2020-02-24


José Ricardo Ferreira – o Zé Ricardo – partiu. E apesar de deixar «aviso», a notícia não nos deixa indiferentes. 


Partiu um companheiro e amigo que conheci em S. Tomé e que, para além de marido da prima Jú, foi amigo de meu pai. E dele me contava histórias, quantas vezes repetidas, sempre enriquecidas com um toque de fino humor.
O Zé Ricardo, homem de defeitos e virtudes como todos, foi de Mangualde a Lisboa, dali partiu para S. Tomé – onde trabalhou no Lima e Gama e no ICB, na Fazenda Pública – e, no regresso, pousou as imbambas em Moimenta da Beira.
Sempre o conheci como repentista e de palavra fácil, atributos que lhe proporcionaram bons momentos na Rádio. Quer em S. Tomé – no Rádio Clube e na Rádio do Parque da cidade em parceria com o Póvoas – quer em Moimenta da Beira onde participou no lançamento da Riba Távora. No Rádio Clube de S. Tomé chegou a produzir, nos anos 50 do século passado, uma «novela» de humor e de crítica social «Alzira e o Estucador». Era igualmente um apresentador de espetáculos nato – no Dramático ou no Cinema Império – e um bom guitarrista.  
À Jú, aos filhos Zé Artur e Kiká e suas companheiras, aos netos Maria e Zé Pedro, um abraço sentido e respeitoso.
Até sempre Zé! E, como me lembrou o primo Tozé, continua a ter «saudades do por do sol em Carapito», expressão com que finalizavas as tuas crónicas quando acompanhavas a equipa de futebol sénior de Moimenta em algumas deslocações ao estrangeiro.  


24 de Fevereiro de 2020
António Bondoso


2020-02-22


Como se pode chegar do arco-íris a um terramoto de intolerância!


Assim, de tanto se falar em cores por estes tempos, dei por mim a pensar no ARCO-ÍRIS. E percebi quanto ele pode ser maravilhoso, tanto quanto DEFEITUOSO…ou de como nem tudo pode ser visto a preto e branco. Vai daí, fácil é chegar à conclusão de que o «racismo», por exemplo, é muito mais do que a simples «distribuição» das cores. E se tivermos em conta a «ilusão» do arco-íris, então fica tudo muito mais complicado, pois se diz que a luz branca é a composição de todas as cores (e por isso não se vê) e o preto, sendo a ausência de luz, é uma das cores subtrativas.
         No sítio da internet, cujo «link» vos deixo abaixo, pode ler-se também ser curioso que poucas pessoas conseguem ver todas as cores do arco-íris. A maioria consegue apenas diferenciar cinco ou seis delas. Então, é preciso, é fundamental entender o fenómeno. Tal e qual o do racismo ou da xenofobia.
Um simples pensamento, um ligeiro olhar, um pequeno gesto, um inesperado receio, um arco-íris defeituoso, uma palavra diferente, um insulto gratuito, e um terramoto de intolerância…pode eclodir a qualquer momento.
Sem instrução, sem educação, sem cultura, sem história, sem conhecer a pobreza e suas razões, sem distinguir a esmola da dignidade, incapaz de reconhecer o paternalismo da riqueza, sem cuidar de saber do outro, sem perceber as contradições do mundo, sem ver os guetos, sem entender os sem-abrigo, sem condenar o trabalho duro e precário imposto por gente sem escrúpulos, está todo o caminho aberto para o tal terramoto de intolerância.
Li há dias, nas «redes sociais», o que alguém escreveu a dizer que também já havia sido «vítima» de racismo pois foi «corrida de Angola por ser branca». Sem pretender questionar a frase, veio-me de imediato à ideia a falta que faz a ponderação das razões para, eventualmente, explicar a atitude: quando terá sido expulsa, quem a expulsou, em que circunstâncias de facto e temporais? E terá tentado essa pessoa perceber o que representam 500 anos de domínio colonial, ao qual se prendem injustiças, violência – quantas vezes gratuita – e muitas outras diversas situações que se enquadram no que eu chamei «as contradições do mundo»? Ter-se-á interrogado sobre as razões que levaram a uma guerra colonial? Terá questionado a razão de não ter sido desenvolvida uma descolonização decentemente atempada? Ter-se-á interrogado sobre quantos funcionários médios e superiores havia na administração das colónias? E os que havia…quando é que foram nomeados? Por outro lado, há uma tendência para confundir racismo com diferenças sociais entre pessoas da mesma raça. Ou as diferenças entre as elites e a maioria dos colonos. Discriminação é uma coisa, Xenofobia outra (perante o estrangeiro), racismo é outra. Se não percebermos isto…não há «arco-íris» que nos valha.


