2013-07-28

MOMENTOS DE UM VERÃO...


UM MOMENTO!( A Publicar)

Chuva trovoada e vento
Afasta do sol o pensamento
Mesmo que seja só
Por um momento.
E aqui...
Na terra das três montanhas,
Respira-se a habilidade
De saber que das entranhas
Vem também tranquilidade.
No silêncio da casa...
Ressalta apenas o som de um turbilhão de partículas
De água a bater na telha
Pingos de uma chuva de verão
Que até graça dão
Ao duplo aterrar de uma poupa
No verde trevo primeiro
E depois na mesa da varanda
Antes de mais um voejar altaneiro.
======= A.Bondoso (A Publicar)


António Bondoso ( Poema e Fotos)
Julho de 2013


2013-07-25

À VOLTA DE MIM...E DO MUNDO!


Costuma dizer-se que há um dia para tudo...ou para todos! 

Felizmente, no caso dos "escritores"...é mesmo bom que haja um dia particular, pois nem todos os dias se escreve - melhor dizendo, se consegue "escrever". A função, o ofício, a arte - é mesmo tudo muito particular.
Por isso...esta frase de José Saramago. 
"Somos todos escritores, só que alguns escrevem e outros não". 

A propósito, a leitura que faço é que os que ESCREVEM dizem coisas, contam coisas - como aquelas dos olhos de um célebre fado de Coimbra - ditam e passam mensagens, questionam, provocam, debatem, orientam, encaminham, imaginam, inventam. 
Já os que NÃO escrevem ficam aquém do muro, refugiam-se numa imaginária orgia de palavras e gestos repetidos, espreitam apenas o caminho mais curto - por vezes até menos ético - para um igualmente imaginário sucesso mediático.  

Escrever...é um ofício difícil. E trabalhoso. E chega mesmo a exigir ruturas com eventuais "convencionalismos", num permanente diálogo com as palavras, prenhe de utopias. Pela simples razão de que RESISTEM AS PALAVRAS:
"Razão de ter
de parecer
por instinto
a dor da alma,
imortal vertigem
coração magoado
tanta amargura de vida. 
Perde-se a razão de ser
e o corpo já não respira
nem flutua o espírito
deste país moribundo
património de políticos
paladinos da desgraça.
Resistem sempre as palavras
filhas de um vento livre,
razão de ser
de parecer
um país tão mal amado,
imperfeito
inacabado!"
========= Ant. Bondoso. Tons Dispersos, 2003. Vega. Pg.112.
Em qualquer caso, o meu reconhecimento a quem ESCREVE e me tem marcado o trajeto.

António Bondoso
Julho de 2013.



2013-07-22


ASSIM SE ALIMENTA O POISIO DA MORTE...



A VOZ DOS PINHEIROS (A Publicar)

Ao olhar o vale que antecede as três montanhas
Dou comigo a escutar as vozes dos pinheiros
Balanceando as hastes ao som do vento
Que corre louco e veloz com muita pressa
De chegar mais longe...antes de tudo!

Antes do calor que sufoca e muito antes
Do que pode o fogo consumir
Pois desse todo ele se vê em combustão.
O som do vento abafa angustiantes gritos de socorro
E já os pinheiros sussurram apenas agonia.

Assim se apaga a revolta
E se alimenta o poisio da morte.

====== Ant.Bondoso (A Publicar)

António Bondoso
Julho de 2013

2013-07-20


AINDA A PROPÓSITO DE DIGNIDADE.

VIVEMOS UM TEMPO...TAMBÉM DE POETAS COM LETRA MAIÚSCULA.


VIVEMOS UM TEMPO...TAMBÉM DE POETAS!
Não apenas de políticos e de políticas...

