2021-06-29

CLARO QUE AS GUERRAS SÃO VIOLENTAS. Neste Dia, um «elogio» ao “comando” e Professor Rui de Azevedo Teixeira. 



E deixo um aviso: não tenho competências para levar por diante o que se pode chamar tecnicamente de recensão ou até uma simples crítica literária. E a qualidade reconhecida e característica fundamental dos escritos de Rui Teixeira obriga-nos a uma reflexão atenta e profunda. Aliás, ele próprio não se coíbe de chamar a atenção para as suas capacidades académicas. Apesar de tudo, devo dizer que sei ler e gostei do que li.

Sem rodeios, sem tabus, sem medo das palavras e das ideias, Rui de Azevedo Teixeira apresenta-nos um romance de certa maneira «diferente» no formato mas «poderoso». As memórias cruzam-se, misturando ficção e realidade como sempre acontece. Mas neste “O Elogio da Dureza” destaca-se a brutalidade, a violência pura e dura. Simultaneamente rude e bela. Pelas palavras. Linguagem e cenários com os quais me identifico, apesar do “desdém” que o autor empresta ao “Lobo” quando este fala da «tropa pacaça». Ou «macaca», diziam outros. Mas há muitos pontos em comum, sobretudo quando descreve a vivência do CIC. Que eu não frequentei mas sei, pelos relatos de quem lá passou, inclusive familiares. A «EAMA», que eu vivi, foi um bom viveiro do CIC, mesmo passando ao largo da conversa do protagonista com o coronel comandante sobre os furriéis angolanos brancos: “nem carne nem peixe quer na hierarquia militar quer na questão da nacionalidade”. É uma perspetiva da «guerra» que ainda não foi devidamente explorada e explicada. Mais do que uma questão de defesa do «império», era talvez o «princípio da pertença». Mas a realidade de quem mandava era outra. Vinham do «puto», saberiam muito de estratégia, mas faltava-lhes a essência. E os costumes e as línguas. Nesta perspetiva, Rui Teixeira colocou o «dedo na ferida» e isso é importante para o debate que se queira fazer.

Por outro lado, pouco importa se é a obra é autobiográfica ou não. O autor já negou e explicou os poucos pontos em comum com o protagonista do romance Paulo de Trava Lobo Ferreira. Mas, creio eu, um romance constrói-se com memórias e vivências que o autor vai apresentando, opondo e conjugando, colocando nas vozes de cada um dos protagonistas exatamente as palavras e as ideias que pretende transmitir. Não para leitura de «mesinha de cabeceira» mas para provocar reações quer se goste ou não. E ainda agora, quando se quer levar ao limite a questão da guerra colonial, mostrando-se apreço e compreensão por quem dela fugiu e apresentando um certo ar de crítica para com os milhares que a cumpriram, Rui de Azevedo Teixeira traça a figura de Paulo Lobo já com 22 anos, comando e conhecedor da guerra em Angola, massacres incluídos: “Pertencia agora, com um grande orgulho negro, à tribo dos homens que praticaram, com continuidade, a morte violenta. Uma tribo muitíssimo pequena, na qual só muito poucos valorizam os que a ela não pertencem”.

Para além deste ponto de reflexão, que o romance ora nos traz ora nos leva, já entre o Portugal do «PREC» e a Angola do Leste e dos Dembos, uma nota para uma outra arma do romance que Rui Teixeira coloca à cintura de Paulo Lobo: a literatura. Raras são as páginas – ou pelo menos os capítulos – em que não aparece uma citação de Os Lusíadas, um título de Hemingway ou de Steinbeck, Bocage, Junqueiro ou Pessanha.

Como dizia o «Paulista» Monteiro Lobato, “Um País se faz com Homens e Livros”. Tenham uma boa leitura.


Rui Teixeira

António Bondoso

29 de Julho de 2021.  


 

2021-06-12

Em Memória de Armando Bondoso.

Um Tio é um Tio...e este era o último do núcleo direto.
UM TIO PARTICULAR…mente relevante.