António Bondoso                                                                      
Jornalista e Mestre em R.I.
Fevereiro de 2020.
https://www.todamateria.com.br/cores-primarias/


2020-02-19


AI VENEZUELA. Ou a pequenez de Maduro que, não tendo coragem para enfrentar outros mais fortes da UE, como a Alemanha ou a França, ataca o ponto mais fraco por via da enorme comunidade lusa na Venezuela. E fá-lo covardemente, pois dá ordens ao seu «bobo da corte» para enviar os recados a Lisboa. Não utiliza o seu MNE como se usa em «diplomacia pura» num Estado «normal». O que, convenhamos, não se passa na atual Venezuela, praticamente um Estado semifalhado, no qual a autoridade apenas se exerce pela força militar e pelas milícias. Metade do país definha, sem medicamentos e sem comida. E o presidente da Assembleia Constituinte, ali colocado pela outra metade, vai cumprindo o seu papel de moço de recados, atropelando ideias e conceitos com a sua ignorância, confundindo República com «reino» e «império».  



Depois do tristemente célebre episódio da «carne de porco», diria que é uma forma «saloia» de fazer diplomacia, para não ter que utilizar o termo «chantagista». Apenas pegaram agora na TAP, pela circunstância de Guaidó ter viajado para a Venezuela a partir de Lisboa. E no avião plantaram (à chegada a Caracas) o que dizem ser «explosivos» que ninguém viu, pois não foram mostrados até hoje. No meio desta «patologia diplomática», o que Maduro pretende, já o disse o seu «bobo da corte», é que Portugal reconheça a sua legitimidade como presidente.
         A defesa dos interesses e da segurança da comunidade lusa naquele país até poderia levar Portugal a essa atitude. Mas há a União Europeia de que Portugal é membro e que definiu uma estratégia – discutível para o bem ou para o mal – para conduzir a Venezuela a uma situação de normalidade democrática. Ao atacar Portugal, Maduro pretende abrir uma brecha na política externa da União, mostrando ao mundo a sua «força». E esta, em última análise, só lhe advém do petróleo, da distribuição de benesses aos «generais» e do «falhanço» da «nova/velha» política dos EUA para a região repescada pela Administração Trump. Enquanto Guaidó for poupado pelo regime de Maduro, apesar das humilhações que vai sofrendo, iremos assistindo a episódios caricatos como este. Mas não podemos confiar em Trump, como se tem visto, para exercer uma política externa coerente. Seja para o Médio Oriente, seja para as Américas Central ou do Sul. Já que ele não lê, para saber…alguém lhe deveria ter dito que a política «do bastão e do dólar» já passou à história.
         À Diplomacia portuguesa, desejo e espero que saiba manter os pergaminhos de séculos. Quer ao «ditador Maduro», quer ao «boneco Trump», apetece reproduzir a frase de Daniele Varè em Laughing Diplomat (edição de 1941citada por José Calvet de Magalhães em 2002): «…O general disse: Mesmo depois de você ter despido o seu uniforme, não se esqueça de rir. Ria do sucesso e ria do fracasso. Ria da forma como o mundo é governado. Ria dos outros e sobretudo ria de si próprio!(…)». 


António Bondoso
Jornalista e Mestre em R.I.
Fevereiro de 2020.

2020-02-17

AS CORES DA PELE E AS CORES DOS CLUBES…ou de como a «Humanidade» perde sempre para a intolerância de uns, para a omissão das leis, para a fraqueza das instituições. E é nesta fraqueza que reside uma grande parte do problema: situações graves e de contornos diversos, repetidamente praticadas e nunca penalizadas, geram «impunidade». E desta à «indignidade» há apenas uma simples troca de letras. 