Luís Veiga Leitão escreveu em 1984: “Dizem que os poetas são o sal da terra. Hoje, como nunca, necessários são para que o mundo não apodreça mais ainda”.
Transponível para 2013, com toda a propriedade e com toda a atualidade, a ideia de Luís Veiga Leitão certamente poderia ser endossável quase que exclusivamente aos POETAS com letra maiúscula – aqueles que não passam ao lado do seu tempo e das circunstâncias que o localizam, que não evitam denunciar as angústias e as misérias de um povo que sofre, que não omitem a sua opinião e que, pela grandeza das palavras e das suas ideias, combatem os poderes e os poderosos.
Em O PODER E O POEMA, que dediquei a Luís Veiga Leitão, escrevi sobre muitos que lutaram, resistiram e, mesmo não tendo vencido as batalhas que se impuseram, conseguiram – embora a prazo – modificar pensamentos e ideias, alimentaram ideais e sentiram que o mundo pula e avança.
 Por exemplo Miguel Torga que, em 1958, teve a ousadia de escrever que “Temos nas nossas mãos/o terrível poder de recusar...” e que já muito antes, em 1945, dizia que os artistas são livres, servindo quem tem a história e a verdade pelo seu lado: «Ora, a verdade e a história estão, como sempre estiveram, do lado do povo».
E é precisamente isto que os nossos governantes – incluindo no topo o atual Presidente da República – não são agora capazes de interiorizar, menorizando esse mesmo povo [em nome do qual foram eleitos] e tentando não lhe reconhecer o poder e a capacidade de eleger, quando a situação de uma vida normal se transforma em drama e a narrativa politiqueira não condiz, absolutamente, com eventuais e demagógicas promessas lançadas ao vento numa anterior e não muito distante tomada de poder.
Norberto Bobbio diz que “o homem tem a capacidade de determinar o comportamento do homem, sendo não só o sujeito mas também o objecto do Poder Social”. Governantes, políticos, tecnocratas, financeiros de Portugal e do mundo, reconheçam a validade desta asserção ao povo português.
É preciso acreditar, cantava Luiz Gois [Goes], é preciso continuar a acreditar que o poema e a cantiga são armas decisivas para perceber como a Cultura é Resistência – como se tem visto e ouvido nas ruas e praças deste país intervencionado pela Troika.
Que não seja tarde, nunca, lutar contra esta “Gente Sem Porte”:

«Temos um país suspenso
Em agonia de morte
É já a Lei que se rejeita
Por certa gente sem porte.
E sofre mais quem não suspeita
Que essa gente percebe
E até promove
Traição infame, desonra e dor».
========

Poema e ideias do texto retiradas de O PODER E O POEMA – António Bondoso e Edições Esgotadas, 2012. 
António Bondoso
Julho de 2013.

2013-07-18



SOBRE O DIA DE MANDELA – 95 anos de “ser”.

Foto do jornal Expresso. 

“Nascemos para criar uns dos outros. E todos juntos podemos criar um mundo melhor”. (Desmond Tutu)

“Mandela não apenas mudou um país. Conseguiu (re)construí-lo sobre os escombros de um regime controverso, polémico, desumano. E fê-lo com um grande coração e com uma mente aberta e visionária. Mandela soube perdoar sem perder a firmeza dos grandes líderes. E não conseguiu apenas um Estado – democrático e de direito – lutou também para ganhar uma Nação.
Que os seus “ensinamentos” perdurem” para que o mundo ainda seja.” (A.Bondoso.2011)

Mas se...

SE... (A Publicar)

Se viesses
Sem ser preciso chamar
Se ouvisses
Sem ser preciso falar
Se pudesses
Sem ser preciso o poder
Se partisses
Sem haver uma despedida
Se voasses e sentisses e se...
Se não ficasse alguém ou coisa alguma
Mesmo assim...
A ideia seria perfeita! 
====== 
António Bondoso ( A Publicar)
Julho de 2013

2013-07-17


A PROPÓSITO DA DIGNIDADE...

A MINHA CRÓNICA (ESCRITA NA 2ªF.) A PUBLICAR NO JORNAL BEIRÃO DE 6ªFEIRA.

(Foto e Legenda de António Pedro Ferreira)

A TÁTICA DO QUADRADO...
...ou de como a “guerrilha” obriga, muitas vezes, a preferir um recuo tático. A imagem também se utiliza em política, traduzida em dois passos atrás para poder avançar um.

