2023-01-30


O MASSACRE…E A SOMBRA! Ou de como se assinala este ano o 70º aniversário dos acontecimentos de humilhação e de violência gratuita em Fevereiro de 1953, em S. TOMÉ, CIDADE, BATEPÁ, FERNÃO DIAS e  PRÍNCIPE, quando a morte saiu à rua: 


Da Web

--- «(…) O passado histórico não se vive todos os dias, mas vive-se eternamente. Porque há que lembrar!...E não se pode consentir que se repita». É uma síntese com um forte poder simbólico que me é transmitida por Frederico Gustavo dos Anjos, licenciado em Estudos Alemães mas que é sobretudo Poeta e ensaísta santomense.

--- «(…) a celebração do 70º aniversário do “Massacre de Batepá” no corrente ano será num quadro de elevadíssima tensão política, com uma sociedade dividida, temerosa, desesperançada, ao ponto de, sem rodeios, questionar a soberania.(…)»:- Alcídio Montóia, economista e pensador santomense, igualmente em testemunho a este meu blogue PALAVRAS EM VIAGEM.



O MASSACRE:

A.B. - Massacre, Revolta, Inventona ou “Guerra Inventada” pelo regime colonial português em S. Tomé e Príncipe em Fevereiro de 1953, à espera de que a memória do novo país vire a página negra e a catarse se feche. Mas a efeméride acontece num clima de tensão, nada favorável a um momento reflexivo. Pode deduzir-se dessa frase que Alcídio Montóia me escreveu, depois de aceitar o “desafio” que lancei nos seguintes termos: Dos 70 anos passados sobre a «revolta/massacre» de 1953, mais de metade já o foram depois da independência. Pode afirmar-se que a «data» é uma etapa já exorcizada pelo país, pelos dirigentes e pela população? Ou ainda não foi possível concluir a catarse?

ALCÍDIO MONTÓIA. - Enquanto houver testemunhas vivas dos nefastos efeitos dos grotescos acontecimentos de fev'53, dificilmente a catarse poderá ser dada como fechada. Por outro lado, tendo os acontecimentos de 1953 espoletado sentimentos soberanistas, que culminaram com a independência em 1975, agravados pela constatação de que a justiça não foi feita (Gorgulho não foi julgado e muita documentação ainda está como classificada ou extraviada) e perante o fraco desempenho económico e social do país nestes quase 50 anos de independência; há uma preocupação da classe política em manter esse episódio muito presente e sistematicamente revisitado, dado que é praticamente o único que ainda consegue agregar toda a sociedade e trazer para o presente os fantasmas do colonialismo. 


Da Web - Monumento aos Mártires de 1953

A SOMBRA:

A.M. - Ainda assim, perante os bárbaros acontecimentos de 25/11/2023 e a constatação de que, afinal, a capacidade para, gratuitamente, praticar o mal não é um exclusivo do colonialismo e a crescente cristalização na opinião pública do conceito de “colono forro”, assiste-se, de certa forma, a um relativizar dos acontecimentos de 1953 e a trazer à baila, ainda que em surdina, os “inconfessados pecados” da elite forra que alimentaram o clima de desconfiança entre a governação portuguesa e os ilhéus em 1953.

A.B. - Que fatores mais têm contribuído para isso? E o «ensino/aprendizagem» da História?

A.M. - Consequência de ter sido, durante décadas, objeto de exploração exaustiva para fins políticos e como agregador de uma consciência nacional que tarda em se afirmar, proliferam descrições mal fundamentadas do massacre, com impacto negativo sobretudo nos mais jovens. Enquanto subsistir esse peso estrutural do “Massacre de ‘53” na definição da nação, dificilmente o tema poderá ser abordado de forma factual e despido das emoções necessárias à afirmação da identidade.

De resto, a celebração do 70º aniversário do “Massacre de Batepá” no corrente ano será num quadro de elevadíssima tensão política, com uma sociedade dividida, temerosa, desesperançada, ao ponto de, sem rodeios, questionar a soberania. Muito possivelmente, a classe política, ladeada pelos “pais-fundadores-da -nação”, receosa da reação popular, apavorada e, muito provavelmente, ainda sem conhecer as conclusões do inquérito judicial aos acontecimentos de 25/11/2023; aproveitará a ocasião para ensaiar discursos pouco convincentes de reconciliação e de apaziguamento de espíritos. Veremos como será.


