2017-04-24

Foto de António Bondoso

ABRIL PODERIA TER SIDO EM MARÇO…ou de como os militares, em 1974, tiveram dificuldades em comunicar e se viram envolvidos num fogo cruzado de informação e de contrainformação, envolvendo oficiais oriundos da Academia e sendo outros milicianos. Mas o 16 de Março, garante Manuel Monge, não foi um engodo de ninguém e muito menos do PCP. A operação desencadeada pelo RI5, das Caldas da Rainha, tinha como objetivo primeiro reagir às anunciadas demissões de Spínola e de Costa Gomes pelo regime de Marcelo Caetano.
 Manuel Monge diz sentir mágoa pela situação fortuita que levou ao falhanço do 16 de Março, nomeadamente as hesitações dos Paraquedistas que – segundo ele – eram incapazes de desobedecer à cadeia de comando e que, por isso, não deveriam ter sido contactados. Foi um erro, diz o general Monge, apesar de as Ordens de Operações apenas incluírem os Paraquedistas numa situação de “reserva”. Mas garante que estava tudo preparado pelo Movimento dos Capitães, incluindo o empenhamento de Otelo e de Jaime Neves, por exemplo e de outros elementos do RI5 como Casanova Ferreira.
Para além do episódio com os Paraquedistas, Manuel Monge refere igualmente problemas de última hora com alguns dos militares do CIOE de Lamego que não puderam tomar parte na operação. No fim, acrescenta, acabou por assumir a responsabilidade juntamente com Casanova Ferreira, tendo sido presos na Trafaria. Foram libertados na tarde do dia 25 de Abril por uma unidade de Vendas Novas. Era para ter sido uma força do Batalhão de Estremoz, mas foi preciso desviar esses militares para ajudar Salgueiro Maia no Largo do Carmo.
Apesar de tudo, Manuel Monge não sente desilusão com a sequência do golpe de 25 de Abril, excetuando talvez o problema da descolonização, cujo obreiro foi Melo Antunes, num período difícil da Guerra Fria. Pior não era possível – diz o gen. Monge – que não se esquiva igualmente a criticar o que chama de infiltrações esquerdistas, nomeadamente da Marinha, cujo rosto mais visível era o de Rosa Coutinho e que “nunca fez nada para o Movimento”. Por outro lado, o já Movimento das Forças Armadas, apesar das tentativas de Spínola, não conseguiu arregimentar o poder interventivo da ONU, ao contrário do que viria a passar-se anos mais tarde com a sensibilização para a resolução do problema de Timor-Leste.
E sobre a União Europeia, o gen. Monge diz que a Organização sucumbiu atualmente aos interesses do grande capital e da Alemanha, notando igualmente que há uma gritante falta de líderes e de liderança.
A propósito do 25 de Abril de 1974, quero ainda deixar um excerto de uma entrevista que o Coronel Castro Carneiro deu em 2014 aos alunos do Instituto Multimédia do Porto Tomás Cazaux e João Farpa. Castro Carneiro, que aderiu ao Movimento dos Capitães em Angola, em 1973, foi o oficial encarregado de distribuir as Ordens de Operações do golpe pelas unidades da Região Militar do Norte (Lamego, Vila Real, Chaves e Bragança), a partir do CICA, no Porto. Nessa entrevista, aquele oficial confessa que o sigilo era fundamental. Nem a sua mulher sabia dos movimentos para que foi destacado.  

https://youtu.be/3GZPiKgRBqQ


António Bondoso
Jornalista
Abril de 2017.  







