2018-07-24

UM LIVRO DE VEZ EM QUANDO…NESTE ANO DE 2018.
Da beleza natural do cair da noite…à poderosa lindeza das palavras entrançadas do santomense Albertino Bragança – um «paisagista» nato.  


Ponderado na escrita e na seleção das ideias, pode dizer-se que este «Homem», que já era «doutor» antes da literatura, adotou um «leve-leve Q.B.» na sua produção literária, procurando antes a certeza do impacto e a previsão do sucesso em cada título dado à estampa.
O cair da noite, nos trópicos, é um fenómeno de rara beleza. E cheio de vida, ao contrário do que se possa imaginar. A melodia dos mais diversos sons (o fascínio do regresso a casa dos papagaios, na Ilha do Príncipe, por exemplo), as cores do sol poente, a tonalidade das águas do mar, um cenário idílico. S. Tomé e o Príncipe não fogem à regra. Mesmo que depois a “noite fique cerrada e chuvosa”, como o autor escreve na primeira frase do primeiro capítulo desta sua obra de 2017 – AO CAIR DA NOITE!
Paisagista nato, como disse, verdadeiro conhecedor da Natureza das Ilhas e da natureza dos seres humanos que as habitam…Albertino Bragança começa por não esquecer o secular «boato», mais recentemente também designado por “rádio boca a boca”, um mal enraizado desde sempre e que, não raras vezes, terá estado na origem de alguns conflitos célebres – como por exemplo a chamada “crise do censo”, quer na época colonial, quer já no período pós independência. O boato está precisamente no cerne do enredo da obra em apreço.
Político experiente e conhecedor dos meandros sensíveis da vida dos gabinetes ministeriais – o autor desempenhou nomeadamente o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros – a temática alimenta todo o romance, destacando-se a conciliação entre o ministro Virgílio Carvalho e o diretor de serviços João Sabino, cujas famílias andavam desavindas há décadas, precisamente na sequência da crise do censo. Em contraste com essa atitude, a intransigência de um Primeiro-Ministro que havia exigido a distribuição de lugares apenas para funcionários das suas cores, independentemente da sua competência.
Trata-se de um romance, é ficção, e desta história não poderá retirar-se qualquer «semelhança com a realidade», pese embora a liberdade de os leitores conduzir as suas ideias para um determinado alvo.
Contudo, não deixa de ser verdade que a reflexão de Albertino Bragança aponta para o desejo de pacificar a sociedade santomense, inclusivamente no que respeita às «famílias partidárias». Mas o respeito pela nobreza do exercício da atividade política não pode pressupor o aniquilamento da capacidade das oposições para o «combate», embora se admita um enfraquecimento temporário.
Confesso não estar na minha ideia inicial transformar a essência desta apreciação literária num eventual «debate» político, muito menos partidário. Retomo, por isso, outros pontos de vista que despertaram o meu interesse neste «Ao Cair da Noite» e, dada a minha proximidade com as Ilhas, notar desde logo a minha identificação com algumas expressões superiormente utilizadas pelo autor. Há quanto tempo eu não lia/ouvia a palavra “estacar”! E Albertino usa a expressão por mais do que uma vez neste livro. Tal como utiliza expressões do português corrente falado à «moda terra», enriquecendo a narrativa: “Gente só precisa saber se você ainda quer sua mulher ou não. Só assim gente pode saber qué que gente faz”. Ou esta perspetiva de uma festa de arromba no aniversário do avô Júdice: “Ambiente vai ficar ele próprio! É feriado, ninguém não pode faltar. Você Já!...”. E fá-lo tão naturalmente como nos brinda, em simultâneo, com a beleza e leveza do mais puro léxico na língua de Camões, dando corpo à sua veia de paisagista nato: “Olhou de relance pela baixa janela o tempo magnífico que fazia lá fora, o vento balouçando delicadamente os ramos das árvores e tornando mais amenos os efeitos dos raios de sol, num lírico início de tarde como apenas a gravana pode proporcionar”. E se não valorizam esta, posso oferecer-vos outra, convicto de que não quebro qualquer regra deontológica. Pelo contrário, pretendo despertar o interesse na leitura da obra: “Sumia a tarde, mas redobrava de vigor o rumorejar do vento nos terrenos anexos ao grande quintal. A noite aproximava-se sem demasiada pressa, como se pretendesse contemporizar-se com a réstia mortiça do sol despedindo-se lá longe, na fímbria estreita do horizonte”.
Ao Cair da Noite, de Albertino Bragança, para se deliciarem. 