Da Web - Mortes em 25 Nov. 2022

A.B. – Por sua vez, FREDERICO DOS ANJOS não sobrepõe os acontecimentos de 1953 e de 2022, salientando que o recente 25 de Novembro foi “tão somente um momento de «perversão», embora também condenável e irrepetível”:

F.G.A. – São momentos históricos diferentes com contornos cada um deles únicos. Páginas de sangue e luto não se "apagam" com o tempo. Pode acontecer que se "referenciem" diferentemente através de gerações já que a cultura evolui no tempo, mas não deixarão de ser  marcos sobre os quais o futuro se edifica retomando sempre o simbolismo do que não se deve repetir. Sobre isso não há espaço para dúvidas: "non na ka pô kunxintxi 53 bilá bi fa." O 25 de Novembro de 2022 é tão somente um momento de "perversão". Também condenável e irrepetível.
O passado histórico não se vive todos os dias, mas vive-se eternamente. Porque há que lembrar!..."

         A.B. - Dos dramáticos efeitos/consequências dos acontecimentos desse longínquo ano de 1953, já largamente investigados – apesar da ideia de Alcídio Montóia de que “a justiça não foi feita (Gorgulho não foi julgado e muita documentação ainda está como classificada ou extraviada) – pouco mais de relevância haverá a acrescentar. Contudo, e como contraponto ao eventual desalento que se vive hoje em S. Tomé e Príncipe, fui recuperar uma recente declaração de Ana Maria Cabral, viúva de Amílcar Cabral, nos 50 anos da morte do líder africano, questionada pela Radio France Internacional sobre o legado de Amílcar e sobre se ainda vale a pena lutar em prol do pan-africanismo: “(…) O mundo já deu tanta volta, está tão estranho e já não tem nada a ver com o mundo daquela altura. Mas acho que vale sempre a pena lutar pelo pan-africanismo, porque há muitos tabus ainda a vencer. Foram muitos anos de colonização em África, há muitos preconceitos ainda sobre África, de maneira que é preciso lutar contra tudo isso, contra todos esses preconceitos, essas alienações, digamos assim, das quais os africanos ainda não conseguiram libertar-se. (…)”. 

Da Web- Monumento aos Mártires de 1953.

António Bondoso

30 de Janeiro de 2023.

Complementos da História em vídeo:

https://youtu.be/ubfAX8QdDd0







 

2023-01-26


E ASSIM SEGUIMOS CEGAMENTE…SOLIDÁRIOS!

Nas suas zonas de conforto, de alimentação e dormida dignas, há quem possa andar por aí…

O sol nasce...para todos!

Infelizmente, já poucos pensam na pandemia – ainda em rescaldo preocupante – e poucos refletem sobre a pobreza extrema, enquanto muitos esquecem a violência da guerra (de guerras mais precisamente) e as suas consequências dramáticas. Mas as guerras ficam longe, não são da nossa conta, pouco importa que morram 5 ou 500…«eles» que se entendam. Por cá, no “Ocidente” não é importante perceber se os cereais faltam – e as razões – e se os combustíveis aumentam. Fundamental é reivindicar, protestando, esquecendo passados implicados.

Mas isso não interessa nada. É apenas um devaneio meu, implicado com as (e nas) palavras.   

E assim seguimos cegamente solidários…até ao próximo estrondo!

Força portugueses, só vos faltam as qualidades para um «povo inteiro», como dizia Almada. 


Muito nevoeiro no Vale das 3 montanhas

António Bondoso

26 Janeiro 2023. 




 

2023-01-21


FAÇAM DE CONTA QUE EU NÃO ESTOU CÁ…embora saiba dos abutres e das excrescências que se vão lendo e ouvindo. Passo, apenas para dar o meu recado a António Costa. 


