2015-04-30

***** A PROPÓSITO DE UMA EFEMÉRIDE. 
               30 de Abril 1926/ 9 de Março 2010
Passaram cinco anos sobre o desaparecimento físico da Poetisa, Educadora e Combatente pela Liberdade em S. Tomé e Príncipe - ALDA DO ESPÍRITO SANTO.
Faria hoje 89 anos.  


Quando a entrevistei em 2004, para o meu livro ESCRAVOS DO PARAÍSO (MinervaCoimbra-2005), Alda do Espírito Santo disse-me que a independência é a maior conquista de um Povo...mas nunca corresponde ao nosso sonho. É dessa conversa que vos deixo aqui um excerto: 




E também linhas de um Poema seu:
(...) A nossa terra é linda, amigas
E nós queremos que ela seja grande...
Ao longo dos tempos!...
 Mas é preciso, irmãs
Conquistar as ilhas inteiras de lés a lés
(...) Mas é preciso conversar ao longo dos caminhos
Tu e eu, minha irmã.
 É preciso entender o nosso falar
 Juntas de mãos dadas
 Vamos fazer a nossa festa!
Em «É Nosso o Solo Sagrado da Terra»
Alda Espírito Santo
==== António Bondoso
Jornalista




2015-04-25

AROMAS DE LIBERDADE(s)

Foto de Miguel Bondoso


Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto
(23 de Abril de 2015 – 21:30h)

 Livro de poesia “Aromas de Liberdade(s)”, de António Bondoso

RECENSÃO, Regina Correia


No Dia Mundial do Livro e do Direito de Autor é uma honra para mim, simples cidadã anónima, poder partilhar convosco este espaço nobre e centenário no coração da “muy leal cidade invicta”, espaço recheado de memórias dos mais ilustres homens e mulheres de informação e de letras do país e comprometidos com a Liberdade.
Muito grata a António Bondoso por me ter convidado a apresentar seu último livro de poesia “Aromas de Liberdade(s)” e assim me ter proporcionado este momento inesquecível.

Partindo do princípio que “a arte livra-nos ilusoriamente da sordidez de sermos” (p.269) e “… consiste em fazer os outros sentir o que nós sentimos, em os libertar deles mesmos, propondo-lhes a nossa personalidade para especial libertação…” (p.261), como escrevia Fernando Pessoa no “Livro do Desassossego”, apelo à vossa paciência para algumas notas de minha leitura informal de um livro dividido, por assim dizer, em duas partes – a primeira parte, dos “sete cravos” e a segunda, de “outros aromas poéticos”, em que “ser” pode causticar tanto que se desdobra necessariamente em arte.

O poeta transporta para as páginas em branco suas inquietações, seus sonhos, seus delírios que, nas entrelinhas dos versos, levam o leitor a viajar com ele através do universo de Língua Portuguesa espalhado pelos diferentes continentes… num exercício de rememoração crítica e de apelo à consciência interventiva de cada um de nós na realização efectiva da cidadania, a par de sentimento de amor, de melancolia e de saudade…

No título duas palavras apontam para a pulsação do livro – aromas e liberdade(s) – liberdade, no singular, como conceito, princípio de Humanismo mas sinónimo de garantias, direitos e deveres individuais, se considerada no plural.
O leitor absorve então um aroma floral na dita primeira parte, aroma de cravos, símbolo primeiro e definitivo da Liberdade e das liberdades, desde a revolução de 25 de Abril de 1974. O número de cravos em poema é de sete –número dos mistérios, perfeito, sagrado, mágico, no sentido em que a combinação de três com quatro representa o Espírito encarnado, a Santa Trindade sustentada pela Matéria – terra, ar, fogo, água.
O número sete é preferencialmente transversal a toda a filosofia e literatura, sobretudo à literatura sagrada, desde os tempos imemoriais até à actualidade, pela sua forte simbologia mística, de passagem do conhecido para o desconhecido, associado à sorte ou ao azar, como se contivesse em si a junção do bem e do mal… Mas é também símbolo da transformação, da procura do indivíduo para conhecer o infinito, as coisas espirituais…
Sete são os dias da semana e foram os dias da criação do mundo, seis mais um (simbolizado pelo candelabro de sete braços – menorá – no judaísmo).
Neste caso, o poeta António Bondoso retoma os sete dias da criação bíblica e recria, do cravo primeiro ao cravo sétimo, seu mundo poético e vital, plantando sete cravos contra o esquecimento.