António Bondoso
Jornalista
Julho de 2018. 


2018-07-18

100 ANOS (OU QUASE)...FOI POUCO TEMPO!
UM PEQUENO TRIBUTO A UM GRANDE HOMEM, A UM GRANDE LÍDER.


Há 5 anos escrevi:
NELSON MANDELA – O POEMA DO HOMEM COMEÇA AGORA!

“Tudo principia no princípio/o nascimento e a morte/…/ - O poema principia no fim!”
São letras e palavras de um poema de Luís Veiga Leitão que, tal como Madiba, conheceu os horrores da prisão e da tortura. E como disse Mandela, “tudo é considerado impossível até acontecer”! Por isso, o seu “poema” começa agora. Para que a memória não se apague e possa iluminar os que tomaram as rédeas do destino. Nelson não mudou apenas um país. Conseguiu (re) construí-lo sobre os escombros de um regime controverso, polémico, desumano. E fê-lo com um grande coração e com uma mente aberta e visionária. Mandela soube perdoar sem perder a firmeza dos grandes líderes. E não conseguiu apenas um Estado democrático e de direito – ganhou também uma Nação.
Partilhou a dor e o sofrimento mas igualmente a alegria de não levar consigo qualquer segredo. Todos puderam aprender as suas lições de vida, seguindo pensamentos metodicamente elaborados e que – nesta hora do seu passamento – quase atingem o limite da vulgaridade.
Socorro-me então, de novo, de Luís Veiga Leitão – para recordar que, ao prisioneiro (como um navio), pode cair-lhe a pintura e até o próprio nome, “Mas o mar está dentro dele/ e não há força que o dome”. E o Poeta e Mandela foram homens que vieram “dos cárceres da noite” e “vestidos de pedra”.
Perante tais gigantes, escuso-me a dizer mais seja o que for. Prefiro partilhar o silêncio dos humildes. E sei que o “poema” de Nelson Mandela começa agora…no fim!
António Bondoso
5 Dezembro de 2013.
Depois, em 2014, fiz publicar um «Pequeno Tributo» no livro EM AGOSTO...A LUZ DO TEU ROSTO, como segue: 


PEQUENO TRIBUTO…

(“A bondade do homem pode ser escondida, mas nunca extinta” – Nelson Mandela).

Confessas?
*Justiça!
Negas?
*Justiça!
Que pretendes?
*Justiça e Liberdade!
A prisão há de vergar-te.
*Nunca! “Sou o dono do meu destino”.
Vais sofrer encarcerado
*Serei livre…sofrendo! “Sou o capitão da minha alma”.
Na ilha definharás
*O meu horizonte é o Povo.
Mas é um povo amordaçado, espezinhado, oprimido, subjugado…
*Levantar-se-á no martírio e beberá as lágrimas da Dignidade!

“Ergueu-se, derramou sangue e suor
Moveu montanhas solidárias
O mundo percebeu toda a urgência
E fez com que mudasse tal tragédia.

 Então o Homem
“Tata” Madiba,
De punho erguido e coração radioso
Provou do Poder toda a justiça
Caminhou humilde em busca de um tempo novo
E mostrou ao país uma nação.
Depois…
“Khulu” Madiba,
Serenou com júbilo o seu espírito
Alimentou de alegria outros amores
Atingiu a dimensão da eternidade
No perdão.
Hamba kahle Madiba
Nkosi Sikelele iAfrica”.
======== António Bondoso
Dezembro de 2013.
*** Com dois versos do poema INVICTUS, de William Ernest Henley(1875).
No livro: EM AGOSTO…A LUZ DO TEU ROSTO, 2014.
&&&&&&&&&&&&&&&&&&
*** Madiba = Nome do clã a que Mandela pertencia e derivado do nome de um chefe que governou a região do Transkei no séc. XVIII.
*** Tata = Pai (Língua Xhosa)
*** Khulu = Avô ( “    “ )
*** Hamba kahle = Adeus ( “  “ )
*** Nkosi Sikelele iAfrica = Senhor, abençoai a África ( “  “) 