         Sei da tua fibra e do teu caráter. Por isso, adivinho que serás incapaz de «abandonar o barco», sobretudo numa altura muito difícil para o país – a guerra e a inflação – para além do «milagre» que é fundamental acontecer para que a economia não se afunde. E depois…essas «oposições» de bandarilha, analfabetas mas de facas afiadas, prontas para o assalto ao «poder» a qualquer custo. Cheira-lhes aos quentes aromas dos «fundos europeus do PRR». Até os sindicatos dizem que há muito dinheiro.

         Acresce o comportamento, quantas vezes menos ético do PR, a distribuir humilhações ao governo – por muito que ele seja ineficaz e trapalhão – desautorizando permanentemente a tua figura de «primeiro-ministro».

         Sabes que ele pretende governar com o parceiro ideológico natural, embora sabendo igualmente que MRS percebe que ninguém está preparado para o fazer nesta conjuntura muito difícil.

         Por isso, entendo que já é tempo – o ponto de não retorno – de não mais permitires humilhações quase diárias, e em direto nos média. No teu lugar, não estaria preocupado com o futuro, a não ser com aquele que é objeto da governação: os portugueses. Mas se até as «sondagens», mal ou bem orientadas pela opinião publicada, te colocam numa situação desagradável…não deves hesitar. Deixa o dilema para quem só pensa no poder. As revoluções trituram sempre os seus mentores.

         Como me disse um dia o Bispo D. Manuel Martins, …Qualquer poder corrompe. E todo o homem sonha Poder. Pormenorizando em seguida o Poder Político “ o mais nobre dos Poderes” (lembrou Pio XII uma das formas mais nobres da caridade), o Bispo Emérito de Setúbal frisou que ele pode, infelizmente, “dar em portas abertas para corrupção, injustiças de toda a ordem, boyismo, vaidades pessoais e familiares. Porém é uma função nobre. É uma das funções mais nobres. Exerce-se com autoridade confiada (eleições) em vistas a realizar um serviço inteiro, competente, feliz, a toda a Comunidade. «Eu sou tu». Político versus Sociedade”. 


Dia bom…e façam de conta que não leram.

António Bondoso

Janeiro de 2023. 


 

2023-01-20



No tempo da «outra senhora» não era permitido publicar notícias más ou desagradáveis…nos tempos que vão correndo esquecem-se as notícias boas e positivas ou, simplesmente, vão sendo «varridas» e empurradas para baixo dos computadores. 

É como que uma «escola» seguidista, sem criação e – quantas vezes – até mesmo sem reação. Dito de outra forma, são os média «justiceiros», não lhes bastando o poder de escrutínio e de crítica. O «Populismo» começa aí, sem dúvida. Embora o PR diga que “escrutinar governantes não é populismo”. E não esquecendo que ele próprio foi distribuindo publicamente «guias de marcha» a Ministros e a Secretários de Estado, esquecendo o dever institucional do recato, cedendo – naturalmente – ao populismo. Agora, contudo, diz não se pronunciar sobre casos concretos.  

         Vai daí, lembrei-me que poderia legitimamente «formar» o que se pode designar como O MINISTÉRIO DOS «MÉDIA». Omniscientes, Omnipresentes e Omnipotentes, desfilando ou fazendo desfilar uma enormidade de especialistas e de comentadores.

Todos juntos, descobriram recentemente que, afinal, o governo não tem apenas 10 meses de maioria absoluta. O «desgaste», dizem, já vem de 7 anos de governação anterior. Uma conclusão de alguma verdade, não se desse o caso de – desde 2015 – os ministros terem entrado e saído ou simplesmente terem mudado de pastas, de acordo com a necessidade de ir ultrapassando as dificuldades que foram surgindo. Todos sabemos quais foram e vão sendo. Como sabemos, igualmente, que nem sempre as escolhas são fiáveis. E de repente, alguém se lembrou da «ética republicana». Que não se deve limitar aos governantes e aos políticos de uma forma geral, incluindo o PR e as oposições, para já não falar dos média. Que, do meu modesto ponto de vista, poderiam formar, mais ou menos assim, o «Novo Ministério»: 




RTP = 1ºM, Ministros De Estado e das Comunidades.

