2016-10-15



A FALTA DE PUDOR NESTA PLATAFORMA DO OUTONO…ou de como Camilo Castelo Branco nos recorda a bárbara nudez dos princípios


De plataforma em plataforma…tenho vindo a fazer um esforço gigantesco para manter a postura e a serenidade que se exigem a um cidadão reservado e discreto, minimamente preparado para perceber o mundo. E não tem sido fácil. Não digo perceber o mundo – essa é a parte mais fácil – o que me inquieta é ter dificuldade acrescida para perceber a ignorância assumida, a petulância, a vaidade saloia, a demagogia barata, a manipulação descarada, a falta de educação, a venda da dignidade. E a honra empenhada e o pudor ignorado.  
Mas no meio de tanta plataforma, de transportes ou de orçamentos, de injustiça ou de crimes, de futebol ou de política – tanto ao gosto das conversas de café – caiu-me na secretária a brilhante prosa de Camilo Castelo Branco, concretizada numa resenha de contos a que deu o título de Noites de Lamego. Um título abstruso, classifica. Impenetrável ou obscuro, pois a cidade dos Remédios apenas ali é referida em função das longas e mesmo infinitas noites em redor de umas boas lascas de presunto. E cuida o autor que a leitura do livro deve ser encarada de duas formas: umas vezes como leitura de engalhar o sono rebelde…e noutras encarado como distractivo expediente para aligeirar as horas.
E logo no primeiro conto lá vem a questão do pudor – consequência do pecado de Adão e Eva, infere Camilo, depois desses primeiros personagens se vestirem de folhagem de figueira. Mas, acrescenta o autor, a não existir o pecado, esta bonita coisa, que se chama pudor, faltaria à beleza da mulher; e os poetas, e romancistas, e moralistas desconheceriam um manancial de graciosos discursos, sermões, e madrigais, que correm impressos acerca do pudor.(…) Ao crime da desobediência seguiu-se o do homicídio praticado por Caim. E o homem, em matando o homem, justificou a morte de outros animais, nomeadamente os carneiros. Com essas mortes violentas – adianta Camilo – veio a reforma no vestido. Começaram os homens a vestir-se com as peles das suas vítimas, e não foi sem razão, atendendo que, no Outono, se despegavam secas as folhas das árvores e o pudor ficava em transes até à Primavera.
Mais do que uma silly season, já viral a cada verão, vivemos agora um outono cada vez mais irracional, esperando que o inverno não venha a matar a primavera. 



António Bondoso

Outubro de 2016.

2016-10-14



ENTRE ESTAÇÕES – UM CAMINHO PARA O SUL E PARA O MAR…por onde também passou o almirante Sarmento Rodrigues.


         Caminhada até às Devezas. Alfa Pendular. Santa Apolónia, Metro, Cais do Sodré. E o rio e o mar ali tão perto! Belém a olhar o oceano e o Tejo…e o novo museu – o MAAT – ainda em fase de acabamento. Parabéns à EDP por levar novas ideias junto à água. E a chuva, não tão inesperada quanto isso, mas suficiente para ensopar os sapatos e fazer muita gente recolher à pala do Maat. Depois o Museu da Marinha, ali tão próximo dos Jerónimos e do Palácio Presidencial – onde a guarda é da responsabilidade da GNR mas, à cautela e não vá o diabo tecê-las, mesmo na esquina está instalada uma esquadra da PSP. Volto ao Museu da Marinha – onde a história se confunde com o espírito do povo: aventura além do mar para saber se havia outros, como seriam e qual a sua história, a qual passou a ser partilhada para o mal e para o bem. Na loja do museu, paredes meias com o pavilhão das Galeotas, uma mesa de café mostrou-me a planta do porto da cidade cabo-verdiana da Praia, na qual descobri o ilhéu de Santa Maria e a praia Virgínia…quase junto à Ponta Temerosa. 