          Mesmo dando-se o caso de estarmos todos – ou quase – fartos dos joguinhos e das jogatanas politiqueiras, há sempre assuntos que nos motivam a refletir, colocando à prova a nossa imaginação, a criatividade e a sensibilidade de cada um.
          Acontece que o número de Julho da revista Courrier Internacional – edição para Portugal – debruça o seu “Olhar” sobre os refugiados e a sua circunstância, colocando a questão: Se tivesse que fugir num minuto, o que levaria?
          Trata-se de uma “campanha fotográfica”, da autoria de António Pedro Ferreira, que foi integrada nas comemorações do Dia Mundial do Refugiado e promovida pelo Conselho Português para os Refugiados em parceria com o ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. A iniciativa pretende sensibilizar a sociedade portuguesa para o impacto da guerra nas famílias refugiadas que, “num minuto, perderam tudo: o seu lar, os seus amigos, o seu futuro”.
          Nos retratos selecionados – na sua maioria africanos e asiáticos – é dada ênfase a pormenores como água, uma Bíblia, um par de ténis, um tapete ou mesmo um beijo da mãe. Mas há um que me tocou particularmente: o de Francisco, que saiu da Palestina com 2 anos de vida e foi para a Síria, acabando por fugir dali rapidamente e sem nada. Trazendo apenas, como escreveu num cartaz, a sua DIGNIDADE.
          Isto faz-me lembrar que, mesmo não estando os portugueses em estado de guerra pura com qualquer outra nação – no sentido bélico, portanto – não deixam de ser muitos de nós refugiados na sua própria terra. Exatamente porque vamos sendo despojados da nossa “dignidade”. Não só material. Sobretudo moral!
          Se atentarmos bem...sabemos que, por um lado, apenas 11 quadros bancários ganharam mais de um milhão de euros em 2012, somando salário fixo e remunerações variáveis; por outro lado, lemos que, já em 2011, quase metade da população portuguesa estava em risco de pobreza. E hoje sabe-se que mais de 38% dos desempregados estão em risco de pobreza, para além de ter aumentado esse risco para um elevado número de famílias com crianças dependentes. Acresce que mais de dois milhões de portugueses vivem com privação material e que é já muito elevado o número de alunos em debilidade económica grave. E, mais grave, os suicídios e homicídios: alguém vai ter que ser responsabilizado pelo facto de haver “um cada vez maior desprezo pela vida humana”. Carlos Poiares, psicólogo forense, acentua que a culpa é da crise pois “as pessoas perderam a esperança.”
          O Estado deixou de ser uma “pessoa de bem”, os governantes que o representam optaram pela mais simples e mais antiga fórmula de “depenar” os cidadãos – cortes e mais cortes nos salários e nas pensões e reformas, sempre aliados ao aumento de impostos, diretos e indiretos. As pessoas ficam sem teto, deixam de poder cumprir os compromissos para os quais foram sendo aliciadas, os bancos apropriam-se das casas e “leiloam-nas” a quem tem dinheiro. Tudo em nome da alta finança internacional – os mais perfeitos agiotas neste mundo globalizado. Tudo com a benção de um Presidente que não preside.
          E, assim, vai aumentando igualmente o número de portugueses praticamente “obrigados” a refugiar-se noutros países, recorrendo ao estatuto de “emigrantes”. E a maior parte o que levará? Certamente a DIGNIDADE!
          Eu, por exemplo – se voltasse a emigrar e na certeza de não correr o risco de excesso de bagagem – gostaria de levar também os Roteiros, de Cavaco Silva; as folhas excell, de Vitor Gaspar; a décima parte da reforma de Catroga ou um sexto da pensão de Assunção Esteves; umas ações do BPN, mesmo que irrevogavelmente desvalorizadas; a sabedoria e o arrojo de José Gomes Ferreira – que já tem um governo à sombra da SIC; o brilhantismo da careca de Medina Carreira; um manual de espião e muita LIBERDADE! Para poder pensar pela minha cabeça e agir de acordo com a minha consciência, com os meus valores morais e éticos. E como um verdadeiro soldado nunca deixa um camarada para trás, se tivesse que fugir num minuto[provavelmente para as ilhotas Selvagens], levaria seguramente as verdadeiras AMIZADES que fui cultivando ao longo da vida. Sem qualquer tipo de tática!
António Bondoso
Jornalista – C.P.359.
Julho de 2013   

antoniobondoso@gmail.com 
               

2013-07-12

A PROPÓSITO DO 38º ANIVERSÁRIO DA INDEPENDÊNCIA DE S.TOMÉ E PRÍNCIPE.
12 DE JULHO DE 1975.

