2022-09-24


LETRAS E PALAVRAS EM TEMPO DE MAÇÃ…ou de como perceber que é preciso dar corpo à expressão «música para os meus ouvidos».

Letras, letras, letras e palavra e palavras, e vozes, algumas vozes a dar corpo a uma ideia de ouvir e de escutar outras ideias, mesmo que haja poucos interessados em participar. 


         Dizem que as palavras são como as cerejas. E são. Mas este ano foi um tempo difícil para a cereja – como para quase toda a fruta, aliás. Não fiquemos espantados, pois, em saber que algumas, palavras claro, terão certamente caído em «saco roto».

         Apesar de tudo, dos desencontros de horários, de uma promoção pouco eficaz – defeito que eu assumo cota-parte, ou quota-parte, talvez mais eloquente – o designado “Pavilhão das Letras”, em segunda edição, lá foi cumprindo a sua função de «dar a conhecer» qualidade e diversidade na literatura carregada de pensamento e de mensagem. Sempre na grata presença dos vereadores Mónica Gertrudes e Hugo Bondoso, procurou-se honrar os pergaminhos de um evento [EXPODEMO] que já assinalou 10 anos e 9 edições, desde 2012, em Moimenta da Beira. A «pandemia» impediu duas. 


         E quem lá esteve, no Pavilhão das Letras – desta vez no belíssimo Auditório do Pe. Bento da Guia – teve, assim, a possibilidade de ficar a conhecer a «poesia» de Regina Correia, uma poesia rica, capaz de resistir ao desenraizamento de «Pátrias» e de «Amores» que nunca morrem. Luísa Ferro, por exemplo, disse-me ter gostado dos autores do dia em que esteve presente, com especial destaque para a Regina Correia: “Já em Lisboa, estou a ler, pausadamente, os seus poemas, que me estão a agarrar a atenção”. «Conjugação de Mapas», assim é intitulado o livro que esteve em análise. 



         E depois, Jorge Bento disse aos presentes que é preciso reinventar a sociedade, pois não estamos a caminhar «Para Um Novo Normal», longe disso. Espraiando um olhar inquieto e profundo sobre a atual desordem mundial – “vivemos tempos sombrios” – Jorge Bento apela à ressurreição das nossas capacidades de apreender, perceber, questionar e de amar. O jubilado professor universitário, verdadeiro encantador de palavras e com uma escrita eloquente, foi um reputado colunista do jornal A Bola. E nessa qualidade foi reconhecido por António José Bondoso que, após a intervenção de Jorge Bento, salientou entender agora o alcance das mensagens contidas nas crónicas de A Bola.



         Teresa Adão, diretora das Edições Esgotadas, apresentou uma nova reimpressão de Afonso Ribeiro. “Povo” foi a obra escolhida, na qual o autor neorrealista de Vila da Rua colige uma série de contos sobre a miséria e a opressão em que viviam as classes trabalhadoras. “Povo”, que a censura proibiu, classificando-o como «pura propaganda comunista», foi – depois de Aldeia e de Ilusão na Morte – mais um trabalho de transcrição aturada e atualização de linguagem de Denisa Sousa. Lembrando a importância do autor para o concelho e para o país, Teresa Adão acabaria por lançar mais uma vez, à Câmara Municipal, o desafio de promover uma «Residência Literária Afonso Ribeiro» em Moimenta da Beira, à semelhança do que vem acontecendo com Eça de Queirós em Tormes. Afonso Ribeiro, preso pelo antigo regime, foi depois exilado em Moçambique, de onde só regressou em 1976. 


         Precisamente de Moçambique foi o autor que se apresentou no dia seguinte, falando sobretudo do seu livro “Fuzilaram a Utopia”, uma crítica cerrada ao período pós colonial. Escritor e professor, Delmar Maia Gonçalves nasceu em Quelimane em 1969, tendo chegado a Portugal nos anos de 1980. Divulgador de poesia e pragmático contador de histórias africanas, Delmar criou em Portugal o «Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora» [CEMD]. Define-se como um irreverente humanista, defensor da paz e da fraternidade universal. 