Do primeiro ao sexto cravo, através da rememoração do poeta, assiste-
-se ao desfile dos acontecimentos e das decisões fulcrais que foram moldando o tecido político, social e cultural do país nestes quarenta e um anos, a partir do dia 25 de Abril de 1974, e no cravo sétimo, “abençoado”, citando o poeta, “não podemos descansar, a fim de assumir um lugar na História”.
O coração do leitor acompanha o encantamento do sujeito poético perante o alvorecer puro e tão esperado daquele dia 25, antecâmara de um mundo maravilhoso sem mais grades, sem guerra, sem miséria, escancarando as portas à construção do Homem Novo em Portugal e aos outros povos por nós colonizados.

Madrugada
Pura
Em noite desenhada
Alegria em Abril
Renascida
E p’lo Povo partilhada!
Também…
Por outros povos desejada.

(“Primeiro Cravo”, p.11)

O país acordava embalado pela esperança de um tempo renovado, em humores de Primavera com promessa de transformação, em que a vida se anuncia florida, livre, iluminada, após 48 anos de treva profunda. Logo surgem as primeiras dores na nova realidade provocadas por intentonas várias, pela chegada de milhares de portugueses sobretudo de África. As estações do ano sucedem-se, a ilusão permanece no povo anestesiado pela ânsia de liberdade e é assim que entra no mundo da família europeia, cuidando que se sentaria à mesa dos poderosos, mimado com o desvelo… de irmão… mas não será bem assim e começará a sentir a mesma inquietação, a mesma agonia do poeta ao escrever no Cravo Quinto (p.15), que se fez do país:

[…]
Um deserto em morte lenta
Sem cravos, sem Abril
Sem gente sequer cá dentro!

No texto explicativo inicial, o autor refere-se à importância das viagens e dos sentidos na apreensão do mundo que diferentemente e de forma sempre enriquecedora da identidade viu, ouviu, saboreou, cheirou, tacteou ao longo da sua vida, especialmente ao correr dos últimos quarenta e um anos. De Moimenta da Beira a S. Tomé e Príncipe, passando por Angola, Macau, por tantas outras paragens do nosso vasto planeta e naturalmente por esta sua tão amada cidade do Porto, amor aliás eternizado na palavra poética que inspira e em fotos expressivas que regularmente publica nas redes sociais, p. ex. (p.9). No referido texto inicial dois vocábulos ressaltam como tradutores dos sentimentos do poeta durante seu périplo existencial – “felicidade” e “liberdade”, esta pedra de toque daquela, ainda que os sobressaltos de percurso pudessem ter ferido o sonho primordial, quanta vez!

Citando Ricardo Reis (heterónimo de Fernando Pessoa, em "Odes"):

  […]
Em tudo quanto olhei fiquei em parte.
Com tudo quanto vi, se passa, passo,
Nem distingue a memória
Do que vi do que fui.

“Aromas de Liberdade(s)” é, pois, um acto poético de registo da memória do que se sonhou, se viveu, do que se viu e do que espicaça o espírito de cada cidadão que, como o poeta, acorda diariamente perturbado com aquilo que vê e ouve à sua volta, com aquilo que é e com aquilo que pensa e sente que poderia e deveria ter sido Portugal, a seguir ao Dia da Liberdade.

O país é a primeira grande preocupação do poeta (ver capa!).
A capa sugere uma janela em forma de território continental português recortada sobre uma nesga “rural” desse território, que poderá apontar para significação ambígua – uma casa no campo, rodeada de verde e de céu azul, sinónimo de evasão do bulício estéril das cidades poluídas pelo desconcerto dos valores de uma humanidade sã – por onde se esgueiram a solidariedade, a saúde, a educação e a cultura, a liberdade, a verdade? Enfim, talvez represente aquele abrigo onde o guerreiro encontra algum sentido para a vida na comunhão com a natureza serena, quase intocada.
Mas, por outro lado, poderá esta “janela” fazer-nos reflectir sobre a deserção das regiões campestres, o abandono a que a agricultura tem sido votada pelo poder político, sobre o “Portugal dos pequeninos-armados-em-grandes” que vão sufocando o sonho inicial, sobre um povo “que deu mundos ao mundo”, que verteu seu sangue por uma pátria agora divorciada da realidade, injusta e cruel…