         Dizem os especialistas que há formas ou truques para tentar resistir aos insultos. Mas, como disse também filosoficamente Arthur Schopenhauer – em cujo pensamento se baseou Franco Volpi[1] para o seu ensaio sobre a arte de insultar – há momentos em que é praticamente impossível recuar, pois, quem insulta, faz-nos perder a honra, mesmo se for o "mais indigno canalha, o mais estúpido animal, um vagabundo, um jogador, um facadista".
         Portanto, podemos ser levados a intuir que só a «vileza» responderá satisfatoriamente à provocação e ao insulto. Contudo, quem é humilhado terá capacidade para – seguindo Schopenhauer – fazer-se de desentendido e ignorar os insultos do adversário? Certamente alguns se recordarão da «estória» do anão que, depois de ser repetidamente insultado, um dia matou os prevaricadores. E disso foi absolvido. A nós, ter-nos-á chegado de forma anedótica. Mas há para ler – e refletir – o conto «Hop-Frog», do escritor norte-americano Edgar Allan Poe, publicado pela primeira vez em 1849 e originalmente designado como "Hop-Frog ou os Oito Orangotangos Acorrentados".
Entrando no caso concreto que aqui me traz – a atitude do jogador do FCP Marega, em Guimarães, depois de ouvir durante mais de uma hora (os insultos terão começado ainda no período de «aquecimento») os mais diversos impropérios – teria esse jogador condições psicológicas para continuar em campo? Poderão os adeptos do seu clube criticá-lo por ter pedido para abandonar o relvado e, com isso, eventualmente vir a prejudicar/enfraquecer a equipa para o resto do jogo? Marega é um ser humano antes de tudo. Mesmo, claro, antes de ser jogador profissional. Decidiu, e bem, responder de forma dura à continuada humilhação. Já havia respondido aos insultos quando, depois de marcar um golo, resolveu mostrar a cor da sua pele. E o que aconteceu? Da bancada «choveram» cadeiras e ele, para dar um sinal de protesto e até de se proteger, colocou uma delas na cabeça. O que fez o árbitro? Puniu-o com um cartão amarelo. Triste juiz! Nada de espantar, sabendo que já antes havia atropelado um jogador – o Danilo – e depois o expulsou. O árbitro não percebeu, ou não teve tempo de perceber, todo o ambiente hostil que vinha das bancadas em direção a Marega? Mostrando o «amarelo» ao jogador entendeu que iria aplacar a ira dos que o insultavam há mais de uma hora? O que terá ele escrito no relatório? E qual será o entendimento da Liga, a mesma Liga que decidiu de imediato condenar os insultos ao jogador? O cartão a Marega será revertido? E o que dizer de toda uma série de condenações que se seguiram – algumas delas carregadas de hipocrisia, como as de alguns movimentos e/ou partidos políticos? Quantos, dos que apoiam ou criticam Marega, já viram o vídeo «Many Faces» (James e FCP) e refletiram sobre ele?
O comentador da SIC/Notícias, David Borges, terá dito por outro lado – segundo li – que o “futebol está, cada vez mais, transformado num Estado dentro do Estado". Um pequeno pormenor me separa desta citação. Para mim não é todo o «futebol»…mas sim, e sobretudo pelo que se tem publicado e passado, um «clube» de futebol. O SLB faz-me lembrar o velho sistema colonial das Roças/Fazendas em África, particularmente em Angola e em S. Tomé e Príncipe. Aí sim, um Estado dentro do Estado. Claro que o FCP e outros clubes não podem também ficar isentos de culpas, tal como dirigentes sucessivos da Liga e da FPF, dos árbitros e da chamada justiça desportiva.
         Hoje a «manchete» é o racismo, mas há muito mais para trás. Quando falo da fraqueza das instituições é também disto que falo. Pela simples razão de que essa fraqueza tem conduzido a outras situações de impunidade. E, infelizmente, não é apenas a «justiça desportiva» que está ferida de morte. É a justiça deste país. Ponto final! Um país que nasceu da forma que sabemos, mesmo tendo em conta a luz da História, o espírito do tempo…poderá ser reabilitado?



António Bondoso
Jornalista
Fevereiro de 2020.

2020-02-03


TLÊXI FÊVÊLÊLU 2020
…ou de como o «regime colonial» sofreu uma derrota em S. Tomé e Príncipe há 67 anos. Uma «revolta inventada» e movida por interesses mesquinhos e pessoais provocou violência, dor, sofrimento e humilhação que conduziram à repressão, à tortura e ao ódio. 


Da falta de mão-de-obra – que se arrastava desde o século XVIII – à luta pela posse de terras dos nativos no tempo da segunda colonização, no século XIX, passando pelas «brigadas de trabalhos forçados» para erguer a capital da colónia nos anos de 1940 e de 1950, tem havido tentativas diversas de «explicar» as causas remotas e imediatas dos acontecimentos em Batepá, na cidade de S. Tomé, em Fernão Dias e na ilha do Príncipe em 1953.
         Alda do Espírito Santo (“Onde estão os homens caçados neste vento de loucura”), Carlos do Espírito Santo, Inocência Mata, Gerhard Seibert, Tomás de Medeiros, Sum Marky, Hermínio Ferraz, Francisco Costa Alegre, Jerónimo Salvaterra, Carlos Neves, Aíto Bonfim e Armindo de Ceita do Espírito Santo têm deixado muitas pistas ao longo dos anos. O meu modesto contributo está plasmado em Escravos do Paraíso, de 2005.
         Não pretendendo ser repetitivo, quer quanto ao «filme» dos acontecimentos, quer quanto ao número de mortos – ainda hoje dificilmente quantificável com exatidão – deixo-vos apenas estes versos de um longo e belo poema de Conceição Lima: «1953»*
(…) Ó penal colónia que no Equador contorces
Sem sentir do Kabaka a exilada dor
Arquipélago sobre as rasgadas tripas fechado
Mar de Fernão Dias pelo frio varado
Ó algas marinhas, ó pedras dos rios!

Lulas sem olhos encalham nas praias
Pombas sem asas despenham nas ondas
Seca nos seios o leite das mães
Há sangue, há pus no vão das escadas
Gemem passos em fuga nas matas da ilha. (…)

*Em A DOLOROSA RAIZ DO MICONDÓ, Caminho, 2006


https://youtu.be/ubfAX8QdDd0


António Bondoso
Jornalista
3 de Fevereiro de 2020