Na loja estava lá quase a história toda e foi ali que me chegou às mãos o livro sobre Sarmento Rodrigues – um tributo à grande figura da Marinha por ocasião do centenário do seu nascimento em Freixo de Espada à Cinta no ano de 1899. Uma reposição, embora com novos testemunhos, mas ainda e sempre a estatura do igualmente transmontano Adriano Moreira, do alto da sua competência e lucidez com 94 anos, a lembrar que Sarmento Rodrigues terá sido como que um cidadão romano da República Portuguesa. E desfiou memórias sobre o percurso do homenageado mais uma vez: teve a humildade de ter aceitado o cargo de governador-geral de Moçambique, depois de já ter sido Ministro do Ultramar; foi o primeiro que, por escrito, apresentou um projeto para reformar toda a administração ultramarina; viu longe o que estava a mudar e defendeu a mudança num espírito de diálogo e de compreensão. Adriano Moreira voltou a destacar o forte culto da amizade que ia para além das divergências políticas ou ideológicas. Quando Sarmento Rodrigues foi preso, na sequência das contradições do PREC – depois do 25 de Abril – Raúl Rego, socialista e laico, foi dos primeiros a visitá-lo. E há igualmente essa amizade antiga com Norberto Lopes que viria a ser embaixador em Moscovo. É ele que conta, no livro em apreço, uma estória corroborada por Adriano Moreira e que envolveu Oliveira Salazar numa sessão de despacho: dizia Sarmento Rodrigues ao então Presidente do Conselho de Ministros que gastava muito tempo a escrever textos para palestras para as quais era convidado frequentemente, em prejuízo de outras atividades. Ao que Salazar retorquiu com ironia, porque não encarrega alguém de lhe fazer os discursos? Resposta pronta de Sarmento Rodrigues, sem azedume mas sem subserviência – o senhor Presidente podia dizer-me quem lhe faz os seus? Talvez possa encarregá-lo de escrever os meus.
         Sarmento Rodrigues, marinheiro, académico e político – era situado por Marcelo Caetano à esquerda do antigo regime. Mais uma vez lembrado no Museu da Marinha, em Lisboa, na presença de familiares e amigos – de Freixo de Espada à Cinta a vários cantos do mundo onde se fala em português.



António Bondoso
Outubro de 2016. 

2016-10-05

REPÚBLICA - 106º ANIVERSÁRIO
UM CAMINHO DE REFLEXÃO PERMANENTE



                                                  PRIMEIRA REPÚBLICA
1910 – 1926
INSTABILIDADE POLÍTICA, ECONÓMICA E SOCIAL.
[Também consequência da desastrosa participação de Portugal na IªG.M.
 Mas que permitiu, apesar de tudo, preservar as Colónias.
OITO PRESIDENTES, 7 PARLAMENTOS E 45 GOVERNOS.

O RESULTADO...

GOLPE MILITAR DE 1926
28 DE MAIO.
DE BRAGA A LISBOA.
GEN. GOMES DA COSTA 
FIM DA PRIMEIRA REPÚBLICA
DITADURA MILITAR (ou Nacional).

CONSTITUIÇÃO DE 1933
CARACTERÍSTICAS DO NOVO REGIME:
ANTIPARLAMENTAR  e  ANTIPARTIDÁRIO.
CONCENTRAÇÃO DE PODERES NA FIGURA DE SALAZAR – PRESIDENTE DO CONSELHO DE MINISTROS.
AUTORITARISMO E CENSURA.
POLÍCIA POLÍTICA – PIDE.
DEUS-PÁTRIA-FAMÍLIA...
REGIME CORPORATIVISTA.
FUNÇÃO PRESIDENCIAL PRATICAMENTE DECORATIVA COM CARMONA E CRAVEIRO LOPES

O “FURACÃO” DELGADO... 1958

APÓS DIVERGÊNCIAS COM CRAVEIRO LOPES…SALAZAR TENTA EVITAR HUMBERTO DELGADO
“Obviamente demito-o”… a frase que marcou o general sem medo depois da jornada gloriosa no Porto e da receção em Santa Apolónia.



 Pressentindo o perigo, manda manipular os votos e faz eleger Américo Tomaz.

DEPOIS VEM O SANTA MARIA, A ÍNDIA E A GUERRA COLONIAL.
HUMBERTO DELGADO É ASSASSINADO EM 1965.
SALAZAR CAI NA CADEIRA EM 1968, SENDO SUBSTITUÍDO POR MARCELLO CAETANO.
SALAZAR MORRE EM 1970.