Neste livro pulsa a intranquilidade dos sentidos, o cruzamento de cheiros em português na lembrança de quem pugna pela liberdade num tempo de desnorte e de amarras engravatadas… um passado recente de desenganos… (Lê-se na p.41):

“Em catorze além dois mil…
Tudo se foi e restou nada.
Como se fora colorida a ilusão
Ou pura hipótese
De uma dose de vazio abandonada.”

“Aromas de Liberdade(s)” alerta-nos para a necessidade de manter os sentidos despertos num tempo sem palavra, num tempo de traição aos valores do humanismo, aos ideais de Abril, num tempo de traição à vida, de “serpentes espreitando os incautos”… É um grito contra o esquecimento, contra os silêncios ruidosos e insuportáveis, contra os atropelos à liberdade. Mas um alerta comprometido, que não se põe de fora, com sentido elevado e sério de autocrítica, quando aponta o dedo aos erros alheios… “Todos fomos culpados. Não se condenem os cravos” (p.16 – Sexto Cravo). Trata-se aqui de um alerta para a injustiça, para a vilania, para “tanta ignorância//de todas as desgraças mãe” (p.33). De um condoimento pelo estado deplorável, infra-humano, a que a vida da maioria dos portugueses chegou… Uma nota de revolta contra e de acusação aos poderes instituídos… à ganância, à corrupção, à incompetência… Tal comprometimento conduz a um apelo a que a poesia sai à rua, a que o país se “faça de novo ao mar” em metáfora de renascimento, de descoberta de novos rumos dentro de si mesmo e no mundo, em prol do futuro, das novas gerações…
E apesar de sonhos tragicamente esfumados, o sujeito poético segue, determinado, resistente, com os olhos do coração, a linha quebradiça da utopia naquela nuvem branca montada por um cavalo voando veloz na dianteira do vento (p.37), qual D. Sebastião da nossa eterna e eleita espera…
Mas só cooperando verdadeiramente na diferença, na partilha, como o cavalo e a nuvem, se poderá atravessar tempestades…como nos jogos de poder comparados a um jogo de xadrez em tabuleiro viciado…
(Lê-se na p.43):
[…]
“O meu sonho vai nu
Sem véu e sem manto
Mas talvez possa ainda
Salvá-lo do pranto.”

Nestes sessenta e cinco poemas acompanhamos a vida como uma viagem de sentidos na ilusão de que a paisagem se move, sendo nós próprios a atravessar o “tempo e o modo”, tudo o que é efémero e, que por nossa voz, por nossas mãos, despirá a máscara e olhará de frente seu rosto no espelho dos dias (Lê-se na p.35):

[…]
“Cerrando as pálpebras
Deixamos que o cavalo de ferro
Nos conduza
Levando de nós mil sentidos
A cavalgar o desejo imensurável
De um destino
Por natureza imponderável.”
[…]

Mas são-nos também oferecidos aromas de lirismo em que o sujeito poético se derrama, como se descansasse da luta permanente com sua culpa, com seu remorso, da reflexão angustiada sobre os males do mundo e, entregando-se aos devaneios do coração que conserva a pureza, a ingenuidade cristalina da infância não corrompida pelo desencanto, pelas armadilhas venenosas a cada esquina do caminho percorrido, descobre tempo para o “tempo de encantamento”.
(Lê-se na p.54):

“E assim...
Bem defronte dos teus olhos
Poderás ler nos meus lábios
Que a vida tem sempre um tempo
Precioso e de mistério.

Um tempo de encantamento
Que alimenta e ressuscita
A alma junto do corpo”
[…]

Depois do perfume dos sete cravos da primeira parte, o leitor encontra na segunda parte do livro “outros aromas das palavras” em homenagem à mulher, à família, ao amor, aos amigos, às terras onde se fala português e às suas gentes, à cidade do Porto, ao seu rio.