António Bondoso
Jornalista
Julho de 2018       

2018-07-17


***** Impróprio para cardíacos...palavras eventualmente chocantes na interpretação da «História».

Foto de Ant. Bondoso

Se não fossem esses tarados dos "portugueses" (descendentes de tantos outros povos que lutaram contra invasões e escravidão) terem tido a tentação de sair deste promontório e enfrentar a aventura do desconhecido...como teríamos hoje um mundo perfeito e maravilhoso.
Mas não. Os tugas (todos sem exceção) foram por aí fora...e mataram, destruíram, queimaram, degolaram, retalharam, roubaram, escravizaram, enganaram, aterrorizaram, atentaram, fornicaram, prenderam, traficaram, mentiram, exploraram, abusaram, humilharam - mesmo onde tudo era deserto.
Porra para os tugas, que chatice, meteram-se aonde não deviam, coisa estranha, devem ter enlouquecido. Com que direito construíram naus e caravelas e se puseram a explorar o mar profundo e outras terras a saber? Descobriram? Acharam? Conquistaram? Colonizaram? Inventaram? Cobiçaram? Esconderam? Apagaram? Aldrabaram? Aculturaram?
Porra! Como é que um mísero e ralo povo fez tudo isso? E ninguém deu conta? E ninguém investigou? E ninguém protestou? E ninguém se revoltou? Foi assim...tudo de mão beijada? Claro que não! E todos sabemos que não. Na esfera do relacionamento internacional...as "amizades" (só) não contam. Apenas (e sobretudo) os interesses!
De outra forma...como entender a eternização do mal?                    
Foram os tugas, sozinhos, com a cruz na esquerda e a espada na direita que alteraram a relação entre os povos. Sem ninguém lhes encomendar o sermão! Ou melhor…certamente que a «Santa Sé» e o «poder de Roma» terão dado uma mãozinha decisiva. Esses malandros da «Cúria Romana» não perderiam a oportunidade de “empurrar” os ignorantes, ingénuos e petulantes tugas para tal empresa suicida.
         E é assim que, decorridos quase sete séculos, os agora impolutos historiadores do politicamente correto – baseados nas fontes que existem desde sempre – entendem e pretendem que, afinal, foram os tugas que deixaram o mundo neste estado caótico. E não assumem a «culpa» e nem sequer pedem «desculpa». Só mesmo dos tugas! E fazem-no…com o mesmo descaramento – quiçá a mesma estultícia – com que decidiram tomar o caminho do mar para descobrir! E isso, os impolutos historiadores do politicamente correto – a que João Pedro Marques chama de «marxismo cultural», e que tem invadido o debate científico por um certo argumentário ideológico – não perdoam.
         Não façam museus. Nem das descobertas, nem dos descobrimentos. Pelo menos, não sem antes – séria e honestamente – debaterem e ensinarem nas escolas tudo o que sabemos. Sem omitir ou relativizar seja o que for. Se é para interpretar…que tudo seja interpretado!
Foto de Ant. Bondoso

António Bondoso
Jornalista e Mestre em Relações Internacionais
Julho de 2018.

2018-07-14

AINDA SOBRE O 43º ANIVERSÁRIO DA INDEPENDÊNCIA DE S. TOMÉ E PRÍNCIPE QUE SE VAI CELEBRANDO POR ESTES DIAS.
Uma perspectiva com ângulo diferente, tendo por base a (in) validade do velho conceito de ser e como ser «INDEPENDENTE».
O texto foi ontem apresentado numa sessão em Cruz de Pau, Seixal, comemorativa da efeméride e organizada pela Associação POTO BETU - de apoio aos imigrantes - em colaboração com a ANALP.