Escrevi "Escravos do Paraíso" para assinalar os 30 anos da independência; fiz publicar "Seios Ilhéus" para marcar o 35º aniversário do acontecimento; provavelmente inicio hoje um capítulo do que poderá vir a ser mais um contributo para dar a conhecer as ilhas do meio do mundo:
Eu, na ponte da Boa Entrada, com minha mãe e minha irmã.

VIAJAR HÁ 60 ANOS...
...ou de como era difícil "emigrar" para África.

Verão de 1953. Não dos mais quentes de que possa haver memória mas, mesmo assim, na ponta de Sagres foram registados 31 graus célsius – centígrados, dizia-se na época.
Nos três anos da minha inocência, a bagagem que transporto não permite reter grandes cenários, muito menos registar factos ou imagens que se possam vir a revelar como determinantes para o meu futuro numa outra terra longe e sobre a qual nada sabia. Dela nunca ouvira falar. Contudo, isso não impediu o início de uma grande viagem e de uma aventura imensamente quente e frutuosa.
 Da minha casa, no Largo das Cinco Ruas, onde nasci – saí pelo meu pé, suponho que trajado à boa maneira domingueira da vila, sinal de uma humildade de caráter que marcou os meus progenitores – acompanhando, penso, um misto de triste incerteza e de uma jovem e apaixonada ansiedade de minha mãe, pelo facto de ir ao encontro de meu pai já ausente há largos meses. Não tenho a certeza, mas creio que o estado de espírito da minha irmã seria igualmente um misto de prazer pelo imaginário da viagem e de contida alegria por partir ao encontro do pai.
Imagino que tenha havido despedidas, quer dos familiares, quer dos amigos, não faltando certamente momentos de choro ou de alento, palavras de tranquilidade e de incentivo – tudo o que é comum em circunstâncias dessa natureza. Dos meus avós, todos vivos, talvez a separação tenha sido mais dolorosa para os maternos. Era mais uma filha que partia, depois dos desenlaces fatais com a Céu e a Cacilda e após terem rumado ao Brasil o António e o Manuel, sendo que o Zé tinha arranjado trabalho em Gouveia. Ficava apenas Clementina para consolo do par Énico Félix e Augusta Soares Mendonça.
Admito, portanto, que reinasse ali, na velha casa do avô nas Cinco Ruas, muita tristeza e imensa preocupação. Ao mesmo tempo, seria perfeitamente natural a esperança de que tudo fosse correr bem num outro lugar – quem muda Deus ajuda – face às dificuldades que o país atravessava depois da II Guerra Mundial. E Salazar já estava há mais de 20 anos no poder. A emigração, tal como hoje e talvez desde sempre, era muitas vezes a saída de sentido único. Nesse tempo, para o Brasil e apenas em cinco anos[1950-53], tinham já partido mais de 180 mil adultos e quase 34 mil crianças. África ainda não era, como nunca viria a ser, o destino prioritário de milhões de portugueses que fugiam à pobreza. O fluxo aumentaria, apesar de tudo, mas por motivos de ordem diversa.
Só que o pai havia recebido a “carta de chamada” por intermédio do seu irmão Zeca que, por sua vez, já partira para as ilhas do cacau em 1949, “chamado” pelo cunhado Honorato, ali nascido e que viria a casar com a tia Palmira – ambos de contabilidade já cumprida neste mundo, infelizmente. Os laços familiares sempre geraram as “correntes” ou, pelo menos, ajudaram à decisão da “escolha”.    
