2018-05-25


E EM ÁFRICA…O QUE HÁ DE NOVO?
A esta questão mera e simbolicamente retórica, poderíamos responder com aquela ideia de Mia Couto – “Em África tudo é outra coisa. Em África tudo é sempre outra coisa”. 


Ou, revisitando o otimismo do historiador e sociólogo de origem congolesa ELIKIA M’BOKOLO, poderíamos afirmar que, apesar das trágicas imagens que nos chegam diariamente (fome, Hiv, Ébola, paludismo, golpes militares, corrupção, conflitos étnicos, refugiados) imagens contraditórias vistas do exterior - «não temos razão para desesperar de África. As análises devem ser feitas com tempo e através dos tempos». Em São Tomé e Príncipe, onde hoje se vive uma complexa situação política e jurídico-constitucional, dir-se-ia molimoli, leveleve
Ou ainda, sabendo embora que as Áfricas são muitas, aos olhos dos brancos [sobretudo eurocêntricos] – como diz Leonel Cosme quando escreve sobre Agostinho Neto e o seu tempo - «sempre a África Negra teve as imagens que dela fizeram os colonizadores».
         Mas a “leitura” de e sobre África que nos é apresentada a cada instante pela «caixinha manipuladora» não pode nem deve ser uma fatalidade. No fundo, todo o mundo é composto de mudança e os avatares complexos exigem uma rigorosa e ponderada análise. A paixão, ou as paixões, não podem normalizar e banalizar o pensamento, mesmo tendo em conta aquela ideia de que «África é mais do que um lugar, é um sentimento que apenas tocou alguns de nós». 



Voltando a Leonel Cosme – meu camarada de rádio durante alguns anos e que viveu três décadas em Angola, embora em duas etapas – quero deixar a ideia de um Agostinho Neto que ele foi acompanhando e depois estudou em profundidade. Por exemplo, a atitude pedagógica do Presidente-poeta numa Angola recém-independente, cuja história de cinco séculos de presença portuguesa muitos desejavam rasurar ou repaginar, como se a História angolana tivesse começado em Novembro de 1975. A esses, disse Agostinho Neto: «De certo modo nós somos europeus, de certo modo os europeus são africanos. Não podemos esquecer os latino-americanos, que de certo modo são africanos e nós também somos de certo modo latino-americanos. (…) Nós somos uma encruzilhada de civilizações, ambientes culturais, e não podemos fugir a isso de maneira nenhuma, mas da mesma maneira que nós pretendemos manter a nossa personalidade política, também é preciso que nós mantenhamos a nossa personalidade cultural (…)».

Leonel Cosme


         É exatamente esta personalidade, rica e diversa, que os nossos olhos europeus devem tentar perceber e reter. Não pretendendo alongar-me demasiado, vou com Agostinho Neto “Para Além da Poesia”, a sua poesia africana, sobretudo quando ele diz porque sabe:
(…)
Na estrada
A fila de carregadores bailundos
gemendo sob o peso da crueira
No quarto
a mulatinha de olhos meigos
retocando o rosto com rouge e pó-de-arroz
A mulher debaixo dos panos fartos remexe as ancas
Na cama o homem insone pensando
em comprar garfos e facas para comer à mesa  (…)
Hoje é o Dia de África. E de lá…não nos chegam apenas refugiados. É bom lembrar! Ou não esquecer! Tenhamos sempre presentes figuras como Santo Agostinho, Senghor, Wangari Maathai, Lumumba, Nyerere, Eduardo Mondlane, Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Aristides Vieira, Kaunda, Kenyatta, Selassiè, Samora Machel, Desmond Tutu, Nelson Mandela…
De outro modo, não deixemos de lembrar – pelos piores motivos – nomes como Bokassa, Francisco Macias Nguema, Idi Amin Dada,   Habib Bourguiba, Sékou Touré, Mobutu, Robert Mugabe…
Fundamental é que – sabendo que esquecer não significa o mesmo que varrer para debaixo do tapete – ainda assim é bom esquecer a África da Conferência de Berlim, em 1884/1885 – na qual 14 países redesenharam o Continente onde tudo terá começado, sem ter em consideração as fronteiras linguísticas e culturais estabelecidas.
Bom dia África. Saudações a quem vive…e a quem viveu!
Um abraço do
António Bondoso
Jornalista.
Maio de 2018. 






2018-05-18

JOSÉ MARIA PEDROTO
O futebol era um vício…mas o Homem tinha vida para além da Paixão!


