2016-12-31

UM 2017 MAIS SERENO E MAIS SOLIDÁRIO.

Foto de Ant. Bondoso

Se a viragem do ano transportasse em si mesma o valor absoluto do bem-estar e da justiça, seria como que um momento perfeito da humanidade. 
Como tudo é complicado neste mundo habitado por humanos! Desde o início dos tempos sempre a pesar a vida e a morte, matar ou morrer, viver e sobreviver, a pobreza e a riqueza, a alegria e a tristeza, o belo e o feio, o mal e o bem, a felicidade e a miséria, o poder e a submissão, o pecado e a graça, a mentira e a verdade, a dúvida e a certeza, a traição e a lealdade, o amor e ódio, o perto e o longe.
Um 2017 mais sereno e mais solidário. 
António Bondoso

Foto de Ant. Bondoso

António Bondoso
Jornalista
31 Dez. de 2016

2016-12-22

NATAL - UMA QUADRA DE SIGNIFICADOS MAL PERCEBIDOS. A CRISE NÃO ACABOU...APESAR DAS MARATONAS AOS CENTROS COMERCIAIS.


QUANDO DECIDIRMOS FALAR DE NATAL…
FALEMOS DE JUSTIÇA E DE AMOR.

         De amor, seja o que for que entendamos pelo conceito: solidário, disponível, amigo, atento, presente, carinhoso, paciente, compreensivo, alegre, sorridente, ouvinte, confidente, partilhado, arejado.
Não me venham falar de Natal, quando a miséria, a pobreza, a desigualdade entre os indivíduos dos diferentes troncos da raça humana se acentua; não me falem de Natal quando os “donos disto tudo”, banqueiros e mercados sem rosto, somam cada vez mais às suas fortunas roubando o produto de quem trabalha e de quem já trabalhou; não me falem de Natal quando os jovens não têm futuro na terra onde nasceram; não me venham falar de Natal quando as migrações são cada vez mais forçadas por situações de conflito social, de guerra e de perseguições políticas – da Síria ao Sudão, da Líbia ao Iraque, da Sérvia ao Kosovo, da Albânia à Turquia, do Líbano a Israel, da Rússia à Palestina, do Paquistão à Índia, da Indonésia às Filipinas, da China ao Tibete, do México aos Estados Unidos, da Alemanha à Hungria, do Congo ao Chade, do Mali ao Iémen, da Tunísia ao Burquina Faso, de Angola ao Zimbabwe, do Brasil à Venezuela. Não me falem de Natal quando as crianças em todo o mundo são violentadas pela fome e pela escravidão.
Não me falem de Natal sem referir Justiça, sem lembrar o sacrifício de Jesus Cristo – esse mesmo cujo nascimento celebramos há séculos por esta altura, o que nada tem a ver com a figura do Pai Natal fabricada pela Coca-Cola – e do Papa Francisco que, com muita coragem e com muita persistência, nos tem devolvido alguma esperança e muita Fé.  
Não me falem de Natal, quando ver morrer jovens à porta dos hospitais começa a tornar-se moda, tendo por base cortes orçamentais absurdos. E dos mais velhos nem vale a pena falar, aumentando as situações críticas já mesmo à porta das farmácias – quando não, até da porta de suas casas. Não me venham falar de Natal quando os avós e os pais já não conseguem – em cada dia – fazer face ao desespero dos filhos. Não me falem de Natal, quando há situações diárias de pais e filhos desavindos. Não me venham falar de Natal, quando há escolas que não funcionam por falta de verbas. Não me falem de Natal quando a violência doméstica é cada vez mais comum; não me falem de Natal quando os vizinhos se agridem por uma flor de jardim ou por um arbusto saído; não me venham falar de Natal quando as alterações climáticas – resultado sobretudo das ambições desmedidas do “homem” – conduzem à morte do nosso planeta a um ritmo assustador.
         Não me venham falar de Natal apenas em Dezembro. 
         Falem-me de Justiça, de Cristo e de Consciências Iluminadas.
Enviei, aceitei e retribuí mensagens de Boas Festas. Sobretudo para os amigos que muito considero. Mas não me falem de Natal, quando percebo nesses gestos apenas uma circunstância de moda. Não me venham falar de Natal quando se consomem fortunas em decorações de rua e nas casas de cada um, apenas para umas horas de mesa e de companhia desfeita; não me falem de Natal quando o consumismo se concentra em figuras como a Popota ou como a Leopoldina. Não me venham falar de Natal, quando as compras e as trocas de presentes são a razão única de estabelecer um convívio de amigos e de famílias.
         Não me venham falar de Natal…por tudo isto!
         Falem-me de Amizade presente e desinteressada, falem-me de Justiça, dos verdadeiros valores do humanismo. O Natal é isto: Paz em todos os habitantes do planeta e amor – seja o que for que entendamos pelo conceito: solidário, disponível, amigo, atento, presente, carinhoso, paciente, compreensivo, alegre, sorridente, ouvinte, confidente, partilhado, arejado.