Foto disponível na Web
SER INDEPENDENTE.
O que é e como é…no mundo globalizado de hoje?
O velho conceito que pode ser lido nos dicionários e/ou no «estado da arte» das Relações Internacionais já não corresponde verdadeiramente nos dias de hoje. Devido às interdependências, claro, mas sobretudo aos «blocos regionais» que funcionam na base de OIG (Organizações Intergovernamentais) e até mesmo com objetivos federalistas – como é o caso da União Europeia.
Como pode STP manifestar a sua independência – um PEI (Pequeno Estado Insular) no Golfo da Guiné – tendo em conta a ideia do «exercício exclusivo da autoridade de um Estado sobre uma determinada área territorial»? Partindo do princípio de que essa autoridade é reconhecida pelos outros atores do sistema internacional – inquestionável há 43 anos – há uma série de fatores que determinam o grau de maior ou menor dependência internacional. Para além da economia, que é fundamental, há os critérios de integração regional e os chamados espaços culturais. São fundamentais as ligações mantidas com as mais diversas «Agências» das Nações Unidas – como o PNUD, por exemplo – e da União Africana, nomeadamente o BAD, a CEEAC (Comunidade Económica dos Estados da África Central); o COREP (Comité Regional de Pesca para o Golfo da Guiné). Há igualmente a CPLP e ainda as ligações à UE, concretamente através do NEPAD (Nova Parceria para o Desenvolvimento da África). Com todo este sistema de ligações e de ajudas, pode perguntar-se o porquê do falhanço das sucessivas políticas da governação, apesar de alguns avanços em setores como a Educação/Ensino e no combate à malária.
Ser-se um país «independente», hoje, é ter um Estado que zele pelo abastecimento de água e de energia elétrica eficiente às populações; que seja capaz de levar alimentação a quem precisa; que propicie o encontro das pessoas com a Cultura, preservando as tradições; um Estado que promova atividades lúdicas e desportivas; que trate do saneamento e da Saúde dos doentes; um Estado que incentive a Pesca e a diversificação da agricultura; que regulamente a atividade turística e que não mantenha as populações na ilusão do petróleo; um Estado que cumpra e faça cumprir as leis, zelando pela separação de Poderes e respeitando todos os cidadãos. Isto…é ser «independente». E se perguntarmos: o Estado tem que fazer tudo? Claro que não. Mas deve fazer o essencial e promover o investimento privado interno e externo – direto ou em parcerias vantajosas.  
O Estado de S. Tomé e Príncipe, nascido em plena «Guerra Fria», teve que receber inicialmente a ajuda natural dos países que apoiaram a luta de libertação. 15 anos de regime monopartidário criaram um Estado praticamente dependente da ajuda externa e que se impunha pela força internamente. Depois, já numa fase terminal do chamado Bloco de Leste ou «comunista», apareceu a transição política e económica para o designado Bloco Ocidental de tipo «capitalista». Apesar das adaptações que o novo sistema político exigiu, o país não conseguiu dar o «salto» qualitativo em termos de estabilidade económica e financeira. Pelo meio, o processo foi agravado com algumas situações de instabilidade político-militar e na Justiça.
Hoje, na viragem do 43º aniversário da «independência», o país permanece débil e com um Estado enfraquecido, eternamente à espera de reformas estruturais – particularmente «solicitadas» pelos representantes da alta finança dominadora: o Banco Africano para o Desenvolvimento, o Banco Europeu de Investimento, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. O que preocupa, de facto, é a incapacidade para responder a este «sistema», tendo como objetivo central o bem-estar das pessoas.
Apesar de tudo, há que celebrar a «independência». Parafraseando o meu camarada e amigo Manuel de Sousa (Dende)…independentemente das opiniões de cada um sobre a data, «subscrevo na íntegra a opinião daqueles compatriotas que afirmaram e continuam a afirmar que VALEU A PENA»! Particularmente pela «libertação de todas as formas de opressão e pela assunção dos nossos próprios destinos».
Viva o 12 de Julho, viva todo o Povo de S. Tomé e Príncipe. As Ilhas continuam no meio do mundo, independentemente da capacidade dos políticos que as têm governado.
António Bondoso
Jornalista e Mestre em Relações Internacionais                        
Julho de 2018.

Composição de Ant. Bondoso

2018-07-12

STP – INDEPENDÊNCIA…OU SOBERANIA PARTILHADA?
Ou de como, neste mundo globalizado e «governado» pela alta finança mundial, se poderá ler o título de forma relativamente amena, tendo em conta um país que depende da «ajuda externa» em elevada percentagem: S. Tomé e Príncipe à espera de um «futuro risonho».

