
                                                                                                          
A opção europeia de 1986 e reforçada em 1992 foi um caminho fundamental para a consolidação do regime democrático em Portugal. Os portugueses assumiram desde o início o estatuto europeu, mas o clima de   euforia cedo começou a definhar. Olhando os mapas dos resultados eleitorais verificados em Portugal desde 1987, para o Parlamento Europeu, podemos questionar esse “reforço da cidadania” de que nos fala Marina Costa Lobo no estudo que coordenou sob o título “Portugal e a Europa: novas cidadanias”[1]. De uma forma talvez simplista, poderá bastar ter em conta o nível de abstenção: se em 1987 foi de 27,8%, já em 2009 atingiu os 63,2%.
            Um divórcio consumado entre os cidadãos e os políticos, entre os eleitores e as políticas mal percecionadas e deficientemente explicadas pelos decisores, quer em Portugal, quer em Bruxelas ou em Estrasburgo.
            Um divórcio indesmentível, se atentarmos no nível de abstenção em diversas regiões do país – por exemplo nos Açores ou em Moimenta da Beira. Continuando a comparar a linha do tempo referida, temos o recorde de 45,9% e 78,3% nos Açores sendo o desinteresse, apesar de tudo, ligeiramente inferior em Moimenta da Beira: 33,3% em 1987 e 72,1% na eleição mais recente de 2009.
            Há, naturalmente, justificações para este afastamento entre quem elege e quem decide. Do ponto de vista sociológico, claro, mas também – ou sobretudo – político. Seguramente uma questão de cidadania.
            As realidades dos Estados-membros não são seguramente alheias às decisões tomadas em Bruxelas, tal como estas influenciam decisivamente o olhar de cada um sobre a bondade das políticas desenvolvidas. Uma dicotomia agravada em tempos de crise, sabendo que “a crise” não tem idênticos contornos em todos os Estados-membros e que as “famílias partidárias” – arrumadas no PE – não refletem por igual a realidade partidária vivida em cada um dos países.
            Será interessante reter, por exemplo, algumas das muitas razões da abstenção. De acordo com um estudo (eurobarómetro) realizado em 2012 para o PE[2], os inquiridos foram classificados em “ponderados” [decidiram não votar semanas ou meses antes das eleições] e “incondicionais” [nunca votam]. No que diz respeito a razões de ordem política no sentido lato do termo, as percentagens foram de 64% e de 74%, enquanto os motivos pessoais se situam muito abaixo: 23 e 14% respetivamente. Não deixa de ser preocupante, contudo, o item das razões diretamente relacionadas com a EU, sobretudo no que tem a ver com os “ponderados”: - 41%.
            E quando todos os inquiridos em todos os Estados-membros [então ainda 27] se pronunciaram sobre se a UE tem um papel importante na vida de todos os dias, só 6% disseram sim. Uma percentagem extremamente baixa, transversal às idades e às profissões.   
            Neste quadro, compreende-se que os cidadãos – alvos prioritários das políticas tomadas em Bruxelas e em cada um dos Estados-membros – aproveitem o que lhes parece ser o “elo mais fraco” do sistema para demonstrarem a sua insatisfação ou lavrarem o seu protesto, mesmo sabendo que só o podem fazer nas eleições para o PE. No meio de fantasmas, envolvidos nas mais diversas teorias e práticas de economia política, mas sempre na linha da frente dos sacrifícios, os cidadãos preferem divorciar-se.
            Mas Francisco Assis, um dos candidatos ao “novo” PE, já disse esperar que «seja possível dissipar progressivamente o alheamento que parece haver agora por parte do eleitorado em relação às eleições europeias»[3]:- "Eu julgo que, até por efeito da crise, as pessoas compreenderam a importância da Europa para a resolução dos seus problemas. Hoje o país percebe que muitas das nossas dificuldades só poderão ser superadas se houver uma alteração das políticas prevalecentes na Europa".           
            Por aqui se percebe que é muito complexo separar as questões europeias dos problemas nacionais. Veja-se igualmente o resultado das recentes eleições autárquicas em França.     
            E parece residir aqui um dos defeitos do “sistema”, quando os aparelhos partidários – não só em Portugal – não se conseguem entusiasmar para mobilizar os eleitores. Sobretudo aqueles mais afastados dos grandes centros urbanos. E não mobilizam os cidadãos, pois também não conseguem parcerias naturais e sérias com os grandes órgãos de comunicação social. Os Partidos ainda não se entenderam com esses atores da sociedade civil quanto ao papel a desempenhar, parecendo não perceber a independência que lhes assiste, por muito que duvidem da bondade do que se designa por “critérios jornalísticos”. Nomeadamente com as televisões – que já manifestaram a sua intenção de não terem papel ativo no processo eleitoral.
            Até que ponto tem sido ignorada igualmente a chamada imprensa regional? E o papel das rádios locais? E essa nova realidade que são as televisões locais, que se vão alinhando cada vez mais à boca das urnas? Quem dá um passo em frente…para ativar todo este manancial de instrumentos – fundamentais ao exercício da cidadania?