(Da p.45 à p.52) deliciam-nos poemas dedicados à mulher que o poeta elege como ser de eleição, citando-o – “lutadora, amante, mãe, dócil, corajosa, sofrida, exemplar”. Lê-se na p.47):

“Ela passa e aparece
Como quem sempre merece
Atenção e projeção.
É filha de um Deus Maior
E sabe até guardar segredo
Que retalhe o coração.” (p.47)

Também poemas dedicados ao amor (da p.53 à p.56) sentimento que em si encerra doçura, encantamento, mistério, sensualidade, casamento entre corpo e alma, luz, entrega, partilha, eternidade… um amor que faz transbordar as margens do humano e constrói pontes de entendimento, de identidade na diferença, quando da mistura dos sabores distintos (da canela, do chocolate, da framboesa, da pitanga, da baunilha) resulta uma só cor, um só sabor, uma textura homogénea e reconhecida, íntima. (p.57) de paladares, de cheiros, de toques (sentidos)…

Ou poemas de homenagem a quem ficou gravado para sempre na memória dos afectos (p.58) – professora de matemática, o amor-perfeito dos alunos…

Poemas ao pai (p.60)… aos filhos e netos (p.61) até p.63….

Em Bondoso sempre poemas de homenagem à cidade do Porto – p.64 à p.74 a paisagem envolvente, o rio sempre presente como se do mar se tratasse/boca de mar aberta para o mundo em movimento de sonho, de reflexão, de acção, de mudança, a arquitetura, a geografia humana, o tempo psicológico e o tempo atmosférico, a chuva, o sol, a lua, o nevoeiro/cinzento, a ambiência dos afectos, a música no ar, no olhar, a religiosidade, a arte sacra/os monumentos do espírito, os santos (S. João), os santos populares, as festividades… a poesia das ruas/o coração latejante das ruas – “A Viela do Anjo” – LER (p.67) e “A cidade e o sol” (p.68), também a paisagem do Douro (socalcos), o comboio sempre nomeado…
E do rio ao mar, às viagens, às navegações que formaram a identidade e a saudade, as memórias, e a S. Tomé – foto p. 75…

Viajamos nos poemas dedicados às “terras achadas e/ou descobertas” – da p.76 à p.85:
P. 76 – Açores, P.77 – Madeira e Porto Santo, P.78 - Cabo Verde, P.79 Guiné, P.81 – S. Tomé, LER (P.83) – Angola, P.85 – Brasil

“Aromas de Liberdade” é um conjunto de poemas na sua maioria curtos que se intercalam com outros mais longos onde a palavra corre em suas próprias veias de emoções e anseios…num estilo informal, desobediente a métricas e a rimas… transmitindo ao leitor cor, ritmo sonoridades, musicalidade, enfim energia criativa poética. O poeta António Bondoso oferece-nos um hino, um cântico à saudade, ao amor, à mulher, à sensualidade, à família, à amizade, à interculturalidade, à pátria livre desenhada a ouro na Língua, nas sílabas com perfume de vida rememorada nos tantos caminhos em que se aninha e enraíza…

“A minha vida é o mar o Abril a rua
O meu interior é uma atenção voltada para fora
O meu viver escuta
A frase que de coisa em coisa silabada
Grava no espaço e no tempo a sua escrita”
[…]
Poema”, Sophia de Mello Breyner

António Bondoso é um homem de corpo inteiro. É poeta com coração de menino, que se comove com as “agruras” do mundo mas também com as pequenas grandes chispas de ventura. É cidadão atento, por isso tão preocupado com a política, com os problemas sociais, com a cultura deste seu país, homem-poeta inspirado e inspirador, sempre desperto para a realidade circundante, que se inquieta com os desvios ao caminho do futuro…, é leal às promessas que a amizade exige, ao percurso de mão dada com os afectos… António Bondoso é espírito aberto ao cruzamento de todas as culturas, especialmente as que habitam o universo de Língua Portuguesa. É um ser bem formado, inteligente, sensível, culto, com quem se aprende e se enriquece na partilha das coisas do pensamento… António Bondoso é um homem de família, porque não há árvore que se torne frondosa, sem que suas raízes sejam saudáveis e bem “presas” ao chão que as alimenta. António entrou de mansinho há sete meses, quem diria! Será coincidência o número sete? Entrou de mansinho e ficou morando para sempre em meu coração…  

Parabéns, António Bondoso, meu amigo, meu irmão poeta! Que estes teus “Aromas de Liberdade” se multipliquem e perfumem abundantemente a atmosfera onde a palavra poética é já grito e flor numa Primavera prenhe de angústia mas também de esperança renovada.