SIC = Infraestruturas e Propaganda

TVI = Economia e PRR

Público = Assuntos Parlamentares

JN = Finanças e Descentralização

Observador = Nomeações e Negócios Estrangeiros

CM = Entretenimento e Fait Divers

Lusa = Ética Republicana.

DN = Cultura. E História e Geografia, para além das «Artes», claro.

====Deixo ao vosso critério o desafio de um exercício com resultados diferentes. E não resisto, mais uma vez, a recuar aos tempos das «farpas» de Eça e de Ramalho:       
“(…) Portugal, não tendo princípios, ou não tendo fé nos seus princípios, não pode propriamente ter costumes.

Fomos outrora o povo do caldo da portaria, das procissões, da navalha e da taberna. Compreendeu-se que esta situação era um aviltamento da dignidade humana: e fizemos muitas revoluções para sair dela. Ficámos exactamente em condições idênticas. O caldo da portaria não acabou. Não é já como outrora uma multidão pitoresca de mendigos, beatos, ciganos, ladrões, caceteiros, que o vai buscar alegremente, ao meio-dia, cantando o Bendito; é uma classe inteira que vive dele, de chapéu alto e paletó.

Este caldo é o Estado. Toda a Nação vive do Estado.” (…) Ou quer e pretende viver!

António Bondoso

Janeiro de 2023. 


 

2023-01-17



Apresento-vos um «Romance» de pequenas histórias (2008) que liga o Porto a Angola e a S. Tomé e Príncipe, durante a «Guerra Colonial». 

UM LIVRO DE VEZ EM QUANDO…ou de como dar uso às memórias, num tempo em que a memória é curta. E viajar, pelas palavras, a latitudes outras que também me marcaram em África – como é o caso das que escreveu António Cadete Leite, médico, professor universitário e escritor, que nos deixou fisicamente em 2016. MEMÓRIAS COLONIAIS, de 2008, foi um dos livros com que nos brindou, editado pela Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto. 

         E é dele que me tocam algumas das histórias, nomeadamente de Angola, com passagem em S. Tomé e Príncipe, abrindo – ainda antes do «prefácio de Francisco Duarte Mangas» – com um soberbo desenho do saudoso mestre José Rodrigues. 



         Este livro de Cadete Leite quase me parece um «romance» de ou com pequenas histórias – no fundo, todos passam por aí – no qual há uma narrativa perfeita de um romance comum adaptada, naturalmente, às breves circunstâncias de cada momento de ação.

         A escrita do autor facilmente nos coloca dentro do «ambiente» de cada história, mesmo para quem não esteja familiarizado com o tema, o espaço e o tempo – o antigo “Ultramar” e a “Guerra Colonial”.

         Com uma linguagem simples e direta e com diálogos vivos até à quebra do «suspense», como no caso do “Viajante Clandestino”, o médico Cadete Leite foi passando um relato breve das suas vivências em Angola, escolhendo situações que o marcaram, não só pelo inédito mas também pela excentricidade de cada história. Das várias, volto ao «Viajante Clandestino» para recordar o insólito de um pedido do então (1966) ministro do Ultramar – Silva Cunha – dirigido ao então governador-geral Silvério Marques, a fim de tentar conseguir, nos “Estados Gerais Universitários de Angola” [Cadeira de Anatomia do Curso Médico-Cirúrgico], um «esqueleto» para que a sobrinha do senhor ministro pudesse preparar, no sossego do seu domicílio em Lisboa, a difícil disciplina. Eram peças caras e não abundavam nas Faculdades no Portugal metropolitano. Angola ia avançada, portanto. E o esqueleto lá conseguiu passar nas malhas da «Alfândega», numa mala de madeira envernizada e com pega de couro.

         Uma outra, que também envolve o saudoso Professor Nuno Grande, camarada de Cadete Leite no Laboratório de Anatomia, em Luanda, tem a ver com a atitude (demasiado) protetora da mulher de outro governador-geral – Rebocho Vaz – quando pretendeu, na manhã de um exame na Faculdade e já com os alunos prontos para tal, que a filha pudesse sair da sala para «ir tomar o pequeno-almoço» na secretaria ou no refeitório. Cadete Leite, avesso a «cunhas», propôs que a filha do governador (Conceição) – não podendo sair da sala sob pena de ser excluída do exame – tomasse mesmo ali o “matabicho”. Seria a própria «Ção» a resolver o imbróglio, de difícil gestão para o professor, dizendo não lhe apetecer o pequeno-almoço.