E foi assim que, nesse verão de 1953, as minhas pernas subiram os degraus de uma velhinha camioneta – não sei se da marca Bedford – tendo tomado assento nessa viatura que efetuava a ligação entre Trancoso e Lamego. Os avós António e Maria José não faltaram à saída do Largo do Tabolado, imaginando eu – sabedor, hoje, de outras histórias – uma diferente forma de encarar o facto. O avô paterno protagonizara igualmente uma década de trabalho no Recife, Brasil, para onde emigrara em 1905.
Por outro lado, tendo conhecido durante largos anos as difíceis ligações rodoviárias à cidade do Porto, imagino ainda que a viagem até Lamego, primeiro, e depois até à Régua, antes de chegar à Invicta, não tenha sido muito fácil. Uma dor de cabeça mais que provável para a minha mãe, apesar de uma eventual e pequena ajuda da minha irmã Luisa, já com nove anos de idade. Mas, até prova em contrário, admito ter sido um herói.
Da cidade do Porto a Matosinhos, ao porto de Leixões, só o cansaço poderia ter causado qualquer outro pequeno problema. O último percurso em terra firme, antes de embarcar no “Pátria” – um paquete de 19 mil toneladas, da Companhia Colonial de Navegação que havia sido criada no Lobito, Angola, em 1922. A CCN daria ainda à rota marítima de África outros navios como o Império, no qual também viajei, o Vera Cruz, o Santa Maria – que viria a servir de palco a uma das mais badaladas ações contra o regime de Salazar – e, já em 1961, o Infante D.Henrique, com 23 mil toneladas. A “cereja no topo do bolo” para ombrear com o “Príncipe Perfeito”, da CNN – Companhia Nacional de Navegação.
Enfreitei, então, pela primeira vez o mar, mas desse embate continuo a não ter memória, talvez pela razão de viajar instalado no porão – que é como quem diz na 3ª classe, não sei mesmo se na 3ª classe suplementar. Dali não se via o mar, apenas sentia os efeitos do seu ondular. E depois Lisboa, e o mar muito mais bravo até à Madeira – antes de Las Palmas para reabastecimento. Nove dias de viagem da qual me ficaram as imagens das camaratas do porão, até avistar o verde das ilhas de nome santo, as ilhas do meio do mundo no Golfo da Guiné, as pérolas de expressão portuguesa na linha do Equador, a sul do qual dizem não haver pecado.
S.Tomé – a Ilha...apresentou-se aos meus olhos de criança de uma forma difusa, vista de longe, pois não havia cais acostável para os grandes paquetes. O Pátria fundeou ao largo e os passageiros foram obrigados a efetuar um transbordo para pequenas lanchas – os “gasolinas” do Castela, soube mais tarde – e dali uma pequena viagem até ao velho cais da então Praça do Império. Por muito que me continue a esforçar, não me recordo de o meu pai ter ido receber-nos a bordo. Mas certamente que foi. Era uso costumeiro, independentemente da atitude de boa educação. E subiu as escadas do portaló e terá sorrido quando nos viu, abraçando em seguida a mulher Virgínia e os filhos, antes de uma saída algo “ondulante” e perigosa, graças à “calema” – a ondulação sempre forte em alto mar, mesmo em dias de calmaria.
