2022-07-20

A «INFÂMIA» SEGUE, DEVAGAR, A CAMINHO DO 5ºMÊS…ou de como o calor intenso e os incêndios podem fazer esquecer as bombas que continuam a queimar na Ucrânia invadida pelo regime de Putin, já vai para 150 dias. O texto serve também para homenagear o «Repórter de Guerra» Fernando Farinha – muitos anos dedicados a tentar perceber as «guerras». 



         Na ideia do «ditador» russo, a vegetar entre psicopata e cleptocrata, a Ucrânia seria coisa para duas ou três semanas, mas já lá vão quase cinco meses. Contudo, também ninguém pode garantir que o objetivo – um dos – não seja mesmo esse: prolongar. Mas para avaliar isso temos os «especialistas».

         Eu, que penso por mim e não tenho qualquer «especialidade» – essa tive-a no serviço militar em “Transmissões de Infantaria” e foi um bico d’obra – só quero trazer à memória o seguinte: quando começaram os primeiros comentários e, depois, os relatos de alguns «enviados especiais»…fui à estante buscar “Correspondente de Guerra”, de John Steinbeck – uma edição de Livros do Brasil, de 1979. Curioso, neste livro de 260 páginas e que eu poderia «relatar» diacronicamente, é este parágrafo da «Introdução»: “Chamaram à Guerra Civil [Americana] a última guerra cavalheiresca. Pois aquela que baptizaram como a Segunda Guerra Mundial, foi certamente a última de todas as guerras globais. A futura guerra, isto se formos tão estúpidos que a deixemos rebentar, será a última de qualquer espécie. Ninguém sobreviverá para se lembrar seja do que for. E, se realmente formos estúpidos a esse ponto, não mereceremos, de qualquer modo, biologicamente falando, a sobrevivência.”



         E depois, cronológica e diacronicamente, seguem-se os textos que o autor foi escrevendo, quer em Inglaterra, quer no Norte de África, nunca revelando os verdadeiros e precisos locais da sua «presença». A minha atenção recai num pequeno pormenor relacionado com a ideia feita de que a «História» não se repete. Numa crónica datada de 18 de Julho de 1943, algures em Londres, intitulada “Uma Sessão de Cinema”, o autor refere que a casa de espetáculos, tinha uma boa lotação de “soldados feridos, já em convalescença, mulheres do Serviço Militar em gozo de uma licença de horas, domésticas e operários cumprido o respetivo turno de trabalho. Na plateia, à frente, filas cheias de crianças que se apinhavam tão perto do palco quanto podiam”. À comédia do filme – Casei com uma Feiticeira – juntar-se-ia a tragédia da atuação de dez bombardeiros alemães: “Apenas um dos atacantes conseguiu passar, ziguezagueando e esquivando-se por entre a defesa. (…) Voava quase rasteiro quando passou por cima do teatro. Foi nessa altura que lançou as bombas. (…) O aviador inimigo…voltou a sobrevoar o teatro e despejou as peças sobre os escombros. (…) Esmagadas, feridas e mutiladas, as crianças atingidas foram arrancadas aos escombros e conduzidas ao hospital”. Infelizmente, nem sempre isso é possível, como temos vindo a constatar. Quando não são os próprios hospitais alvos de bombardeamentos de arrepiar. 



         Não há «guerras boas ou menos boas». Todas são brutais e quase sempre criminosas. Como foram as da Coreia, da Indochina, Vietnam, Afeganistão, Iraque, as chamadas coloniais ou de libertação, as do realinhamento dos Balcãs, a das Malvinas, da Síria, da Palestina ou as dos genocídios do Ruanda, Somália, Nagorno-Karabakh ou Chechénia. E se formos mais atrás, infelizmente, não ficarão páginas por preencher. Como não ficaram as publicadas por Fernando Farinha – lembrado como o único repórter de guerra português – ontem falecido, com 81 anos de idade. Conhecido pela cobertura da guerra colonial em Angola, Fernando Farinha viveu em Angola desde 1952, iniciou a sua atividade profissional no "Comércio de Luanda", escrevendo e fotografando os movimentos dos soldados portugueses em todas as frentes de guerra, entre 1961 e 1975.

Para acompanhar as operações dos militares portugueses em território angolano, Farinha – que publicou mais tarde também na revista «Notícia», frequentou um curso de comandos e outro de paraquedistas. A guerra – qualquer guerra – exige muito! E magoa e dói sempre.

António Bondoso

Moimenta da Beira, 20 Julho 2022.  







 

2022-07-14

UMA «CHEFE» E UMA AMIGA DE MEIA VIDA…ou de como a sua “partida” nos coloca em choque.

E mais uma vez a Rádio. Porque ficámos sem mais uma camarada. E quando a Rádio perde um dos seus, perdemos todos um pouco de nós. Foi o final da etapa da vida para a Maria Manuela Borralho. A Manela, simplesmente. 



Conheci a Manuela Borralho em S. Tomé e Príncipe em finais dos anos de 1960, no âmbito do processo de transição do Rádio Clube para Emissor Regional da ex Emissora Nacional. De todo o vasto “elenco” da ex-EN empenhado nessa tarefa [Fernando Conde, Engº Freire, Sebastião Fernandes e Guilherme Santos, por exemplo] sobraram e permaneceram duas Amigas de grande nível, elevação escorada numa humilde competência e numa simpática simplicidade: A Maria Emília Michel e a Manuela Borralho. Por circunstâncias e peripécias diversas, o meu trajeto acabou por se cruzar diretamente com o da Manuela. Quer na «Coordenação de Emissão e Programas», com a companhia da Arminda Viana e da Lurdes Brandão, quer no «Serviço de Noticiários», onde já pontuavam os mais antigos Raúl Cardoso e Daniel Pinho. Isto, já depois de alguns meses de uma «ausência voluntária» da minha parte e também de um afastamento «obrigatório» devido ao serviço militar – primeiro em Angola e depois em STP. Resolvidos os «constrangimentos» em 1973, consolidaram-se o respeito e a Amizade mútuos. 



         Regressei a Portugal em Outubro de 1974, a Manuela só voltou em 1975 depois da independência de STP. Eu no Porto, a Manuela em Faro, o trabalho direto não nos juntou mas nunca deixámos de trocar ideias. Para além disso foi a Amizade – sobretudo no tempo de férias, no Algarve, acompanhados por outros camaradas como o Carlos Cardoso, o Livramento e o Humberto Ricardo. Ou então, nos convívios da Rádio que se seguiam por este país, sempre com o pensamento em S. Tomé e Príncipe. 









         E com o passar do tempo…veio a aposentação, embora se tivessem mantido o convívio e a Amizade. O afastamento, involuntário, viria muito mais tarde com a doença. Apenas os telefonemas nos mantinham em contacto, exceto a última vez que tentei – talvez há três semanas – para saber como íamos enfrentando a «pandemia». 



         A Manuela Borralho, por tudo isto, é outra das «Figuras da Minha Vida». E esta não é a «despedida» que havíamos planeado. Competente, afável, de uma serena firmeza no trabalho, Amiga para sempre! Foi meu privilégio. Até sempre «Chefe». 



E porque há ainda amigos e camaradas de muitos anos que merecem estar com eles sentado à mesa de um café.

«Há gente que chega

e se perde

na voragem de ver

os verdes e os vermelhos da vida

esquecendo

o sol e o céu azul.» 

(=== Ant. Bondoso. Maio de 2019 ===) 


14 de Julho de 2022.

António Bondoso.