Regina Correia


Fotos de Miguel Bondoso


António Bondoso
JORNALISTA

2015-04-22


A PROPÓSITO DO DIA DA TERRA...

Recordo uma breve reflexão, já com uns anos - embora poucos - 


DIA DA TERRA:
UM FUTURO CONFIÁVEL?
“A capacidade de projectar o futuro será cada vez mais importante para gerir, controlar e procurar minimizar os riscos sociais, tecnológicos e ambientais que se irão avolumar ao longo do século XXI (...). Finalmente é também necessário aceitar a inevitável incerteza inerente às tentativas de projectar o futuro”.
                                                                                                                             Filipe Duarte Santos (2007)
            Do “não sei” de Vitorino Magalhães Godinho à “inevitável incerteza” de Filipe Duarte Santos – quanto ao amanhã – não existe qualquer passo desencontrado. Talvez apenas a diferença nos discursos de um Historiador e de um catedrático de Física – acentuada eventualmente pelo lapso temporal na publicação das obras, 2010/2007. A primeira tem presente a atual crise, concluindo Vitorino Magalhães Godinho que “É possível que, baixada a febre mas não debelado o mal, voltemos aos carris do mundo de finais do século XX e início do XXI. A crise de excecional gravidade que atravessamos poderá não passar de uma oportunidade perdida, poderia ser uma oportunidade para mudar de rumo. Mas seria necessária coragem e lucidez – que não se encontram à venda nos supermercados, essas catedrais dos novos tempos”.
            Quase premonitória esta visão de Magalhães Godinho. Baixou a febre mas o mal parece não estar ainda debelado. Pode recordar-se, a propósito, um dos remédios recomendados pelo Professor: libertar a economia das garras da especulação financeira.
            Relativamente à segunda obra – de Filipe Duarte Santos – a visão pessimista abrange um horizonte temporal muito mais vasto: “A coexistência de valores contraditórios associados ao atual modelo dominante de desenvolvimento tende a gerar incerteza e alguma ansiedade. O futuro foi e será sempre incerto mas, hoje em dia, a incerteza envolve os riscos altamente complexos que resultam de desigualdades de desenvolvimento entre países, da insegurança e conflitualidade sob formas cada vez mais diversas e perigosas, e ainda de vários problemas ambientais graves”. Por isso, acrescenta, “são cada vez mais os que procuram encontrar novas éticas ambientais e novos paradigmas de governação capazes de nos conduzir à sustentabilidade do desenvolvimento”.
            Como refere Neto da Silva (2007) – “Estamos, pela primeira vez na História da Humanidade, numa encruzilhada. De facto, se continuarmos com o crescimento que conhecemos nos últimos séculos, o Planeta deixará de ter condições para que o Homem nele viva”.
            É o crescimento de que nos fala ainda Vitorino Magalhães Godinho ao salientar a nova (velha?) ideologia, da qual se deve distinguir o conceito de desenvolvimento: “As nações avançam em pelotão, as de trás procuram recuperar o atraso (de novo recuperar o atraso). A curva do sempre sacrossanto PIB revelaria a recuperação conseguida e o prosseguir da maratona por todos. Confiança imerecida nesse indicador – o Nobel economista Joseph Stiglitz dirige estudos para forjar indicadores mais fiáveis”. Tudo isto à margem, ou mesmo à custa, do direito fundamental que é a inviolável dignidade da pessoa humana? “Seria mais pertinente ter em conta o salário mínimo como indicador, e melhor ainda uma bateria de indicadores (fundação e extinção de empresas, evolução das bolsas, curvas de preços e salários, etc.)”.
            Mas os estudos podem, ainda e de novo, não ser fiáveis ou adaptáveis. E há que ter em conta uma decisiva questão: o planeta é finito.
            Por isso é que Neto da Silva acrescenta que “Eficiência e Competitividade cegas destruirão as hipóteses de vida sobre a Terra. Por isso, a ideologia da globalização competitiva, para ter sucesso, como é desejável, tem que se basear em eficiência e competitividade compatíveis com um desenvolvimento que satisfaça as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades. Uma tal visão do progresso liga, de forma interdependente, desenvolvimento económico, proteção do ambiente e justiça social”.
            Sinónimo de Desenvolvimento Sustentável?