Também não me lembro, mas seguramente que havia tubarões a rondar, respondendo ao cheiro e ao sangue dos restos dos géneros que eram despejados da cozinha do navio. Um ritual sagrado do “gandú”, como aprendi mais tarde. E nunca foi fácil desfazer essa ideia de que os tubarões estavam ali, sobretudo, para amedrontar as pessoas. Mas nesse, como na quase totalidade dos dias de “São Navio”, ninguém caiu ao mar. Era grande a perícia dos marinheiros das lanchas. E todos puderam chegar ao cais da cidade, deparando com a estátua de João de Santarém, no jardim da Praça e no qual pontuavam as palmeiras de grande porte.
Percebi – fui percebendo – tudo isto mais tarde, já depois de instalado numa pequena vivenda no Bairro de N.S. da Conceição, de construção relativamente recente. A rua era ainda de terra batida, ficando encharcada e lamacenta depois das célebres chuvadas tropicais – fortes e pouco demoradas, a não ser naqueles dias de grandes tempestades e trovoadas de arrancar orações ao mais cético dos não crentes.
E depois das chuvas – disso já tenho memória – era a alegria de brincar nas poças de água barrenta, tentando agarrar aquelas pequenas larvas saltitantes e moribundas com a rápida evaporação das águas. Em tronco nu e descalço, usando apenas uns calções de centavos, foi uma adaptação quase perfeita e imediata ao calor tórrido e à humidade extremamente sufocante. E o cenário da mata do Riboque nas traseiras da casa? Convidativo à aventura e refrescante quanto baste.
E assim se foi processando a minha integração nessa terra longe, ficando para trás o já quase vazio reservatório da memória. As novas imagens e as novas descobertas foram ganhando preponderância. A qualidade de vida podia praticamente resumir-se ao meu trajeto entre o Bairro da Conceição e a Escola Primária de Vaz Monteiro, em tronco nu e descalço e apenas com os calções de centavos ou com as calças de um pijama desnecessário, dando com um pequeno pau no arco, a girar, sempre a girar, até chegar à porta da escola e dizer que queria ver a minha irmã. E depois voltava, compenetrado, passando pelo mercado e pelas padarias da praça, pelo grande frigorífico de fazer gelo e pela Igreja de N.S. da Conceição[onde viria a casar com a Maria do Amparo, fará em breve 39 anos], na qual paroquiava o célebre Padre Martinho Pinto da Rocha, que um dia disse ao Bispo de S.Tomé e Arcebispo de Luanda – “posso ser um mau padre, mas sou um bom pai”! E foi...um pouco de tudo:- padre, pai, juíz e outros ofícios de grande cartaz.
Por essa altura ainda não tinha “consciência” do que se passara havia poucos meses, no Batepá, perto da Trindade. E das consequências desse triste acontecimento, em Fevereiro, e que viria a prolongar-se por vários meses na Colónia Penal de Fernão Dias: uma praia marcada pela revolta, pela força brutal das autoridades e seus capangas, pela humilhação e pelo sangue derramado da gente da terra. E das rusgas policiais para angariar mão de obra forçada, mãos que haviam construído com sangue casas como essa onde passei a viver. Nada sabia, ninguém me dizia...e a Ilha também passou a ser minha. E todo o mar à sua volta!
          Dela não cheguei a tomar posse formal. Mas adotei-a de coração e ninguém levará a mal se eu utilizar aqui o conceito da figura jurídica da “Usocapião”.
Em tempos chamei-lhe minha. (A Publicar)
Era ali que eu existia
E tinha pela frente o mar imenso
Com ondas de calema e tanta espuma,
Contava carneirinhos a perder de vista
E sonhava com os mistérios do mundo.
Que era ali, todo inteiro, até onde meus olhos alcançavam.