         E foi com a sua poesia que se iniciou a sessão última do Pavilhão das Letras, ficando a ideia de que “As chuvas/ são lágrimas de dor/ que no limite/ o mundo liberta". 

Por fim, juntaram-se à sessão o Nuno Requeijo Bondoso, Alexandra Cabral, Maria Amélia Padrão, Regina Correia, Maria do Amparo Bondoso, José Brites Marques Inácio, e António José Bondoso.  

Jorge Bento terminou a sessão de forma humorística, lembrando o brasileiro Ronaldo Cunha Lima, que foi advogado, poeta, político e chegou a Governador do Estado da Paraíba, terminando a sua carreira política em tragédia. O poema, de 1955, tem por título “Habeas Pinho” ou a história da prisão de um violão em noite de serenata boémia. 

Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da 2ª Vara desta Comarca

O instrumento do crime que se arrola
neste processo de contravenção
não é faca, revólver nem pistola,
é simplesmente, doutor, um violão.

Um violão, doutor, que na verdade
Não matou nem feriu um cidadão.
Feriu, sim, a sensibilidade
de quem o ouviu vibrar na solidão.

O violão é sempre uma ternura,
instrumento de amor e de saudade.
O crime a ele nunca se mistura.
Inexiste entre eles afinidade.

O violão é próprio dos cantores,
dos menestréis de alma enternecida
que cantam as mágoas que povoam a vida
e sufocam suas próprias dores.

O violão é música e é canção,
é sentimento vida e alegria,
é pureza é néctar que extasia,
é adorno espiritual do coração.

Seu viver como o nosso é transitório,
mas seu destino, não, se perpetua.
Ele nasceu para cantar na rua
e não para ser arquivo de cartório.

Mande soltá-lo pelo amor da noite
que se sente vazia em suas horas,
p’ra que volte a sentir o terno açoite
de suas cordas leves e sonoras.

Libere o violão, Dr. Juiz,
Em nome da Justiça e do Direito.
É crime, porventura, o infeliz,
cantar as mágoas que lhe enchem o peito?

Será crime, e afinal, será pecado,
será delito de tão vis horrores,
perambular na rua um desgraçado
derramando na rua as suas dores?

É o apelo que aqui lhe dirigimos,
na certeza do seu acolhimento.
Juntada desta aos autos nós pedimos
e pedimos também DEFERIMENTO.

Ronaldo Cunha Lima, advogado.

O juiz Arthur Moura deu sua sentença no mesmo tom:

Para que eu não carregue
remorso no coração,
determino que se entregue
ao seu dono o violão.

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António Bondoso

Setembro de 2022. 

Veja o vídeo neste link: 

https://youtube.com/watch?v=Wb0v99OANjc&feature=share&si=EMSIkaIECMiOmarE6JChQQ



















 





 

2022-09-15


III Congresso Mulheres de STP em Portugal

2022.

Nada mais desafiante do que ser um homem a falar da «mulher». Particularmente nestes dias em que se prepara uma iniciativa de envergadura, com a realização do III Congresso das Mulheres Santomenses em Portugal – que vai decorrer no dia 18 no Forum Lisboa. 



Aproveitando o mote da reunião – “O Contributo do Legado Africano para a Construção de uma Sociedade Global” – basta dirigir-me

À MULHER SANTOMENSE.

…Nela revejo as mulheres de todo o mundo!

         E como labutam as mulheres africanas. E como sofrem. E como se erguem em tempos difíceis, nunca desistindo. Desde o começo do mundo. E embora possam duvidar do presente complexo, renovam a alma e dão sempre uma outra oportunidade à Esperança. 