         Para não desvendar o conteúdo completo desta obra de “Memórias Coloniais” – não posso nem o devo fazer – quero apenas referir mais uma «salgada» história de Cadete Leite, que envolve a mulher de um governador de S. Tomé e Príncipe, em Julho de 1964, na sequência de uma evacuação/retirada de feridos da guerra em Angola para Lisboa. O DC6 receberia no aeroporto de S. Tomé «mais um doente, civil, urgente» que seria acompanhado pelo Dr. Fialho. Nem mais nem menos do que a mulher do governador, “diagnosticada” com leucemia mas que, já em pleno voo para Lisboa, Cadete Leite viria a saber tratar-se de um «expediente» para justificar o transporte em avião militar. 



         Encomendem o livro à AJHLP e divirtam-se com a leitura.

homens.deletras@gmail.com

António Bondoso

17 de Janeiro de 2023.            



 

2023-01-13

UM AUTÊNTICO «BANHO DE MULTIDÃO»…e nem sequer estou em campanha eleitoral para um qualquer cargo político. Ou de como se pode tornar em paradoxo a celebração do «envelhecimento». 


da Web

Potenciado naturalmente pelas «redes sociais», o facto de celebrarmos hoje um aniversário é exigente. Contrastando com a calmaria da ocorrência do evento no sossego do apartamento, é perturbantemente visível a agitação mostrada no computador ou no Smartphone de cada um.

         Mais uma vez aconteceu comigo e sei que o mesmo acontece a outros amigos. Sem uma certeza absoluta, creio ter «respondido» a todos quantos me contactaram ou, pelo menos, ter assinalado a perceção da «mensagem». É uma tarefa esgotante, sem dúvida. Mas faz parte deste mundo inquieto. A habituação é que demora.

         Mas vale-me a paciência, pois eu ainda sou de um tempo em que não eram permitidas manifestações. Nem casa nem na rua. E eu já me considerava um protestante militante, de mau feitio. 


da Web

         Hoje dou graças às conquistas de Abril, sem delas fazer uso indevido ou injustificado. Quando fui «maltratado» por outros e diferentes governantes deste país, não houve «sindicato» ou «associação» que me defendesse.

         E é assim…Dia Bom.


Da Web 

António Bondoso

Janeiro de 2023. 


 




2023-01-05


CRUZO-ME HABITUALMENTE COM PALAVRAS EM JORNAIS E EM LIVROS…mas este “100 – SEM REPETIR” é um exemplo muito particular dessa ligação. 

Paulo Freixinho - Cruciverbalista

E não foi por acaso nem tão pouco se pode considerar como «de vez em quando», pois o livro é objeto da minha primeira abordagem à literatura, neste Blogue, no início de 2023. Da autoria de Paulo Freixinho, que nasceu em Lisboa mas vive no Barreiro desde tenra idade, a obra pode ser considerada como UMA CRUZADA DE PALAVRAS…um desafio que o seu autor lançou aos amantes do cruzadismo português, no final do ano que findou. Como ele refere no seu «prefácio», o livro foi criado como se fosse o último. 



         Quem é amante deste exercício, sabe que «palavras cruzadas» significam «um jogo ou passatempo, no qual se deve preencher uma grelha de palavras que se entrecruzam de forma vertical e horizontal, a partir das mais diversas “pistas”». O caso é que o livro, aqui em apreço, vai muito para além desse normal e atrativo – por vezes viciante – exercício. Nas 100 «grelhas» que enformam a obra, não há repetição de palavras. É mesmo obra este desafio de Paulo Freixinho que, como já nos vem habituando, procura encontrar um certo equilíbrio entre o conhecimento e o entretenimento. E as suas «fontes», nas quais fez o favor de me incluir – gesto que agradeço do fundo do coração – são uma mais-valia para o espírito de quem se apaixona pelas palavras. 