JOSÉ MARIA PEDROTO
O futebol era um vício…mas o Homem tinha vida para além da Paixão!
E quando se diz que Pedroto, treinador, era um homem à frente do seu tempo…tudo se estendia para lá da metodologia do treino, da visão do fenómeno e da leitura do jogo no “banco”. O “Zé” era um homem preocupado com os seus jogadores enquanto pessoas comuns. E tinha um forte espírito de solidariedade, não só no âmbito da “família portista” (Miguel Arcanjo chamava-lhe o Divino Mestre), mas até com ex-jogadores de outros clubes a quem ajudava não só financeiramente. 


José Carlos Silva

José Maria Pedroto foi mais uma vez homenageado, agora pela «Tertúlia do Dragão”, cujo espaço passou a contar com uma sala VIP que leva o seu nome. A mulher, Cecília, e os filhos Isabel e Rui acompanharam o Prof. José Neto e o Presidente do FCP Pinto da Costa, numa sessão para lembrar o homem e o treinador de eleição. José Neto ilustrou a importância de Pedroto na sua passagem pelo clube e na sua formação como homem do futebol – não apenas no pormenor das estatísticas; Isabel e Rui acentuaram a faceta do pai, embora com uma natural rigidez, preocupado com o saudável crescimento dos filhos à luz do tempo que foi – uma ideia igualmente partilhada por Pinto da Costa, que destacou o facto de ele lhe manifestar a sua preocupação, não com o futuro financeiro dos filhos, antes com a importância de lhes proporcionar ferramentas para melhor enfrentar eventuais dificuldades da vida; e Cecília Pedroto preferiu salientar que o marido, embora respirando e transpirando futebol, sempre procurou nunca misturar a família e a profissão. Visivelmente emocionada, revelou que o marido nem sabia que ela ia ver os jogos ao estádio das Antas no seu lugar cativo. E feliz pela continuidade de Sérgio Conceição como técnico do clube, Cecília Pedroto – embora recusando comparações com outros grandes treinadores portugueses, antigos e actuais, e não esquecendo a enorme evolução do futebol – sempre foi dizendo com orgulho que nenhum o igualou no que respeita a capacidades técnicas. Jorge Nuno Pinto da Costa lembrou com naturalidade a sua relação de amizade com Pedroto não só no F.C. do Porto. E foi em sua casa, com amigos comuns, que partilhou responsabilidades com a ida do técnico, quer para Setúbal, quer para o Boavista. A doença que viria a minar a vida de Pedroto, demasiado cedo, foi igualmente objecto da memória do presidente do clube azul e branco. 


Foi pena, embora se perceba a exígua disponibilidade de tempo, que a «tertúlia» não tivesse sido estendida à numerosa assistência. Pedroto era um homem de tertúlias, lembrou o filho Rui. E eu, que tive a felicidade de poder acompanhar pelo menos duas na Petúlia, madrugada dentro, graças sobretudo à camaradagem de Nuno Brás, Sérgio Teixeira e de Manuel Fernandes, da RDP, não esqueço a simplicidade com que o «Mestre» explicava como os defesas laterais deviam evitar os cruzamentos dos extremos adversários. Ou de como, ainda não havia marcas no relvado como hoje, e já ele colocava um jogador à frente do adversário na marcação dos cantos e um outro junto ao poste da baliza – quantas vezes até nos dois! Questionado um dia por um jornalista, depois de uma série de 5 empates do FCP, no tempo em que as vitórias ainda valiam 2 pontos…Pedroto disse: meu rapaz…vale mais 5 empates do que 3 derrotas! Há muitas outras situações conhecidas, como aquela do penálti que o Oliveira falhou contra o Sporting, nas Antas (a perder por 1-0) e que, por indicação de Pedroto, Romeu acabou por ter êxito na recarga, empatando o jogo…ou uma outra passada com Jairo – um brasileiro que chegou ao clube em finais dos anos 70 do séc. XX: num dos treinos, o avançado insistia em cruzar muito antes da linha de fundo para a área, o que retirava eficácia ao ataque. Então Pedroto mostrava-lhe aquele espaço mais próximo do ângulo entre as linhas lateral e de fundo, imaginando um “quarto de círculo” em grande plano. Estás a ver? É mais ou menos por aqui que deves cruzar. Mas Jairo insistia no “erro”. Até que, num desses cruzamentos, o ataque lá acabou por marcar um golo. Então Pedroto terá desabafado: pronto, também serve! 