Foto de António Bondoso

ANTÓNIO BONDOSO
JORNALISTA



2015-04-14



A PROPÓSITO DO DIA MUNDIAL DO CAFÉ...

(Excerto do livro SEIOS ILHÉUS. 2010. Edição de Autor e Euedito)


"Felizmente também renasço – e muito – quando sonhos delicados me trazem os aromas do mar, do sol, do cacau, das palmeiras, das bananeiras, da fruta-pão assada, sobretudo do esquecido mas afamado café de que fui inveterado consumidor aos vinte anos.
         Por um feliz acaso e amizade de Fernando Silva – interessado observador e coleccionador de coisas raras espalhadas por este país e sabedor das minhas “ligações” a S.Tomé e Príncipe – chegaram-me às mãos uma pequena mas curiosa e pouco conhecida colecção de postais antigos e um não menos raro exemplar de um livro sobre a cultura do café naquelas ilhas. Seu autor – o engº agrónomo Helder Lains e Silva – que, em 1956, efectuou para a Junta de Exportação do Café um inédito estudo sobre a aptidão das várias zonas do arquipélago para a cultura do cafeeiro. À semelhança do que já havia feito para Moçambique e Timor. O livro – impresso na Tipografia  Minerva, Famalicão – foi  publicado em 1958, pela então Junta de Investigação do Ultramar, contendo importantes dados sobre geologia, climatologia, economia, ecologia agrícola e tecnologia, para além de esboços sobre as Cartas das Isoietas, dos Climas, dos Solos, da Vegetação e de Aptidão Cafeícola.
         Recorda-se que o “ciclo do café” se iniciou em 1800, com o Governador João Baptista e Silva, mas só na segunda metade do século se introduziram os grandes cafézais:- Francisco Assis Belard, em Monte Macaco, Santa Margarida e Mainço;         o Barão de Água Izé, na roça com o seu nome;  Manuel da Costa Pedreira, em Monte Café (onde se registou o maior impulso); e José Maria de Freitas, em Bela Vista, Santarém e Ilhéu das Rolas.
         Contudo, refere Helder Lains e Silva, “o cultivo era deficiente, o preparo era mau e nem havia grandes esperanças de progresso”. Como causas, cita Vicente Pinheiro Lobo Machado de Melo e Almada         [1] - para quem a cafeicultura estava entregue a uma população indolente e desmoralizada pelos largos vícios duma vida secular de comércio de negros, de dissipações de toda a ordem, e de vergonhosas lutas intestinas entre as autoridades europeias e indígenas, entre estas e o povo, entre senhores e escravos.
         Fundamentalmente, a incapacidade e as omissões da governação portuguesa – até ali quase exclusivamente virada para o Brasil.
         Em meados do séc.XX, contudo – já em pleno ciclo do cacau – o café das ilhas era excelente, com destaque naturalmente para o Arábica, exportado a preços elevados para a “metrópole” e outros países europeus, nomeadamente Alemanha, Holanda, França e Itália. Mas o Robusta e o Libérica (apesar da má reputação internacional desta espécie) mereciam também algum valor na produção local. Lains e Silva compara os preços praticados em 1956, precisando que a Noruega pagava o Libérica de São Tomé a 530$00 a arroba, enquanto o Robusta de Angola atingia o máximo de 321$56 a arroba na Bolsa de Nova Iorque.
         E depois, chama a atenção para o facto de         a apreciação do café, como bebida, ser algo subjectiva : - Por isso há apreciadores do conhecido café Rio, com o seu característico cheiro e sabor a iodofórmio que causa náuseas, como houve técnico brasileiro responsável que disse ser o Robusta de Angola bebida de sabor infame. É claro que o bebedor de café Arábica, apreciador dos cafés finos de que entre nós são protótipos os Arábicas de Timor, São Tomé e Cabo Verde, considerará como sucedâneo qualquer café de outra origem botânica. Mas o consumidor vulgar, que busca no café, além de estimulante, algo que encubra o gosto do leite com que geralmente o mistura, se se satisfaz com Robusta, pode muito bem contentar-se com o Libérica do tipo do de São Tomé e Príncipe, caracterizado por grãos volumosos de cor amarelo-palha e por licor espesso que dá boa mistura com leite.        
         Hoje, infelizmente, só raras vezes tenho o prazer de sentir o “aroma”. Mas vou imaginando !





