2020-08-28


EM BUSCA DAS PROFECIAS DE «BANDARRA»…por caminhos diferentes dos habituais e com surpresas agradáveis em cenários eternamente agrestes e de muito caráter – a «região dos tês», quase posso designá-la.  



Antes de chegarmos à ideia do «sebastianismo» e de qualquer teoria «messiânica» ligada ao “Quinto Império” de Vieira – mais tarde retomada por Pessoa – tudo isto no quadro das “profecias ou trovas” de Bandarra com origem em Trancoso, falemos das estradas do interior beirão, não totalmente desertas nem abandonadas mas à espera de vida!


         Sem destino…avancei ao acaso pela 226 – como faz falta o eternamente prometido IC26! – saindo de Moimenta da Beira. Chegado a Sernancelhe, infleti pela 229 em direção a Penedono, mas umas obras necessárias de manutenção e melhoramento levaram-me a preferir um desvio para sul pela 229-1 e que eu desconhecia. A placa indicava Trancoso…e eu, qual toque do subconsciente, preferi uma «História» diferente. E até lá chegar, primeiro a surpresa agradável da aldeia de Antas e depois o lugar tranquilo – quase paradisíaco – de Torre do Terrenho, saltando à vista o espelho de água constituído pela albufeira da Teja, uma antiga “ribeira” que tem o seu curso no sentido sul-norte. Pode dizer-se que é como que a região de mais 3 «tês»: Távora, Torto e Tedo. A ribeira da Teja nasce a norte de Trancoso, atravessa todo o concelho da Meda e, após um percurso de cerca de 45 quilómetros, desagua na margem esquerda do rio Douro, já em terras do concelho de Vila Nova de Foz Coa.



         E depois os montes, para lá de Castanheira, alguns já no sopé da Serra da Marofa, hoje «embelezados» pelas torres eólicas – afinal tão necessárias em tempos de grande escassez de recursos neste planeta que não é infinito.
         Finalmente Trancoso e a sua famosa «muralha» do centro histórico com as “Portas do Prado” à vista. Um compasso de espera para rever o monumento que celebra as «bodas reais de D. Dinis com Isabel de Aragão» em 1282 – uma criação do escultor Xico Lucena, em 2011, por ocasião do I Simposium da Arte da Pedra.



         A entrada no Centro Histórico pelas Portas D’El Rei, passagem pela Rua de Bandarra até ao encontro com a figura do Sapateiro, Poeta e Profeta, em frente ao edifício da Câmara Municipal. Ficou célebre a «alcunha» daquele que, provavelmente nascido em 1500, tinha por nome António Gonçalves Annes ou simplesmente Gonçalo Anes. Os seus «poemas» ou as suas «trovas», que terão sido escritos entre 1530 e 1540, passaram de alguma forma a ideia profética do regresso de D. Sebastião – desaparecido, como se sabe, em 1578 em Alcácer Quibir – e, por outro lado, o destino de Portugal plasmado na derrota de Napoleão e na virtude de um império cultural. O «projeto», que viria a ser adotado, explicado e defendido perante o “Santo Ofício” pelo Pe António Vieira, com a designação de «Quinto Império», entusiasmou igualmente Fernando Pessoa que chegou mesmo a escrever sobre Bandarra: “Não foi nem santo nem herói,/ Mas Deus sagrou com Seu sinal/ Este, cujo coração foi/ Não português, mas Portugal”. Pessoa, eufórico, acrescentou: “O Futuro de Portugal − que não calculo mas sei − está escrito já, para quem saiba lê-lo, nas trovas do Bandarra”. Uma delas dizia por exemplo:
«Sou sapateiro, mas nobre
Com bem pouco cabedal:
E tu, triste Portugal,
Quanto mais rico, mais pobre».

Com divulgação oral e manuscrita, as Trovas de Bandarra padeciam de uma boa dose de interpretação bíblica – facto que terá levado o Santo Ofício a condená-lo em 1541. Outra razão para manter a Inquisição à perna terá sido o vaticínio de muitas coisas do agrado dos judeus, então a braços com a perseguição na Península Ibérica, que viam nesses escritos a vinda de um “Messias” e o consequente fim da sua má fortuna. 



É dito que o Bandarra, Gonçalo Anes, terá morrido pobre em Vale de Nogueirão – perto de Trancoso, apenas sustentado por duas filhas, Isabel e Maria. As suas trovas/profecias foram impressas pela primeira vez em 1603, em Paris; publicadas depois em Nantes, em 1644 e mais tarde, em 1809, de novo publicadas em Barcelona – por ocasião das invasões francesas.
António Bondoso
Jornalista
Agosto de 2020
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Para quem ousar o interesse de pormenor nas «profecias de Bandarra», deixo duas indicações para consulta:

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