Foto do mural de Conceição Lima

STP – INDEPENDÊNCIA…OU SOBERANIA PARTILHADA?
Ou de como, neste mundo globalizado e «governado» pela alta finança mundial, se poderá ler o título de forma relativamente amena, tendo em conta um país que depende da «ajuda externa» em elevada percentagem: S. Tomé e Príncipe.
Um relatório do FMI, de Abril deste ano, revela que "Em 2017 o crescimento económico desacelerou ligeiramente, situando-se em 3,9 por cento, dado que o impulso da despesa pública foi limitado pela menor entrada de recursos externos".
Preocupa, mas não é decisivo, que o segundo mais pequeno país de África – nesta passagem do 43º aniversário da sua independência – apresente uma enorme fragilidade nos índices de desenvolvimento. Já escrevi, e volto a dizer, que 30 ou 40 anos não são decisivos para avaliar o percurso independentista de um jovem país. E STP nasceu num período crítico da Guerra-Fria, na sequência de um golpe militar que derrubou o regime do país colonizador. Os críticos sempre poderão atribuir culpas a Portugal por não ter feito mais para o desenvolvimento das Ilhas, o que não deixa de ser verdade – por exemplo no turismo e num cais acostável – mas também sendo certo que havia alguns sectores, como a saúde, os quais registavam índices apreciáveis de desenvolvimento, comparativamente com outros países do Continente Africano.
Numa outra perspetiva, poderá contrapor-se a pressa da liderança do movimento de libertação no caminho da independência, quando havia exemplos de sucesso (não muitos, é verdade!) em ex-colónias de potências europeias que haviam ascendido à independência em finais dos anos de 1950, após um período de «transição» de 6 anos e depois de uma experiência conflituosa – mesmo violenta – com os ingleses. Isso não impediu Nkrumah de liderar o processo, desenvolver o Gana e ganhar o respeito de muitos outros líderes africanos.
Percebendo embora o contexto das colónias portuguesas em África no início dos anos de 1970 – a guerra prolongada em três frentes e o arrastar da colonização, com todos os aspetos negativos que isso implicava no relacionamento internacional – não posso igualmente deixar de referir a decisão, emocionalmente apressada, da exigência de uma imediata independência. E a forma como ela foi conquistada levou à saída forçada de muitos quadros, particularmente de nível intermédio, de alguma maneira essenciais para o bom funcionamento do Estado nascente. De novo as críticas ao país colonizador pelo facto de, ao longo dos anos, não ter promovido a formação de quadros locais. Igualmente de novo o contraponto, e percebendo quer o tempo e quer a forma do relacionamento entre Portugal e a China, da ideia dos 12 anos de transição para o território de Macau: 1987-1999.
O que verdadeiramente me preocupa em S. Tomé e Príncipe, por esta altura, é ouvir o líder do governo expressar o reconhecimento do fracasso da sua governação – não retirando quaisquer consequências políticas – e, logo de seguida, saber que a OMS vai reduzir a sua «ajuda» ao país. É sobretudo isto que merece a minha atenção, particularmente em ano eleitoral por excelência. Um relatório recente, elaborado para o Banco Africano de Desenvolvimento, toca exatamente nesta tecla: Riscos cruciais também estão ligados às eleições legislativas agendadas para 2018, particularmente, o risco elevado de gastos extra-orçamentais e instabilidade política, juntamente com o aumento dos empréstimos em incumprimento no setor financeiro. A dependência da exportação de bens primários e importação de produtos alimentares e combustíveis deixa o país extremamente vulnerável a choques externos. O relatório, contudo, não deixa de assinalar alguma esperança no futuro, sobretudo tendo em conta o sucesso verificado na erradicação da malária, «esperando que a produção e o acesso à energia melhorem nos próximos anos, com investimentos prometidos pelo Banco Africano de Desenvolvimento, pelo Banco Europeu de Investimento e pelo Banco Mundial.» Cá está grande parte da “alta finança mundial” que referi no início do texto, sem esquecer o FMI.
Lembrando uma intervenção recente do economista Alcídio Montoya Pereira, esta notícia da redução da ajuda por parte da Organização Mundial de Saúde não é propriamente nova, «pois já se sabia que a elevação do país à categoria de desenvolvimento médio é um expediente que a comunidade internacional utiliza para "desmamar" países viciados em "ajudas ao desenvolvimento".» Preocupante…é perceber quão importante é o sector da Saúde para o desenvolvimento. Temos o exemplo de Portugal onde – após largos anos de desinvestimento no SNS, nomeadamente no período da “Troika” – o sector atravessa talvez a maior crise de que há memória. E como é importante um sistema de Saúde forte para um turismo sustentável num país insular como S. Tomé e Príncipe. Não sei se a ideia existe...e nem sei até que ponto poderia ser recomendada aos investidores turísticos pelo governo: - as unidades de maior relevo terem médicos ao seu serviço, como eu vi na Malásia, por exemplo. 
E preocupa-me igualmente o facto de, em Fevereiro deste ano, a Embaixadora dos EUA (USA) para o Gabão e STP, ter ido ao país chamar a atenção para a necessidade de o «Poder» garantir a “Liberdade de Imprensa” e o fortalecimento das instituições democráticas.
Duas notas finais para recordar, primeiro, um pormenor sobre a data da independência de STP. Um amigo de longa data e camarada de profissão – Costa Carvalho – lembrou-me agora do facto de ter sido ele o primeiro a divulgar a data, estando em serviço para a cobertura jornalística do Acordo de Argel: «Numa das miniconferências de Imprensa, tratei o representante de STP por DR. TROVOADA (o nosso era o DR. ALMEIDA SANTOS). Trovoada recusou o título académico e eu disse: " O senhor diz que não é licenciado, mas eu sei que só não o é, porque o regime salazarista não consentiu. Estou aqui, precisamente para reparar tal “injustiça". Sabes, António, o que me valeu esse meu politicamente correcto desaforo? Fui o único a noticiar o dia da independência de STP!».
O outro pormenor…para dar conta da «esperança num futuro risonho» que me foi transmitida pela jovem estudante de STP no Porto, Jéssica Conceição. Escreveu assim: «Ser independente é ser uma nação governada de acordo com o que foi definido pelo povo a partir de suas tradições ou convicções, sem que o governo de qualquer outro país possa interferir. Ser independente é ser capaz de decidir sobre o regime político que lhe convém, sobre a maneira de organizar a administração, a economia, a política e as demais instituições sociais. São Tomé e Príncipe é um país independente? Sei que é difícil manter a esperança em um futuro melhor para São Tomé e Príncipe quando se atravessam dificuldades. Mas deve-se tentar. Creio num futuro risonho».
        Fiquemos com a esperança e com a crença numa vivência em democracia e em liberdade. Viva S. Tomé e Príncipe e um abraço do tamanho do mundo para o seu Povo.