Especificamente no dia 19 ou não, quer seja em Setembro ou em Maio, a mulher é uma bênção. Recordo por exemplo Vinícius de Moraes na sua «Receita de Mulher» “…e em sua incalculável imperfeição constitua a coisa mais bela e mais perfeita de toda a criação inumerável”.

Nesta ocasião, e nas mulheres que vão levando a «Mén Non», volto também eu a renovar votos de uma urgente «brisa fresca», rumo aos poderes que merecem sem esquecer o orgulho no passado. 



Tudo isto - o que escrevo e o que adivinho na qualidade dos intervenientes - coloco na memória de um Poema que já escrevi há uns anos (2015):  

NO DIA DEZANOVE…

As mulheres

                                            No calor da luta    

Souberam empenhar-se

E ajudaram a amassar todo o futuro

Que sonharam.

 

Foi apenas o início

De um comprometimento imaginado

Atitude alimentada pela força da razão

Que os poderes

Então expostos

Não puderam acarinhar

Acalentando a paixão.

 

E o futuro adiado

Rasgou o sonho desenhado

Nos anos que pareciam ser abençoados.

 

Mas as mulheres não desistiram

Engravidaram

E foram parindo Fé

Num tempo mais temperado

De outras lutas e projetos

Realistas, moderados,

Até cinzentos

À imagem destes dias incansados.

António Bondoso

(19 Set. 2015)





António Bondoso

Setembro de 2022. 







 

2022-09-06

 

ADRIANO MOREIRA – 100 ANOS DE «PENSAMENTO».

Saúdo o aniversário com admiração e respeito, salientando sobretudo o facto de ter sido uma das «figuras» centrais do meu livro sobre “LUSOFONIA E CPLP – Desafios na Globalização”, de Setembro de 2013.



         E precisamente nesta altura, quando se celebram os 200 anos da independência do Brasil, vale a pena recordar a voz de Adriano Moreira quando – na obra em referência – salienta a importância do Brasil no «espaço lusófono»: “…nós temos que estar preparados para admitir que a liderança é brasileira”. Na CPLP, claro.

         E mesmo que o Brasil se tenha vindo a «desviar» dessa sua natural «responsabilidade», até hoje nunca assumida com frontalidade, pois há sempre e ainda muitos «pontos críticos» a ter em conta, Adriano Moreira reitera a necessidade de observar e perceber a conjuntura e escutar “o diálogo construtivo sobre as respostas sustentáveis”, sendo fundamental não colocar em dúvida a exigência irrenunciável da igualdade dos Estados participantes. 



         E a «Língua», claro, como «cimento de tudo isto. Uma Língua, como me referiu em 2011, “que transporta valores, não sendo nunca um instrumento neutro”. E foi mais longe: “…acontece que a língua portuguesa, a meu ver, tem mistura de etnias. Também é mestiça!”. Por isso, não é apenas «nossa». Também é nossa.

         E para não alongar em demasia este pequeno texto de homenagem ao Professor Dr. Adriano Moreira, finalizo com mais uma referência ao meu livro sobre a Lusofonia e CPLP, lembrando a ideia que me foi sabiamente transmitida de que a CPLP é uma «organização muito original». Porquê? Porque – afirma – “ a França, que tem instrumentos de projeção da sua cultura como a Alliance Française, não tem uma CPLP; a Espanha, que tem uma série de países, sobretudo na América Latina, que falam espanhol e tem o Instituto Cervantes – não tem uma CPLP; a China, atualmente, já tem espalhados por todo o mundo cerca de 300 Institutos Confúcio, mas não tem nenhuma CPLP. [Promoveu Macau para se encostar e liderar]. Portanto, a CPLP é, de facto, uma originalidade. A reunião de tantos países unidos pela mesma língua como primeiro elemento”(gravação, 2011)”.

         Parabéns Adriano Moreira. Grato pela partilha de algum do seu «pensamento». 




António Bondoso

6 Setembro de 2022.