2017-04-20




DE UM TÍTULO VERGONHOSO…À VERGONHA DE UM QUASE LEVANTAMENTO DE RANCHO

Olá.
A propósito da escravatura e de uma intervenção do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, durante uma visita ao Senegal, houve por aí mosquitos por cordas no seio da corporação dos Historiadores – a quem um deles chamou um dia manipuladores do tempo – acusando o presidente de alinhar com a chamada excecionalidade portuguesa. Utilizaram mesmo o termo vergonha ou vergonhoso. Mais uma vez em causa o que os ditos classificam como mito do benigno colonialismo português, consolidado durante o Estado Novo e varrido para debaixo do tapete depois de Abril de 1974. Um dos subscritores da carta hoje publicada no DN diz até que, na escola, nunca ouviu falar de escravatura. Mas eu estudei história e sabia, independentemente de fazer ou não parte da cartilha. Além disso, não foi fundamental licenciar-me em História ou em Antropologia para perceber os contornos do processo esclavagista no qual Portugal participou ativamente.
         Olá a quem estiver a ler este pequeno texto. Nunca ouviram falar de escravatura? Egito, Roma, Grécia…diz-lhes alguma coisa? Nunca leram ou nunca ouviram falar dos escravos africanos que os colonizadores europeus traficaram para a Europa, para a América do Norte e para o Brasil? Nunca ouviram falar de Lisboa cidade negra no séc. XVI? E já foram visitar o Museu da escravatura em Lagos, no Algarve? Quem nunca ouviu falar do tráfico de escravos e da participação portuguesa nesse processo ou quem nunca ouviu falar do trabalho forçado nas ex-colónias portuguesas…levante o dedo!
         Não sei ao certo se as palavras do presidente Marcelo em Gorée, no Senegal, terão sido retiradas do contexto do discurso e em que medida! Por isso, compreendo que alguns intelectuais – em Portugal ou noutros países – se tenham sentido tocados pelo choque de uma eventual imprecisão. O que disse Marcelo? "Recordei que Portugal aboliu, pela mão do Marquês de Pombal, pela primeira vez, a escravatura, numa parte do seu território em 1761 - embora só alargasse essa abolição definitivamente no século XIX -, e que nesse momento, ao abolir, aderiu a um ideal humanista que estava virado para o futuro".
            Não é um facto que, em 1761, houve um decreto publicado? É. A lei não foi cumprida? Pelo que sempre se soube…Não! E quantas leis não são ainda hoje objeto de incumprimento em Portugal? Pouca gente liga ao que os académicos investigam e publicam? Na presente conjuntura é aceitável. Temos 500 mil analfabetos e provavelmente 3 milhões que não percebem o que leem. Somando os efeitos das crises económica e financeira, é natural que os portugueses tenham outras preocupações. Por exemplo não passarem dificuldades, morrendo de fome ou por falta de medicamentos.
         Nada tenho de pessoal contra qualquer dos intelectuais que assinaram a carta publicada no DN. Não os conhecendo pessoalmente, valorizo o seu trabalho, claro, sabendo embora quão subjetiva pode ser a análise e a interpretação dos documentos em arquivo. As verdades são de acordo com os olhos de cada um. E depois, há essa ideia de Eduardo Galeano sobre os intelectuais, que eu partilho de certa forma. Ele não se considerava um guru, nem um sábio, nem tão pouco um intelectual pois – dizia – “os intelectuais são os que divorciam a cabeça do corpo”. E a razão cria monstros, acrescentava. Por isso, enfatizava, “há que raciocinar e sentir, há que pensar e sentir, pois quando a razão se separa do coração, tudo começa a tremer”.  
Vem tudo isto a propósito de um texto da jornalista Fernanda Câncio, no Público, com um título que eu percebo mas não aceito. É verdade que tem impacto – por isso “vende” – mas o texto não retira toda a verdade às palavras de Marcelo. Por isso, a palavra vergonha…é, de facto, vergonhosa. Marcelo fez a sua interpretação de um tempo histórico. Como fazem, legitimamente, os subscritores da carta publicada no DN. Mesmo se um deles, num texto à parte, confunde tráfico…com tráfego!
Já não bastava o futebol…agora o nervosismo passou também para o campo dos investigadores/historiadores. Apesar de tudo, diz um dos subscritores da carta que Marcelo acabou por reabrir o debate sobre a matéria, o qual saiu do âmbito académico para passar às redes sociais. Por mim não reabriu coisa alguma. Aqui vos deixo excertos do que tive oportunidade de escrever já em 2005 em ESCRAVOS DO PARAÍSO. Obrigado pela paciência.
António Bondoso 






António Bondoso
Jornalista.
20 de Abril de 2017.