À PROCURA DO CAMINHO CERTO
OUTROS INSTRUMENTOS DE NAVEGAÇÃO





Este Centro “Europe Direct” de Lamego é um dos 19 que estão implantados em Portugal, como já foi referido, e pode ser consultado presencialmente, por telefone ou por endereço eletrónico.
            O serviço da rede – que se iniciou em 2005 – é basicamente responder a perguntas sobre a UE. Mas cada Centro, na opinião de Rui Pereira[1], tem como objetivo fundamental ir ao encontro das escolas e de outras instituições para divulgar e informar sobre os objetivos da União.
         No seio da União, embora com funções apenas consultivas, existem outros organismos que, em princípio, deveriam pugnar pelo regular e eficiente funcionamento da Organização. O Comité Económico e Social Europeu (CESE), que é suposto representar a sociedade civil organizada [apesar de os seus membros serem designados pelos governos dos Estados-membros], deve defender os valores da integração europeia, tal com a causa da democracia e da democracia participativa.
            O que é facto é que parece não se notar – no terreno – a dois meses do ato eleitoral, outras ações de envergadura que possam corresponder à defesa dos valores enunciados.
            Também o Comité das Regiões, que é designado como a voz do poder local, deve representar as cidades e as regiões da Europa. E no âmbito das suas funções, existe uma Comissão vocacionada para as áreas da Cidadania, Governação e Assuntos Institucionais e Externos. Podendo entender-se o sentido da ação deste Comité de fora para dentro – isto é, dos Estados-membros para a União – não podemos deixar de nos interrogar sobre o tipo e o alcance da mensagem que é preciso fazer passar.
            Quem já passou por este Comité foi o agora candidato Fernando Ruas – durante vários mandatos Presidente da Câmara Municipal de Viseu e igualmente presidente da ANMP [Associação Nacional de Municípios Portugueses] – o qual já prometeu vir a ser um defensor do interior e dos territórios de baixa intensidade[2]. É o caso desta região que selecionámos para desenvolver o trabalho. Fernando Ruas dá por adquirida a eleição, naturalmente, mas ficámos sem saber como é que o candidato vai fazer a sua campanha. E que localidades é que vai visitar durante esse período. Que tipo de mobilização?
            Acresce que a CE criou já em 1989 o Team Europe – uma rede de especialistas em temas específicos da União e espalhados pelos diferentes Estados-membros, sendo que em Portugal há vinte e nove. São conferencistas independentes disponíveis para intervir também em seminários, debates, iniciativas nas escolas, ações de formação, ou para contribuir com artigos na imprensa e programas de rádio, nomeadamente a nível local. Um deles, Paula Marques dos Santos, que leciona na Escola Superior de Gestão de Lamego [do Instituto Politécnico de Viseu] elaborou em 2010, com a coautoria de Mónica Silva, um estudo sobre “A identidade europeia – a cidadania supranacional[3], no qual se pode ler nomeadamente: “Com o Tratado de Lisboa, demonstra-se a vontade de transformar uma Europa baseada na economia para uma Europa dos Cidadãos, uma Europa Social, que procura transmitir o sentimento de pertença a uma entidade supranacional. De facto, a cidadania europeia fez repensar o “impossível”, procurando um novo modelo que conceda aos cidadãos formas de combate à discriminação, à exclusão e à incapacidade de alcançar a empregabilidade e a estabilidade pessoal e colectiva. Talvez seja este o caminho para redefinir o conceito de cidadania e responder, simultaneamente, aos problemas que se enfrentam actualmente, tornando a UE num espaço mais competitivo e líder ao nível da formação e da cidadania.”
            Uma visão algo diferente podemos lê-la no filósofo Étienne Balibar, cético ou pelo menos muito crítico da construção europeia[4], quando reflete sobre “Um novo impulso, mas para que Europa?”. Partindo do pressuposto de que não pode haver construção política cujo princípio diretor implica o antagonismo dos interesses dos seus membros, Balibar aponta o que chama de crise da legitimidade democrática na Europa como “resultante de os Estados nacionais terem deixado de ter meios (ou vontade) de se defenderem ou de renovar o «contrato social», e de as instâncias da União Europeia não terem qualquer predisposição para procurar as formas e os conteúdos de uma cidadania social de nível superior – a menos que a isso sejam levadas por uma insurreição das populações ou pela tomada de consciência dos perigos políticos e morais em que a Europa incorre por causa da conjuntura de uma ditadura exercida «no topo» pelos mercados financeiros e de um descontentamento antipolítico alimentado «em baixo» pela precarização das condições de vida, pelo desprezo pelo trabalho e pela destruição das perspectivas de futuro”.