Dezembro de 2016
António Bondoso
Jornalista    


2016-12-20


OLINDA BEJA trouxe S. Tomé e Príncipe ao PORTO AFRICANO, ainda a decorrer no Espaço Quadras Soltas, na Rua de Miguel Bombarda. Ali foi apresentado o seu livro Á SOMBRA DO OKÁ, cabendo essa responsabilidade a António Bondoso. 

Foto de "Porto Africano"

Mais uma vez para falar de S. Tomé e Príncipe – como eu gosto de conversar sobre o país! – e, neste caso, de uma Mulher que merece todo o respeito e admiração pelo esforço que sempre dedicou ao seu país natal…mesmo quando as condições não eram favoráveis. 
                                          OLINDA BEJA!     
         Hoje, felizmente, pode dizer-se que (de alguma forma) o seu trabalho tem vindo a ser reconhecido. No seu país e internacionalmente. E até premiado!
Tem já publicadas 17 obras, para além de outros trabalhos na Alemanha e na Argentina. Basta percorrer a sua já longa e profícua bibliografia para saber. A AUTORA tem igualmente poemas e contos traduzidos para espanhol, francês, inglês, mandarim, árabe e esperanto.
Olinda Beja – e jogando aqui um pouco com as palavras, função que ela desempenha com m(a)estria – Olinda Beja é SOBEJAMENTE conhecida no mundo da escrita em língua portuguesa. Olinda Beja é a expressão acabada da Rosa dos Ventos de Almada Negreiros: não por acaso os sangues cruzados a sul e a norte, a ocidente e a oriente – Não foi por acaso nada de quem sou agora!
Acrescentarei apenas que OLINDA BEJA faz parte de um considerável “escol” de figuras de relevo na cultura do mundo lusófono…com nascimento nas Ilhas do Meio do Mundo – mais propriamente na Ilha de Nome Santo no seu caso – “escol” que vem de longe…se nos lembrarmos de Costa Alegre, Mário Domingues, Francisco Stockler, Francisco José Tenreiro, Manuela Margarido, Tomás Medeiros, Almada Negreiros, Viana de Almeida, Marcelo da Veiga, Vianna da Mota, Sum Marky, Sacramento Neto e Alda do Espírito Santo.
Segue-se uma longa lista de valores mais ou menos recentes, onde despontam Albertino Bragança, Armindo Vaz D’Almeida (recentemente falecido, tal como Armindo Aguiar, há dias desaparecido e encontrado morto em Lisboa em circunstâncias muito estranhas), Conceição Lima, Frederico Gustavo dos Anjos, Carlos Espírito Santo, Jerónimo Salvaterra, Aíto Bonfim, Rufino Espírito Santo, Inocência Mata, Lúcio Amado, Hélio Bandeira, Ludger Carvalho, Orlando Piedade, Goreti Pina, Osvaldo da Gama Afonso e Francisco Costa Alegre. 

Foto de Porto Africano

É neste “escol” que se destaca a produção de Olinda Beja. Particularmente na Poesia. Tudo o que escreve…tem um sentido, um toque poético. É uma Poesia contada, cantada e representada. E como Olinda Beja tem percorrido Portugal e o Mundo…cantando e representando o seu país natal! Como aconteceu e tem acontecido com este delicioso
                                       À SOMBRA DO OKÁ.
(já distinguido em STP com o Prémio literário Francisco José Tenreiro)
E não faço aqui esta referência apenas por acaso.
Vamos já perceber porquê…
Quem já tem um exemplar, certamente perceberá (ou vai perceber) – por entendidas e eruditas palavras/ideias dos vários prefaciadores – a qualidade literária de Olinda Beja.
A minha teoria, a minha leitura é outra:
Este livro é um sonho. Traduz um sonho….
Olinda sentou-se ali na cadeira (aquela mesma na capa do livro) à sombra do OKá…e sonhou! 

Foto de Porto Africano

E o livro é o resultado do sonho. 
No qual há prelúdios, certezas e dúvidas…e depois fragilidades.
Também angústias, claro, pois o futuro não é só esperança…
E dedicatórias igualmente, em cada uma agradecendo.
Permito-me referir a de Milé Veiga: - minha vizinha de infância e de jovem adulto…Ainda hoje nos tratamos por Família!
À Milé Veiga
lavraste searas de ausência em teu outro húmus
teu pranto vago e terno em começo de recordação
tempo afeiçoado ao gesto
à simetria de teu corpo cambuto e gracioso
deserto de sons e horas
e diásporas de sofrimento

teceste fios de púrpura na estrada de Água Arroz
altivos mamoeiros no quintal de tua espera
e de ti nasceram risos
e abraços
e mãos de acenos fugazes
e palavras esculpidas em folhas de andala
teu ilustre papiro.


