2020-12-31

SE O NOVO ANO VIESSE DO CÉU

Ant. Bondoso

SE O NOVO ANO VIESSE DO CÉU

Se a viragem do ano transportasse em si mesma o valor absoluto do bem-estar e da justiça, seria como que um momento perfeito da humanidade.

Contudo, é muito complicado este mundo habitado por humanos!

Desde o início dos tempos sempre a pesar a vida e a morte, matar ou morrer, viver e sobreviver, a pobreza e a riqueza, a alegria e a tristeza, o belo e o feio, o mal e o bem, a felicidade e a miséria, o poder e a submissão, o pecado e a graça, a mentira e a verdade, a dúvida e a certeza, a traição e a lealdade, o amor e ódio, o perto e o longe.

Por isso me tenho interrogado inúmeras vezes se haverá um tempo justo.

Não sei se o tempo existe nem sei se haverá tempo para isso. Uma dúvida existencial como tantas outras, uma questão filosófica talvez – ontológica certamente e quase a confundir-se com a metafísica. O tempo não é velho nem é novo – recordando o que há dias escrevi a propósito de uma ideia “abadesca” situando o paradoxo do Natal (como tempo de nascer) e da morte (igualmente tempo de nascer numa ou para outra dimensão). Neste ponto…é a Fé a sobrepor-se. Como que uma retórica de conforto em tempo de dor. Mas nestes tempos de crise – o que é realmente importante é o conforto de viver em dignidade! E essa...só será conseguida com um tempo novo.

Voltamos, portanto, à existência do tempo. E quem não se lembra daquela “ladainha” em que o tempo pergunta ao tempo quanto tempo o tempo tem…e o tempo responde ao tempo que o tempo que o tempo tem é tanto tempo…quanto tempo o tempo tem! A ser assim, penso não deixar de ser fundamental que esta asserção englobe toda e qualquer circunstância, toda e qualquer medida.  

Por isso, seja-me permitido esperar legitimamente que venha aí um tempo novo, um tempo de justiça e de felicidade. E desejar a todos que assim seja, com muita saúde para viver esse tempo – um intervalo entre a vida preenchida de altos e baixos…e essa ideia real que podemos situar entre o negro tétrico e o cinzento mais ou menos enigmático.

Pensando positivo, lá vamos a caminho do Novo Ano/Ano Novo...levados pelos ventos de uma liberdade conquistada e defendida com sacrifícios de vária ordem. E que agora clamam por mais felicidade e mais justiça.

E se…

Se o novo ano viesse do céu

Por certo seria azul

E diferente, pois então!

Para melhor

Sempre a caminho do sul

Guiado pelas estrelas

De um enorme coração.

 

Se o novo ano viesse do céu

Por certo seria azul

Tal como as águas tranquilas do rio

Ou do mar alto que sei.

Diferente e para melhor

Sempre em busca do calor

De um imaginário que é meu

Do qual gostei e que amei.

 

Se o novo ano viesse do céu

Talvez o mundo tivesse a cor dos meus olhos!

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António Bondoso

(Dez de 2017)


Ant. Bondoso

António Bondoso
Dezembro de 2020 - Ano da Pandemia. 







 

2020-12-23

Não há duas depressões iguais.



Uma depressão pela «pandemia» tem como causas o medo, sobretudo, acompanhado de incerteza e de angústia. E de sofrimento, claro, tendo em conta as sequelas. Mas há hoje esperança na cura!

A depressão pela «perda» de uma mãe é muito mais complexa e nunca será curada. Não há vacina que possa evitar o contágio! Eu, infelizmente, fui atingido ainda muito jovem. Podem crer que foi devastador, como poderão ler neste relato de memória. Era Dezembro…e o Natal ficou adiado. Há 49 anos:

Foi uma despedida triste, de esperança quase nula, nesse Dezembro de um calor húmido e tórrido, na placa do aeroporto, à beira de um avião que me levava o berço aconchegante, o colo de um amor maior, a fonte da minha energia e do meu equilíbrio no mundo dos adultos. Meio perdido, nem choviam lágrimas nem transpirava soluços. Estava apenas ali, sem dizer fosse o que fosse, sem ouvir as vozes que justificavam a partida, como que uma derradeira tentativa para reverter a doença que a minava. Não sei mesmo se ela acalentava alguma esperança nessa viagem que os médicos determinaram, como se o Hospital do Ultramar fosse de facto a solução. E partiu, e eu praticamente imóvel a olhar para além dela, sem um gesto, sem um grito, sem um choro, que me doía o peito, que me toldava a visão e me arrepiava os tímpanos esse ruído dos motores do «friendship» a preparar-se para levantar voo. E já no «ar»…houve sonhos que ficaram suspensos e pesadelos que se apresentaram. Foi ali que senti que a perdi!