         Exemplo de uma das suas «Notas de Autor», a 48, na página 116, contém referências aos PALOP: “Bem que gostaria que este livro lá chegasse, pois sei que há por lá adeptos das Palavras Cruzadas, principalmente em Angola e Moçambique. Não é fácil, por vários motivos, mas talvez pudesse lá chegar através de canais diplomáticos. Seria Bom.” Igualmente uma nota de atenção para a CPLP e para o Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP). 



         Aqui, neste “100 repetir”, vai poder descobrir e «alinhar» mais de três mil e quinhentas palavras, acompanhadas de “oportunas notas de autor”, nas quais Paulo Freixinho conta mesmo “algumas histórias relacionadas com esta aventura de ser cruciverbalista” há mais de trinta anos, tendo começado a sua vida profissional como desenhador gráfico. E depois, os «dicionários» mudaram-lhe a carreira e a vida. Desde 1990 já colaborou com meios tão diversos como O Público (ainda permanece), o Jornal de Angola, A Voz de Trás-os-Montes, as Selecções do Reader’s Digest ou o Almanaque Bertrand. 



         Hoje, com a felicidade de «avô» no horizonte, Paulo Freixinho continua a criar e a divulgar Palavras Cruzadas nas suas plataformas online e a dinamizar o Clube de Palavras Cruzadas dirigido a escolas e bibliotecas.

Parabéns Paulo Freixinho…e saúde para continuar a «xurdir»!

Encomendas do Livro: - www.palavrascruzadas.pt

livro pode ser encomendado: https://loja2.palavrascruzadas.pt/products/100-sem-repetir 


António Bondoso

Janeiro de 2023. 







 

2023-01-02

QUANDO TODO E QUALQUER UM…bota faladura sobre Pelé – aquele que no Brasil foi descrito como um «(…) verdadeiro garoto, o meu personagem anda em campo com uma dessas autoridades irresistíveis e fatais. Dir-se-ia um rei, não sei se Lear, se imperador Jones, se etíope. Racialmente perfeito, do seu peito parecem pender mantos invisíveis. (…)»

Foto da Web

Eu não «conheci» Pelé, nunca o vi jogar «ao vivo», apenas recordo imagens [cinema e televisão] de alguns momentos do maior futebolista do seu tempo. Talvez até de sempre! Curioso, é ver e ouvir – hoje – alguns «rapazes dos jornais e da Tvs», que só nasceram depois de 74, a falar do «homem» e do futebolista Edson Arantes do Nascimento.

         Eu tenho bem presentes as imagens desse campeonato do mundo de 1966, em Inglaterra, concretamente do jogo contra Portugal. Foi duro, muito duro, ver a forma como se lesionou, na sequência de uma «marcação» implacável por parte dos jogadores portugueses. E acabaria por ficar fora do mundial, não só pela lesão, mas pelo facto de o Brasil ter sido eliminado ainda na fase de grupos.

         Mas os tempos de «glória», que já vinham de 1958 e de 1962, voltaram no mundial de 1970. E no Santos, como voltaria a ser na seleção, Pelé foi o 1º a conquistar a Taça Intercontinental a duas mãos, com o Benfica, em 1962. No Brasil, o Santos venceu por 3-2, com 2 golos de Pelé que, no jogo em Lisboa, voltaria a marcar por 3 vezes, sendo o resultado final de 2-5. 

Foto da Web

         E depois do mundial de 1970, Pelé ainda teve tempo e honra para salvar as suas finanças e ajudar o futebol nos EUA, representando o «Cosmos» de Nova Iorque entre 1975 e 1977.

         Como não vi e não sei tudo sobre o «astro rei» Pelé, socorro-me de um texto que me chegou por e-mail do meu amigo André Freire [Lamego], que o recebeu da sua amiga Teresa Gouda, do Rio de Janeiro. O texto, da autoria do jornalista Nélson Rodrigues, datado de 8 de Março de 1958 e com o título “A Realeza de Pelé”, diz assim: 


Foto da Web

«Depois do jogo América x Santos, seria um crime não fazer de Pelé o meu personagem da semana. Grande figura, que o meu confrade [Albert] Laurence chama de “o Domingos da Guia do ataque”. Examino a ficha de Pelé e tomo um susto: — dezessete anos! Há certas idades que são aberrantes, inverossímeis. Uma delas é a de Pelé. Eu, com mais de quarenta, custo a crer que alguém possa ter dezessete anos, jamais.