         Era assim José Maria Pedroto – um homem à frente do seu tempo e que o tempo levou muito antes do tempo merecido! De Lamego ao Porto, da Invicta ao Mundo…a doença fatal viria a impedir-me de apresentar a história do «Mestre», ou parte dela, na primeira pessoa, mas ficaram testemunhos vários de diferentes quadrantes clubísticos, salientando as capacidades como homem e como treinador. Transmitido ainda antes do seu passamento…talvez ainda esteja em “arquivo” na RDP-Antena1. 



António Bondoso
Jornalista
18 de Maio de 2018. 


2018-05-01

"Sem trabalho, o homem nega-se e compromete-se seriamente a sociedade. Então, que neste dia comece uma vida nova para Portugal”!
D. Manuel Martins - 1 de Maio de 2013 - Ainda não tinha deixado o mundo dos vivos e era Bispo Emérito de Setúbal. Na apresentação, em Lavra, do meu livro O PODER E O POEMA:



«D.Manuel Martins frisou que “O homem é trabalho. Não pode viver sem ele (Deus é trabalho)”. E aparece assim na nossa vida como “dever natural” e, por isso, como “direito natural (Constitucional)”. Por ambição dos homens – disse o Bispo Emérito de Setúbal – “em Portugal ronda o milhão os cidadãos sem trabalho. Já imaginamos o que é isto? Já experimentamos o que é isso? Malditas políticas que se constroem sem este alicerce social que garante o pão na mesa e o progresso de um povo. O trabalho é realização pessoal; é colaboração com o Criador, é gesto, é caminho de solidariedade familiar e social. Sem trabalho, o homem nega-se e compromete-se seriamente a sociedade. Então, que neste dia comece uma vida nova para Portugal”!
A beleza da Primavera foi o passo seguinte: “Na Primavera tudo começa de novo. É o tempo que apela à esperança. É um Sacramento: manifesta – é sinal de – vida nova e faz apelo a vida nova”. Por isso, D.Manuel considera que, apesar do Acordo Ortográfico, Primavera merece ser escrita com letra maiúscula.
Lembrou depois que “Maio é o mês de Maria, mês da Mãe, Mãe que é carinho, respeito, preocupação, presença, sorriso...Mãe que é vida permanente e rica junto de nós, Mãe que nos quer felizes a todos”.




25 DE ABRIL 2018. CRONOLOGIA
De um país clandestino…a outro inconstitucional!


Ao rever há pouco o filme «O Tarzan do 5º Esquerdo», de 1958, com argumento de Costa Ferreira e realização de Augusto Fraga, e interpretado por Raul Solnado, Artur Agostinho e Carmen Mendes, uma das últimas “mensagens” do guião conduziram-me à mentira que foi em tempos este país quase clandestino. As conversas eram clandestinas, os isqueiros sem licença eram clandestinos, os rádios sem licença eram clandestinos e a emigração para o estrangeiro era clandestina. Só essa…pois cá dentro chamavam-se as pessoas para as grandes cidades – sobretudo para a capital – deixando o resto do país ao abandono. Tal como hoje, infelizmente, mudando apenas a semântica: de um país interior e já de si periférico, passou-se ao discurso dos territórios de baixa densidade. Mas a emigração permanece, embora de contornos diferentes. E o país, de clandestino…passou a «inconstitucional» pois ainda não se cumpriu a regionalização. E não adianta tapar o sol com a peneira de uma arrevesada desconcentração ou descentralização. A regionalização foi consagrada na lei fundamental…falta cumprir-se Portugal! O espírito de Abril merece esse passo, pois Abril será sempre e Maio logo a seguir:
ABRIL SERÁ SEMPRE!

Abril prolonga-se em Maio
Em tempo justo de luta.
Estende-se por todo o Verão
E chega lesto ao Outono
Antes do gelo de Inverno
Atrasar a Primavera
Pela qual tanto se espera.

É Abril a viajar numa conduta
De esperança feliz em liberdade
É um tempo que queremos de verdade
Na amizade que do nada se constrói.
Solidária, forte, justa e com sentido
Só nela se pode confiar
Pois Abril será sempre.

Sempre que os homens quiserem
Sempre que a alma puder
Sempre que o coração mandar
Que haja justiça sempre:
Em Maio, Junho ou Setembro
Em Março, Agosto ou Dezembro.
Em Abril…será sempre!



António Bondoso
Jornalista
30 de Abril de 2018.