António Bondoso
Jornalista
12 de Julho de 2018. 

2018-07-07


SAUDADE...OU ONDAS DE MEMÓRIAS?



Há quem tenha memória curta ou de grilo. Outros terão excelente memória visual mas há também muitos a quem tudo se varre. E eu, embora creia não ter o que se chama de memória de elefante…sempre direi que conservo uma excelente lembrança de experiências anteriores. Sobretudo tenho assumido sempre uma tomada de consciência do passado, o que me permitiu há muito ultrapassar as consequências dos avatares da história. O «outro» nunca foi para mim um tabu. Por isso, posso sempre rebobinar o filme que conta a história de muitas Ondas de Memórias: 


ONDAS DE MEMÓRIAS 

Quando não alcanço as ondas do mar
É certo que os sentidos estão doentes.
Não ouço o coração a comandar
São meus olhos que choram de tão quentes.

O meu mar já tão longe não me leva
E a vida de tão curta não espera.
Por isso alma própria bem se eleva
Mas o corpo descansa e desespera.

É sempre nesse mar que me revejo
Navego destemido e busco a sorte
E outra felicidade não almejo.

E sigo corajoso deste norte
Para o sul de riquezas que prevejo
Sem medo que me chegue a triste morte.

«É neste mar que me cultivo».
==== A.B. Out.2017 




António Bondoso

Julho 2018.