Armando Bondoso

Sem querer minimizar as ligações que me prenderam a outros tios – foram muitos e a cada um a sua história – o Armando ocupa uma posição de destaque no meu «Panteão» da Família. Por ser o mais novo dos irmãos – a uma década de intervalo – foi o «ai Jesus» de toda a gente. E teve direito a 3 nomes – quando dois era norma incontornável.
Armando Andrade Bondoso manteve as «iniciais» dos nomes do pai – António Almeida Bondoso – as mesmas iniciais que eu herdei – António Augusto Bondoso. Pode ter sido uma circunstância do acaso, é verdade. Mas não deixa de ser relevante quando nos metemos a «interpretar» a história.
Por ser o «ai Jesus» da família, o tio Armando foi merecedor da atenção protetora dos irmãos mais antigos, nomeadamente do meu pai Luís, com quem manteve uma longa proximidade. E dele me recordo, ainda jovem, à mesa da primeira casa onde vivi em S. Tomé, no Bairro da Conceição, uns anos antes de enveredar pela carreira da sua vida – trabalhador da Valle Flor – sobretudo ligado à cultura do cacau, no Rio do Ouro, primeiro, e em Diogo Vaz ao longo dos muitos anos em que permaneceu nas ilhas. Sabia de cacau como ninguém. Estudou o seu cultivo e os necessários cuidados naquelas duas grandes «universidades» de S. Tomé.
E a seguir…a nossa ligação mais profunda, que – para além da afinidade clubística – começou na responsabilidade de me levar de volta às Ilhas, depois de eu ter passado um ano atribulado em Moimenta da Beira, entre os 6 e os 7 anos de idade. E foi uma viagem longa até Lisboa com o seu quê de aventura. O carro de um amigo, que foi avariando por aquecimento, a travessia do Tejo numa barcaça em Abrantes e o deslumbramento de Lisboa. O susto que lhe preguei quando, cansado de desenhar barcos em ondas do mar imenso, saí do quarto da pensão e resolvi enfrentar a rua com uma multidão em movimento apressado. E quando dei por mim, estava perdido, sem noção do espaço. E chamei a atenção, gritando por ele, sem saber sequer o nome da Pensão. E foi essa agitação à minha volta, ali bem perto, que o conduziu ao meu encontro para seu grande alívio. Foi um enorme susto, confessou mais tarde.
E de novo o mar e de novo as Ilhas e por fim a Escola, antes do tempo do casamento, que ele havia «preparado» na sua vinda a Portugal, com passagem de charme por Moncorvo. E casou com a minha vizinha Floripes Tavares [do Bairro da Conceição] em 1958, dona de um «visual» de artista de cinema. E nesse dia usei gravata pela primeira vez, dizendo que já parecia o noivo! Desse casamento nasceu uma relação particular com a família Pontes, à qual me viria a ligar anos mais tarde, sendo os tios padrinhos de casamento da minha mulher.
E o Armando foi marido, e foi pai, e foi avô, mas continuou a ser tio. Estivemos sempre de acordo? Certamente que não, mantendo o respeito devido. O «choque» da descolonização foi, naturalmente, diferente [apesar das circunstâncias madrastas ainda teve força para caminhar e erguer um novo projeto de vida em Portugal], tal como a forma de ir percebendo o mundo. Mas conversávamos muito, até chegar o tempo em que a vida foi sofrendo e repetindo revezes. Mas não deixou de ser um tio especial com o qual fui partilhando memórias. E é de muitas delas que me vou alimentando. Por fim, contudo, foram as circunstâncias da pandemia a marcar o ritmo do relacionamento. E tudo se foi precipitando…até ao desenlace final. Com a sua partida, termina a gesta dos sete irmãos que foram educados musicalmente em casa do avô António, em Moimenta da Beira, antes do chamamento de África.
Deixo então à sua mulher, Floripes, ao seu filho Tozé, à sua nora Teresa e aos netos que adorava Pedro, João e Francisco um forte e sentido abraço, extensivo a todos os outros sobrinhos e afilhados que ainda permanecem.
Até sempre Tio Armando.


Armando Bondoso e Floripes Tavares com Virgínia, Luísa e António Bondoso
S. Tomé. 

António Bondoso
11 de Junho de 2021.