[1] - Em As Ilhas de São Tomé e Príncipe, Lisboa, 1884.


António Bondoso
Jornalista

2015-04-10

OS CRIADORES NÃO TÊM IDADE… 

Foto de António Bondoso

OS CRIADORES NÃO TÊM IDADE…
…Nem tempo, nem lugar, pois o seu mundo é um sonho permanente. E acontece muitas vezes deixarem um espaço vazio antes do tempo sonhado.
         Antónia Xavier, natural de Morais – Macedo de Cavaleiros, diplomou-se em pintura em 1977 na Escola Superior de Belas Artes do Porto. Tinha então 27 anos de idade e viria a trabalhar apenas 18, deixando de criar com a tenra idade de 45 anos. 


Foto de António Bondoso

Partiu portanto jovem, passaram há dias vinte anos, interrompendo uma veia de criatividade que a manteve no sonho em cada ano de atividade, apresentando-se na Amadora, em Bragança, Chaves, Coimbra, Estoril, Gondomar, Porto, Vila Nova de Famalicão e V.N. de Gaia, fazendo parte de várias coleções particulares em Portugal e no estrangeiro.
         Diz quem partilhou a sua vida – o Manuel Xavier – que a Antónia sentia prazer em viver, possuía uma simpatia contagiante, sorriso fácil, bondosa, solidária, boa conversadora. Nela, tudo era belo e fascinante, bebendo encanto em tudo o que a rodeava. Gostava de animais, de pássaros, de flores, de crianças e de velhos. 

Foto de António Bondoso
            E nada era a preto e branco. Tudo via com muita cor. Exatamente o que eu observei agora, na Exposição individual IN MEMORIAM, patente na Capela de S. Tiago do Convento Corpus Christi, em Vila Nova de Gaia e que encerra hoje ao público.
         Foi uma forma carinhosa de assinalar a efeméride, partindo do Manuel Xavier e recolhendo o apoio da Câmara, dos familiares e amigos. O testemunho artístico de Antónia Xavier permanece colorido.
António Bondoso
Jornalista 

2015-04-02

NESTE TEMPO DE PÁSCOA...

Foto de Ant. Bondoso


Alguns passos da minha “Paixão”...

Um a um, cadenciados pelo cansaço das marionetas que me assombram, os meus passos tentam seguir a Via Sacra deste país, hoje, sem perder a Fé mas com a Esperança retalhada. Em cada passo me revejo na desilusão dos jovens que não podem viver a alegria dos seus sonhos; na angústia dos desempregados impedidos de ser úteis ao país onde nasceram; na depressão sobrevivente ao desespero de cada um; na raiva e na impotência dos casais desempregados que já não conseguem alimentar-se para dar alento e vida digna aos seus filhos; na tristeza e na revolta que invade os reformados e pensionistas que – tendo depositado no seu Estado a confiança e boa fé de uma vida de dedicação esforçada – se confrontam agora com responsabilidades alheias, as quais cerceiam igualmente os sonhos de um final de passagem terrena com a dignidade merecida.
São assim estes passos que, apesar de tudo e por tudo isto, me convocam ainda para um último esforço de permanência ativa num país e num mundo em decomposição acelerada, física mas sobretudo na alma e no espírito dos valores humanos, do pensamento, dos ideais e das ideias. O caráter é já cadáver, assassinado pela ganância, pela inveja, pela maldade, pela mentira, pela sede de Poder.
Ao contrário de outros - senhores de quase todas as certezas - eu continuo a ter “Dúvidas de Vida”: - pensando, sobretudo, em como seria maravilhoso trocar as "amêndoas" de alguns [minhas também, claro!] pela saúde e ausência de fome das crianças que sofrem.


António Bondoso
Jornalista