1974 – LIVRO DE SPÍNOLA “Portugal e o Futuro”.
GOLPE MILITAR EM 25 DE ABRIL DE 1974
É DERRUBADA A DITADURA.
TERMINA  A  GUERRA  COLONIAL...
…E É RESTAURADO O REGIME DEMOCRÁTICO!
DESCOLONIZAÇÃO! FIM DO IMPÉRIO!

CONSTITUIÇÃO DE 1976.



III  REPÚBLICA
   RAMALHO EANES...
1º P.R. ELEITO POR SUFRÁGIO DIRETO E UNIVERSAL
Depois foram eleitos Mário Soares, Jorge Sampaio, Cavaco Silva e Marcelo Rebelo de Sousa.


PILARES DO NOVO REGIME...
SEMI-PARLAMENTARISMO.
GOVERNO DEPENDE DA A.R. E DO P.R.
ESTADO DE DIREITO
SUFRÁGIO UNIVERSAL
SEPARAÇÃO DE PODERES
DEMOCRACIA LIBERAL/ECONOMIA MERCADO
DIREITOS HUMANOS
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
LIBERDADE DE IMPRENSA

A  REPÚBLICA HOJE...
O QUE REPRESENTA?
QUE MEMÓRIA COLETIVA?
O QUE MUDOU? PORQUE SE VIVE MELHOR DO QUE ANTES DO 25 DE ABRIL?
EM QUE SECTORES DE ACTIVIDADE FAZ SENTIDO RECLAMAR OS IDEIAIS REPUBLICANOS?
QUE PAPEL ESTÁ RESERVADO AOS JOVENS NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIAEM TEMPO DE CRISES SUCESSIVAS E GENERALIZADAS?


CRISE ECONÓMICA E FINANCEIRA.
CRISE DE VALORES.
CRISE DAS ELITES POLÍTICAS.
CRISE NO SISTEMA JUDICIÁRIO.
CORRUPÇÃO.
SAÚDE ANÉMICA E ENSINO DESAJUSTADO.
A  ÉTICA !
A  MORAL !
A intervenção da TROIKA  nada resolveu. Temos ainda um país adiado.

FUNDAMENTAL RELER E PERCEBER
MANIFESTO PELA “MORALIZAÇÃO”DA REPÚBLICA

Em 2003, o Centro de Estudos Republicanos Sampaio Bruno, no Porto, dinamizado pelo Prof José Augusto Seabra, havia alertado para a crise de valores republicanos.
No manifesto, apontavam-se erros de governação mais recentes, mas também históricos que costumam conduzir a um clima de suspeição; com a adesão à Europa, criou-se uma euforia artificial do dinheiro fácil; depois veio o desequilíbrio das finanças públicas – também devido às fugas fraudulentas ao fisco; sem educação, sem cultura, sem qualidade profissional – Portugal corre o risco de recair nas velhas pechas de uma mentalidade passiva adulterada pela sociedade do espetáculo permanente, sobre o pano de fundo da corrupção endémica. [...] Mudar as mentalidades é, por isso, uma prioridade nacional.
António Bondoso
Out. 2016


***** Viva a República. 
Apenas meia dúzia de tópicos...em busca de um caminho novo



(...)Acresce a luta pela manutenção das colónias em África, salientando-se episódios como o Congresso de Berlim, o mapa cor-de-rosa e o Ultimato inglês. Estávamos às portas da República mas foi preciso a tragédia do Regicídio para lá chegar mais depressa. Para desgraça da Iª República vieram a Guerra de 14-18 e o Golpe militar de 28 de Maio de 1926 que conduziu à ditadura do Estado Novo. E finalmente aconteceram a Índia e a Guerra Colonial, antes do golpe de 25 de Abril de 1974 e a subsequente revolução democrática. Perdidas as colónias virámo-nos bem para a CEE…mas depois sucedeu a ilusão da UE – sobretudo do Euro – e não nos demos conta das perdas de soberania. E vieram as crises financeiras e os resgates dos donos do dinheiro. E é por aqui que temos caminhado, não nos dando conta de que o desafio mais aliciante deste século está na consolidação da Lusofonia. Apesar de tudo o que sabemos e apesar de tudo o que se diz. Vão já muito longe os tempos do “espírito de Bissau” – uma abertura de mentalidades e uma boa dose de realismo do então presidente Ramalho Eanes.(...)
Ant. Bondoso (2016).
Voltarei ao tema.