FONTES E BIBLIOGRAFIA

ESTUDOS E ENSAIOS
SANTOS, Paula Marques dos & SILVA, Mónica. Comunicação A Identidade europeia – a cidadania supranacional.
JORNAIS E REVISTAS
Correio Beirão (Viseu)
Diário As Beiras (Coimbra)
Diário de Notícias (Lisboa)
Guia das Instituições da União Europeia – Como Funciona a União Europeia (Luxemburgo, 2013)
Janus net (Lisboa)
Jornal de Notícias (Porto)
Le Monde Diplomatique – edição portuguesa (Lisboa)
Sol (Lisboa)
Público (Lisboa)
TELEVISÃO
Porto Canal (Porto)
SÍTIOS DA INTERNET
MONOGRAFIAS
COSTA LOBO, Marina. Portugal e a Europa: novas cidadanias. 2013. Fundação Francisco Manuel dos Santos e União Europeia.
STEINER, George. A Ideia de Europa. 2005. Gradiva, Lisboa.


(RE) ENAMORE-SE PELA EUROPA


Faça fé no slogan…enquanto é tempo. E vote no dia 25 de Maio.

«É que…parece que vai ganhando força a ideia de que ou a Europa se reforma e avança com seriedade…ou o sonho de Jean Monnet sucumbirá juntamente com a “derrota” da democracia.» 



[1] - Responsável pelo Centro Lamego-Europe Direct, em conversa com o autor no dia 12 de Março 2014.
[2] - - In Correio Beirão, 7 de Março de 2014. Pg 7. 


[3] - In Janus.net – E-Journal of International relations. Vol. 2, nº 1 (Spring 2011). http://observare.ual.pt/janus.net/
[4] - Le Monde Diplomatique – edição portuguesa. Nº89, Março de 2014. Pgs 10 a 13.  


[1] - Fundação Francisco Manuel dos Santos e União Europeia. 2013. Lisboa. Pg 19.
[3] - JN online. 21 de Março de 2014. Política.


António Bondoso
Maio de 2014