 

Pois bem: — verdadeiro garoto, o meu personagem anda em campo com uma dessas autoridades irresistíveis e fatais. Dir-se-ia um rei, não sei se Lear, se imperador Jones, se etíope. Racialmente perfeito, do seu peito parecem pender mantos invisíveis. Em suma: — ponham-no em qualquer rancho e a sua majestade dinástica há de ofuscar toda a corte em derredor. O que nós chamamos de realeza é, acima de tudo, um estado de alma.

 

E Pelé leva sobre os demais jogadores uma vantagem considerável: — a de se sentir rei, da cabeça aos pés. Quando ele apanha a bola e dribla um adversário, é como quem enxota, quem escorraça um plebeu ignaro e piolhento. E o meu personagem tem uma tal sensação de superioridade que não faz cerimônias. Já lhe perguntaram: — “Quem é o maior meia do mundo?” Ele respondeu, com a ênfase das certezas eternas: — “Eu.” Insistiram: — “Qual é o maior ponta do mundo?” E Pelé: — “Eu.” Em outro qualquer, esse desplante faria rir ou sorrir.

 

Mas o fabuloso craque põe no que diz uma tal carga de convicção que ninguém reage, e todos passam a admitir que ele seja, realmente, o maior de todas as posições. Nas pontas, nas meias e no centro, há de ser o mesmo, isto é, o incomparável Pelé. Vejam o que ele fez, outro dia, no já referido América x Santos. Enfiou, e quase sempre pelo esforço pessoal, quatro gols em Pompeia. Sozinho, liquidou a partida, liquidou o América, monopolizou o placar. Ao meu lado, um americano doente estrebuchava: — “Vá jogar bem assim no diabo que o carregue!” De certa feita, foi até desmoralizante. Ainda no primeiro tempo, ele recebe o couro no meio do campo. Outro qualquer teria despachado. Pelé, não. Olha para a frente, e o caminho até o gol está entupido de adversários. Mas o homem resolve fazer tudo sozinho. Dribla o primeiro e o segundo. Vem-lhe, ao encalço, ferozmente, o terceiro, que Pelé corta sensacionalmente.

 

Numa palavra: — sem passar a ninguém e sem ajuda de ninguém, ele promoveu a destruição minuciosa e sádica da defesa rubra. Até que chegou um momento em que não havia mais ninguém para driblar. Não existia uma defesa. Ou por outra: — a defesa estava indefesa. E, então, livre na área inimiga, Pelé achou que era demais driblar Pompeia e encaçapou de maneira genial e inapelável. Ora, para fazer um gol assim não basta apenas o simples e puro futebol. É preciso algo mais, ou seja, essa plenitude de confiança, de certeza, de otimismo que faz de Pelé o craque imbatível.

 

Quero crer que a sua maior virtude é, justamente, a imodéstia absoluta. Põe-se por cima de tudo e de todos. E acaba intimidando a própria bola, que vem aos seus pés com uma lambida docilidade de cadelinha. Hoje, até uma cambaxirra sabe que Pelé é imprescindível na formação de qualquer escrete. Na Suécia, ele não tremerá de ninguém. Há de olhar os húngaros, os ingleses, os russos de alto a baixo. Não se inferiorizará diante de ninguém. E é dessa atitude viril e, mesmo, insolente, que precisamos.

 

Sim, amigos: — aposto minha cabeça como Pelé vai achar todos os nossos adversários uns pernas de pau. Por que perdemos, na Suíça, para a Hungria? Examinem a Fotografia de um e outro time entrando em campo. Enquanto os húngaros erguem o rosto, olham duro, empinam o peito, nós baixamos a cabeça e quase babamos de humildade. Esse flagrante, por si só, antecipa e elucida a derrota. Com Pelé no time, e outros como ele, ninguém irá para a Suécia com a alma dos vira-latas. Os outros é que tremerão diante de nós.»



Foto da Web

Até sempre Pelé.

 

António Bondoso

2 de Janeiro de 2023.