MACAU
– O MEU ORIENTE DA HISTÓRIA…25 anos depois da «passagem» para a R.P. da China –
19 de Dezembro de 1999.
“Não tenho ilusões no que diz respeito à
metamorfose de Macau, possivelmente numa geração”.
António Conceição Júnior, Dez 2024
Esta citação de António Conceição Júnior, retirada de uma resposta a questões que lhe coloquei há dias, a propósito da efeméride acima referida, revela uma lucidez profunda sobre todos os tempos de Macau. Particularmente sobre o que há de vir…embora saiba que nem todos são profetas na sua terra – como se pode ler num trabalho da Docente Júlia Serra, em Outubro deste ano:
«Escrevo
o que a minha consciência me dita,
e
se sou ouvido ou não será uma ilação
que
se poderá tirar no médio prazo.
Direi,
contudo, que alguns não são
profetas na sua terra».
Como
não foram em Goa – onde, apesar de tudo, ainda hoje se luta para manter os
costumes, as tradições – ou como aconteceu em Malaca, onde quase tudo se perdeu
para além do «Portuguese Settlement».
Jorge Morbey, Historiador e «Diplomata da Cultura», que passou nomeadamente por S. Tomé e Príncipe, Macau e Bangkok, escreveu em Abril de 2019 sobre a «identidade dos Macaenses e de outros Portugueses do Oriente», falando da incapacidade secular de Portugal para ser solidário com as “Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente”. Disse concretamente que essa incapacidade é “filha da ignorância e do preconceito”.
Voltando
à figura cimeira deste meu texto sobre Macau, António Conceição Júnior destaca
acreditar “…que a sobrevivência dos macaenses, enquanto grupo étnico, está
fortemente ameaçada pela diluição da origem. Está já em marcha uma integração
de Macau num plano bem maior, o da Grande Baía”.
Este escritor culto e jornalista
igualmente, descrito por grandes figuras ligadas a Macau também como pintor,
gravador, fotógrafo, criador de moda, um poderoso e sensível apreciador de arte, enquadra ainda os
acontecimentos do «1,2,3 de 1966» e, com frontalidade, afirma igualmente que Macau
«foi sendo governado, em comissões de serviço, por pessoas que, na sua maioria,
pouco ou nada sabiam do Território».
(da sua página do facebook)
Deixo
o texto completo, como segue:
Macau e os portugueses podem encontrar
uma razão para celebrar/assinalar esta data?
Há sempre uma razão para assinalar esta
data, sobretudo para aqueles que nasceram ou viveram em Macau. Para a
generalidade dos portugueses, direi que Macau não faz parte do seu universo de
interesses. Macau é, infelizmente, desconhecido. Por isso, relembrar esta data
será uma formalidade oficial.
As nossas relações com a R.P. da China,
pós-Transição, têm-se pautado pelo politicamente correcto e institucional.
Antes disso, o Território foi governado em comissões de serviço por pessoas
que, na sua maioria, pouco ou nada sabiam do Território.
Quem verdadeiramente garantiu a sobrevivência da língua e cultura portuguesas, foram os Macaenses, nação de indivíduos, singulares na sua mestiçagem. Estes, por séculos, foram os portadores, usufrutuários, transmissores e embaixadores da portugalidade e, assim, da legitimação da cultura lusa naturalizada na China.
Como tem acompanhado este processo. Haverá semelhanças com o que se tem passado
em HK ?
Não me parece que existam quaisquer
semelhanças.
Hong Kong foi uma colónia da coroa
britânica, governada com pulso diplomático, sem muitas cedências. Macau foi uma
presença historicamente tolerada.
Hong Kong é a segunda praça financeira da Ásia, enquanto Macau se tornou no maior casino do mundo, ultrapassando Las Vegas.
Se chegarmos a 2049...o que restará
desses 500 anos da presença portuguesa?.
Importa, a meu ver, distinguir entre
presença e ausência portuguesas. Torna-se relevante compreender que, depois da
expulsão dos jesuítas e dos kirissitan (cristãos) do Japão, e
consequente fim do comércio da prata, Portugal deixou Macau, então governada
pelo Leal Senado. Ao longo do tempo, após o “abandono” de Macau, foram
sobretudo os “homens bons”, a elite macaense, quem garantiu a governança,
tantas vezes em conflito com os capitães-gerais, que pouco ou nada sabiam
desse lugar, e em equilíbrio precário nas relações com a grande China.
Eis-nos chegados aos desacatos do
chamado “um, dois, três” de Dezembro de 1966. É aí que cai o pano da ilusão de
que Portugal governava Macau. O jogo de sombras chinesas emerge, mostrando quem
mandava. Uma muito significativa parte da elite macaense abandona Macau,
enquanto as classes mais desfavorecidas encontram, num processo mimético
materializado em casamentos com a comunidade maioritária, uma forma de
sobrevivência, que passou desapercebida ao poder.
Data dessa altura o começo da diluição
da chamada identidade Macaense. Hoje, o verdadeiro patois ouve-se
nas repartições públicas, numa mistura de chinês, inglês, e algumas palavras em
português. A gastronomia vai-se mantendo como curiosidade, integrada na
designada Cidade Criativa da UNESCO em Gastronomia. Quanto à religião, em
função dos casamentos mistos, o catolicismo e as crenças chinesas andam de mãos
dadas.
Assim, creio que a
sobrevivência dos macaenses, enquanto grupo étnico, está fortemente ameaçada
pela diluição da origem. Está já em marcha uma integração de Macau num plano
bem maior, o da Grande Baía.
Não tenho ilusões no que diz respeito à metamorfose de Macau, possivelmente numa geração.
Um abraço,
António Conceição Júnior
A. C. Júnior e parte das suas memórias
(da sua página do facebbok)
MACAU – O MEU ORIENTE DA HISTÓRIA…ou de como um pequeno território deixa marcas profundas, seja por nascimento, seja por vivências de alguns ou de muitos anos. Há 25, um marco decisivo para a História.
E
sempre que Macau me vem à ideia, particularmente nesta data, não deixo de
pensar na Grande China, enorme, poderosa, profunda, pesadamente cinzenta e que
tem vindo há já umas décadas a assumir um espírito expansionista que não lhe
era habitual, nomeadamente depois do chamado «período da humilhação». É o que
tenho designado por «imperialismo silencioso». Atente-se no projeto das novas rotas
da seda, o “Belt and Road” e, como lembrou A.C. Júnior…a “Grande Baía”.
Macau,
além do mais e apesar de quatro séculos de «administração portuguesa», foi
sempre muito «chinesa». O que, em boa verdade, nunca lhe retirou o encanto e o
mistério. É assim que a recordo, apesar das grandes transformações deste
século. E nessa memória cabem todos os que ali me receberam com afeto e
carinho.
A.C. Júnior e o Advogado e Poeta António Correia
18 de Dezembro de 2024
António Bondoso
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