Depois... um limitado horizonte de livros e de mapas
E barcos a cruzar o oceano
E eu navegando neles,
Disseram que muita gente e outras naus
Haviam por ali passado na aventura do saber e conhecer.
E falavam de outros homens que, escravos,
Mais escravos conduziam p’ra alimentar terras distantes
Comércio antigo de Roma, Egito e tantas Áfricas.

Alguns vieram e partiram
Outros ficaram e quiseram
Partilhar o que não tinham,
Muitos roubaram e rasgaram
Nem todos souberam amar.
Mas era ali que eu existia...
Por isso lhe chamava minha
Por isso lhe queria muito.
Crescer e saber que a pertença é relativa
Não mudaram meu querer.

E a separação dolorosa prolongada além do tempo
Machucou mas não matou
Essa relação intensa.
Aumentaram meus afectos
Somados a outros sonhos
A saudade serenou e o pensamento a voar
Trouxe a Amizade de volta no vento do furacão.
E há nomes no horizonte
De um mesmo mar que revejo
Com águas de outro nome.
Longe canta o ossóbô e o papagaio repete:
Ainda lhe chamo minha !
== A.B. (A Publicar).

Nos capítulos seguintes – até à minha partida “definitiva” de S.Tomé, na sequência do golpe militar de 25 de Abril de 1974 e da chamada “revolução dos cravos” – haverá outras grandes e pequenas histórias para contar. Até mesmo aquela de os médicos se mostrarem preocupados com a minha magreza e aconselhando uma mudança de ares. Para a “metrópole” rapidamente, aos seis anos de idade, a fim de ganhar corpo. Vai daí, uma nova viagem, agora no paquete “Império”, entregue aos cuidados de um amigo que vinha em gozo de licença graciosa, o Senhor Pereira, de Sanfins, empregado comercial na Casa Higino Curado dos Santos.

Eu com o Sr. Pereira e o cão fiel, em frente à casa do Bairro da Conceição

António Bondoso
Jornalista – C.P. 359
Julho de 2013.

2013-07-09


NÃO É FÁCIL SONHAR...
...mas é importante partilhar!



Talvez não seja tão linear como parece admitir que é fácil a função de sonhar. No “módulo de sono”, continua a ser um emaranhado complexo de estudos, interpretações e incertezas. Sonhar, sobretudo de olhos abertos, pressupõe memórias e desejos, vontades fortes, caminhos a perder de vista, imaginação fértil e uma interminável sensação de poder. Mas permanecem as incertezas...capazes, por si só, de fazer abortar o sonho mais prometedor, o mais consolidado. Castelos no ar – diz o povo – castelos de cartas em dias de vento ou até mesmo castelos de areia em praia de maré cheia.
          Não há sonho sem risco, portanto! E por isso, convém adornar o sonho com uma dose de forte personalidade, de caráter e de conhecimento. Vontade de buscar sempre, de aprender a cada passo, de emendar quando se erra. E depois...plantar e cultivar o que se chama de Amizade. É um condimento essencial do “sonho”, fundamental para o desenvolver e concretizar.
          Escrevi em tempos um poema, no qual salientava que Amizade é “ter dúvidas (...), quase nunca estar de acordo./Amizade é gostar sempre/é como aprender a crescer!”. Entretanto, adquiri agora mais um livro do grande escritor, ambientalista e jornalista chileno Luis Sepúlveda – História de um gato e de um rato que se tornaram amigos. Baseado num episódio que, pelos vistos, marcou a vida de um dos seus filhos, o livro é exatamente uma fábula sobre o valor da amizade. Apresentada de forma divertida, sugere que “os verdadeiros amigos apoiam-se um ao outro e juntos aprendem a partilhar o que de melhor têm dentro de si”.
          Esta história, que recomendo verdadeiramente, serve-me hoje de  ligação  e de apresentação ao evento de uma primeira vez. Uma exposição de pintura da amiga Luisa Moura, que trazia o sonho dentro de si – talvez desde sempre! – apresentar publicamente os seus trabalhos. Não foi fácil, mas lutou por isso. E, por intermédio de alguns amigos, conseguiu incentivos e arranjou uma “madrinha” – também ela amiga dos amigos – que, aos quadros dela, juntou os seus, ajudando a fazer brilhar o espaço e...o sonho! E assim, transformando uma sala de ginásio [da Junta de Freguesia de S.João de Deus, em Lisboa] numa galeria de arte, a Luisa voou além do sonho. E o mais importante não foi o número de quadros vendidos. Foi, isso sim, o empenho, a alegria, a camaradagem, a solidariedade – o convívio!
          A Tita e o Salgado, a Mena, a Migui, o João, a Amparo e a Mami estiveram presentes, participaram e acarinharam. Depois vieram outros e viram, sorriram, registaram – como a Isabel e o Carlos, o Luis, o Geo, a Luisinha, a Milé, a Olinda e o Alfredo, mais um Carlos, uma outra Luisa e mais um Luis, a Fátima, um outro Carlos que se juntou ao António. Foram mais de cinco, se contarmos bem. Todos juntos, deram um rosto ao sonho da Luisa. Parabéns...ficamos à espera de uma renovada iniciativa.
António Bondoso
Julho de 2013.
Jornalista – C.P. 359
António Bondoso
Julho de 2013.