Dezembro de 2020.

António Bondoso


 

2020-12-11


HÁ SELOS QUE VALE A PENA GUARDAR…e recordar!



HÁ SELOS QUE VALE A PENA GUARDAR…e recordar! Ou de como a História de um país se vai perpetuando nas coleções dos CTT, este ano a assinalar 500 anos de existência, recuando ao tempo em que o rei D. Manuel I criou os Correios – ou Correio de Serviço Público – de Portugal e o cargo de Correio-Mor do Reino. Mais interessante ainda quando a proximidade nos proporciona cruzar caminhos com o autor de um selo, baseado na qualidade e na beleza de uma fotografia capturada por um amigo como é o lamecense João Oliveira. 


         A foto e o selo têm como «cenário» a Romaria de N. Senhora dos Remédios, em Lamego – precisamente uma das romarias que completam o álbum idealizado pelo Prof. Paulo Mendes Pinto e cuja edição bilingue atingiu 4 mil exemplares numerados, com o título genérico de «Festas e Romarias – Lugares de Fé». Não foi um processo fácil de seleção, mas a qualidade da foto do selo e de outras fotos que integram o capítulo dedicado à Senhora dos Remédios é inquestionável.

         Parabéns ao João Oliveira, pelo momento e pela técnica das fotos, parabéns aos CTT pela iniciativa que decorre desde o ano de 1983, sem interrupção, com o título genérico de «Portugal em Selos», parabéns à Câmara Municipal de Lamego pelo apoio ao João Oliveira.  



Neste 5º centenário da empresa mãe, o álbum completo bilingue tem a assinatura de Jorge M. Martins e a tradução de José Manuel Godinho, numa edição limitada de 7 mil exemplares, dedicada especialmente à música. De Beethoven a Amália Rodrigues, a edição teve como ponto de partida o concerto patrocinado por D. Manuel I, em Évora, quando nomeou o primeiro Correio-Mor do Reino. 



António Bondoso

Dezembro de 2020. 





 

NATAL DE FÉ em «Lugares de Fé»…ou de como a responsabilidade a que nos obriga a «pandemia» não nos pode provocar maior angústia e demasiada ansiedade. Devemos aceitar que é um Natal diferente, mas não podemos deixar de celebrar!


Foto de A.B. 

E como eu escrevia há dois anos, não pensemos apenas na «Árvore»!

As circunstâncias convocam-nos a um maior recolhimento, mas não devemos esquecer a «magia», por um lado, e a «ação», por outro. Não coloquemos de lado o exercício repetido do recurso à geografia mundial do sofrimento, da miséria e da guerra…mas centremo-nos aqui, nas dores do que somos e do que vivemos.

         Ouvimos muitas vezes as palavras que viajam, como o espírito, a alegria, a paz, mas esquecemos frequentemente a ideia de que o Natal é um tempo solidário e de partilha.

         Sem qualquer ponta de demagogia – e ao contrário de algumas «mensagens» natalícias que já ouvi e li – eu venho falar-vos dos milhares de árvores despidas e dos milhões de barracas que nem sequer têm lugar para uma árvore. Venho falar-vos desse símbolo máximo do consumismo e de um Pai-Natal que só «viaja» em determinadas latitudes, sem tempo nem espaço para visitar milhões de chaminés frias de vida e vazias de sentido.

         Venho falar-vos também de árvores sem raízes, praticamente mirradas por falta de um carinho diário. Venho dizer-vos que os homens esqueceram a boa nova da chegada de Cristo redentor; e lembrar-vos de que o «presépio», na universalidade da mensagem, não precisa de musgo nem de «reis magos» mas sim da nossa «presença». Li há dias na Igreja da freguesia onde nasci que a «Família é um lar de intimidade, um berço de humanidade», uma ideia extraída da Pastoral da Diocese de Lamego para 2020/21. Pensamento de enorme alcance, claro. O que me pergunto é…quantos cristãos, entrando ou saindo da igreja, fazem habitualmente seu esse berço da humanidade, perante o «outro», olhando à sua volta e tentando perceber a tristeza do «vazio»?

         Saibamos olhar, saibamos escutar, saibamos agir. Com Fé!



Foto de A. B. 

António Bondoso

Dezembro de 2020.