Foto de Porto Africano
Por fim as intimidades….Que se prolongam!
E Quando se pensa que vai ser o final do livro…. Eis que as palavras brotam de novo num perfeito “encore”… com um bis citando Manuela Margarido.
E então, tudo – o Oká e as Ilhas – se funde na figura tutelar da MÃE. A mãe é o mundo. Muito mais do que em Almada (mãe passa as tuas mãos pela minha cabeça…ata as tuas mãos às minhas e dá um nó-cego muito apertado); mais do que em Tenreiro (Mai! Entre nós: milhas! Entre nós: uma raça! Contudo este livro é para ti…); e aqui em Olinda – (não mais te perderei nas margens do rio; havemos de recuperar mãe…podemos abrigar nossos sonhos à sombra do velho ocá/ onde sei que ficarão felizes os meus e os teus ossos…/o amor maior é o calor das tuas mãos nas minhas).
         Para Olinda Beja…Imensa é a ternura de nossos corações mestiços. Tal como mestiço é o coração de Tenreiro – ele mesmo o patrono do prémio agora atribuído a Olinda. O trajeto de ambos – desfasado no tempo, embora – tem algumas semelhanças, por exemplo a vinda muito precoce para Portugal. E depois, o longo afastamento da terra natal – mais o de Olinda Beja. Tenreiro não teve tempo – faleceu demasiado cedo. Pelo contrário…Olinda tem vindo a consolidar uma relação mais profunda com a terra, com as ilhas, com a mátria. 
         Talvez por isso a autora tenha conseguido assimilar melhor o sabor, o gosto pela cajamanga e pelo untué – podem crer que não é assim tão fácil – enquanto Tenreiro prefere colocar em poema a fruta  pão e a banana pão. 




Por outro lado, a maior longevidade de Olinda – felizmente – apresenta-nos, não direi um dilema, mas seguramente uma visão diferente da existência, com base numa famosa ave – o Ossóbô: - enquanto Tenreiro apresenta o Ossóbô como um cântico de vida (deslumbramento próprio de quem está de passagem, de quem não vive lá, embora sendo – ou então um sentido mais positivo da vida, um momento de felicidade!):
O OSSOBÓ CANTOU

A cavalo do vento
A chuva chegou.
A chuva chegou
E o ossobó cantou.

Cantou o ossobó
Seu canto molhado.
«Tchuva já vêo?
Já vêo si siô».

Já veio a chuva, Deçu mum
E é um estoirar de amor pelas grotas.
Té o ribeirão seco como mulher vazia
Se abriu gostosamente ao ribeirinho entumescente.

As águas lavam carícias de mãos.

Sob a folhagem amodorra a cobra preta
Enquanto o potro e o menino do engenho
Brincam e correm no terreiro os corpos molhados
Do canto bonito do ossobó.

Já vêo a chuva?
Já vêo si siô.
Não vêo não siô.
Ah! Já vêo que ossobó cantou!

A preta do meu amor pariu,
Pariu, meu Deus!, porque o ossobó cantou!

Olinda prefere dizer que o Ossóbô chora, cumprindo o que ela chama de ritual de pranto em nossas vidas. (TALVEZ uma certa amargura pelo tempo perdido – melhor dizendo tardio – no regresso à terra e ao convívio com a mãe e com os outros familiares de lá): - ou então, um toque de revolta pelos crimes ambientais – igualmente um tema central da sua luta:
chora o ossobô. Chove na floresta
molhadas ficam suas penas, suas asas
o canto repetido é memória de jaqueira
folhas escondidas em recônditos troncos

não mais prantearás o deslizamento do Contador
breve passagem na floresta da existência
relento de incertezas na música efémera do teu canto

chora o ossobô. Ritual de pranto em nossas vidas
enquanto se orvalha o corpo ereto das jaqueiras

Tenho acompanhado um pouco o percurso de Olinda Beja…
          Bô Tendê?, 15 dias de Regresso, No País do Tchiloli, A Ilha de Izunari, Água Crioula, Pé-de-Perfume, Aromas de Cajamanga, Histórias da Gravana…Mas este À SOMBRA DO OKÁ, com ilustração de capa de Teresa Bondoso, – e eu não sou muito adepto de comparações numa análise exclusivamente literária / cada obra é uma obra, tem os seus momentos, a sua ideia -  este À Sombra do Oká, dizia…é provavelmente o melhor livro de Olinda.
          Pelo menos aquele em que a autora assume definitivamente a sua profunda ligação com a terra. Plasmou-se aqui ontologicamente. De corpo e alma construiu como que um romance onde a narradora apresenta as personagens principais num quadro digno de Pascoal Vilhete.
          Assume toda a sua Sãotomensidão – como ela gosta de dizer:
“E agora não haverá mais sombras nos meus sonhos / ali ninguém mais se atreverá a negar-me o chão, a negar-me a mátria”.
          Finalizando…que a função já vai longa, direi só mais isto:
Conhecendo um pouco de Olinda Beja…estou mesmo a imaginar os seus gestos, dizendo ao Oká que já está pronta, pode vir buscá-la.
E remata:
Atravessa o livro
atravessa o livro e desata o meu olhar
e o meu grito e a minha errância e a minha dor
estende-me teu tronco, teus ramos, tua sombra(…)
(…) longo é o rio, longo e pedregoso,
maior, muito maior… o mar…

***** E é nele – Olinda Beja – no mar… que o som da ilha ficará ecoando, como diria Tenreiro.
Dezembro de 2016
António Bondoso

Jornalista