2013-07-05

DEITAR AS CARTAS...


DEITAR AS CARTAS...

Há instantes, resolvi "deitar as cartas", isto é, dediquei-me a ir vendo alguns canais de informação televisiva, para ver se conseguia tirar alguma luz da avalanche informativa com que alguns políticos, economistas e comentadores nos brindaram nos últimos dias. 
E do "jotinha" Luis na RTP/Informação, à "camisa de noite" de Constança Cunha e Sá na TVI24, o que me prendeu foi a "imagem" que Pacheco Pereira ofereceu aos portugueses, na SIC/Notícias - a propósito da eventualidade de continuarmos a ter um (des)governo parido pela atual maioria PSD/PP. E o que disse Pacheco Pereira? Nesse caso...teremos um 1ºM empalhado, um líder do CDS empalhado - um governo empalhado!
No meio de todas as núvens negras que as cartas me ditaram, salvou-se esta imagem. Que, de algum modo, se cruza com o empalhanço que nos chega - tem chegado - de Belém. Não é que seja obsessão minha...mas - mais uma vez - aí reside o objeto da minha crónica de hoje no JORNAL BEIRÃO - um jornal a crescer no coração do distrito de Viseu mas muito próximo do Douro. 



A TÁTICA DO QUADRADO...
...dos atores menores – que são Passos e Portas – ao mesmo senhor de sempre! No sacro nome da estabilidade, mas também da leitura dos astros.

          Como diariamente se acrescentam pontos a esta novela da tradicional politiquice portuguesa, prefiro – mais uma vez – chamar a terreiro o mau timoneiro que temos em Belém. Já dele disseram, por exemplo, que a sua principal preocupação é proteger-se, ficar sempre bem na fotografia – nas palavras da historiadora Fátima Bonifácio... ou que, tal como os governantes, está a léguas da realidade e das populações – no verbo do filósofo José Gil.
          Também já anteriormente escrevi que, parecendo ganhar tempo para si e para a sua tranquilidade, o que realmente acontecia era ir perdendo o país...mas de uma forma mais trágica do que se passou no norte de África no século XVI. Um certo tipo de “sebastianismo” que lhe parece advir do seu signo Caranguejo. Mais do que para trás, parece andar de lado. Enviezado, para tentar escapar aos ventos de loucura que sopram nesta globalização desumanizada e ultraliberal.
          Consultando este link, por exemplo, http://rosy.br.tripod.com/mistic/id8.html  - pode ler nomeadamente “...ficar preso(a) ao passado, enrolar para começar as coisas, deixar os outros tomarem as decisões por você”... ou que “adora estudar e aprender coisas novas, seu ponto forte são as matérias teóricas”. Mas o que verdadeiramente me puxa para relacionar o inquilino de Belém a esta questão dos horóscopos, é um livro de um antigo camarada de profissão – o Eduardo Valente da Fonseca – que, em 1973 e para contornar a censura do regime, teve a ideia de, no Jornal República, “(...) subverter a comercial alarmante e estupidificante bruxaria horoscópica, e à sombra dela, esquivar-me à censura, não enviando cópias. E assim aconteceu «O Horóscopo de Delfos», tal como as palavras cruzadas ou os discursos do Thomás, não iriam ser enviados à censura”.
          A história...publicou-a ele em 1995, na editora Campo das Letras. E se puderem não deixem de ler. Lá está escrito, no espaço reservado ao signo Caranguejo, nomeadamente que “Não há governante amado por um Povo dominado”; “De políticos convencidos, estamos nós bem servidos...”; “Pelo buraco de uma fechadura poderás ver o mundo dos que cá fora vivem à espera de desforra...”; “Nada obrigará a nada esta semana, excepto: dormir numa cama, numa casa com tecto, sempre circunspecto; chegar a horas ao emprego, e como ainda faltam quatro dias para o fim do mês, ir ao prego mais uma vez...”; “Quando não puder mais, não se irrite. Medite”. 
          A tática para esta semana...é exatamente meditar!
António Bondoso
Jornalista – C.P. 359.
Julho de 2013


António Bondoso
Julho de 2013.