2012-09-07


À VOLTA DE MIM E DO MUNDO...e DE VEZ EM QUANDO !



Ainda a propósito do 90º aniversário do “Professor”.

Adriano Moreira – muito à frente do seu tempo!

Por isso..deixou de ser ministro de Salazar.

Não foi meu professor, no sentido mais vulgar do termo. Mas sempre o ouvi com muito interesse, li deliciado os seus escritos/reflexões – que me proporcionaram muita e boa informação – o que me permitiu, não há muito tempo, poder ter o prazer de com ele conversar sobre o tema da minha dissertação de mestrado: a Lusofonia e a CPLP no contexto da globalização. 








Nele e dele ouvi falar pela primeira vez, altura em que o vi – à distância de uma “formatura” da Mocidade Portuguesa e do paralelo ajuntamento dos alunos das escolas e do liceu – no longínquo ano de 1961, em S.Tomé e Príncipe. Das minhas memórias de infância e de juventude, foi o ministro cujo nome ficou latente, certamente por influência de conversas de meu pai.
Adriano Moreira, um homem de “direita”? Que o seja, não é crime. O jogo da democracia assim o permite e considera. Não deixa de ser curioso, contudo, que este homem – de direita – defenda os princípios da “doutrina social da Igreja” e do Estado Social, os mesmos que preenchem o chamado “socialismo democrático”!
É certo que, nos intervalos dos interesses, há outras (muitas) matérias que separam as convicções. Mas é curioso notar que, em ambos os campos, nem todos se consideram abrangidos pela totalidade das “intenções”. Para não ir muito atrás e recordar a célebre “Teoria da Libertação”, de inspiração sul-americana, chamo a atenção para o sentido das ideias e das palavras recentes do Bispo das FA, D. Manuel Clemente.
Tarrafal? Quem julga Adriano Moreira e o condena com atitudes de “carrasco”, não estará certamente a interpretar/perceber o papel de uma “assinatura” num tempo complexo de guerra dura e fria a nível internacional. Qualquer outro ministro o teria feito, em 1963 como em 1961, tendo em vista o que se vinha passando em Angola. Que motivos levaram à guerra da Coreia? Quais as razões da guerra da Indochina e, depois, do Vietnam? Mais tarde ainda, o Afeganistão? Leste, Ocidente, Não Alinhados? Quem estará isento de responsabilidades em “assinaturas” desse tipo? Hiroshima e Nagasaki não tiveram assinatura? Justificadas em nome de quê? Bósnia, Ruanda, Kosovo, Zimbabwe, Palestina, Líbano, Sudão, Somália, Torres Gémeas de NY, de novo Afeganistão, Iraque, Líbia, Síria...e o campo de Guantánamo.
É certo que não se apaga a “História”. Mas não deve ser reconhecido aos seus “manipuladores” o poder da “sua verdade absoluta”, que não há.
Por outro lado, e esse deveria ser o primeiro passo, ao Grande Professor de hoje pede-se apenas que reconheça a sua assinatura de 1961, enquanto ministro. Até porque deixou de o ser pouco tempo depois. E o Tarrafal, se não fosse questão de “política do Estado”, poderia muito bem ter sido “desassinado” por um dos ministros seguintes.
A Adriano Moreira não lhe foi dada, então, a oportunidade de ser “político”. Não foi antifascista mas esteve preso. Demitiu-se por questão de princípios e de visão. Foi saneado com a revolução de Abril mas regressou ao país. Foi, então, político, mas a sua razão académica foi mais forte. É enquanto tal que eu lhe rendo homenagem e reconhecimento. Como iniciador do “estudo” das Relações Internacionais em Portugal, continuando a “teorizar” com lucidez aos 90 anos.
 Foi nesta perspectiva que com ele dialoguei sobre o papel da CPLP e da Lusofonia neste mundo globalizado, sabendo da sua acção concreta no desenvolvimento dos I e II Congressos das Comunidades da Cultura Portuguesa [1964 em Lisboa e 1966 em Lourenço Marques], que estiveram na origem da criação da Academia Internacional da Cultura Portuguesa e da União das Comunidades da Cultura Portuguesa.
Apesar de todas as dúvidas e fantasmas, frequentemente badalados, e de uma particular e dispersa existência, caracterizada pela múltipla pertença de cada um dos Estados-membros – o que condiciona e dificulta qualquer prospectiva – Adriano Moreira diz que a CPLP é uma organização muito original. Porquê? Porque – afirma – “a França, que tem instrumentos de projecção da sua cultura como a Alliance Française, não tem uma CPLP; a Espanha, que tem uma série de países, sobretudo na América Latina, que falam espanhol e tem o Instituto Cervantes – não tem CPLP; a China, actualmente, já tem espalhados por todo o mundo cerca de 300 Institutos Confúcio, mas não tem nenhuma CPLP. Portanto, a CPLP é, de facto, uma originalidade. A reunião de tantos países unidos pela mesma língua como primeiro elemento”(gravação,2011).
Uma língua que “não é só nossa”...também é nossa – vai repetindo!
Uma língua “que transporta valores e que também é mestiça”. Tão mestiça e tão rica como a que José Craveirinha utilizou poeticamente na sua “Fraternidade das Palavras” (1974): 
“O céu
É uma m’benga[1]
Onde todos os braços das mamanas
Repisam os bagos de estrelas.
Amigos:
As palavras mesmo estranhas
Se têm música verdadeira
só precisam de quem as toque
ao mesmo ritmo para serem
todas irmãs.
E eis que num espasmo
De harmonia como todas as coisas
Palavras rongas e algarvias ganguissam
Neste satanhoco papel
E recombinam o poema.” 
Lembrando Políbio Valente de Almeida (1994: 42,43), Portugal tem afinidades e interesses permanentes em áreas que transcendem o seu posicionamento geográfico e que nasceram de um convívio multisecular com outros povos. Inevitavelmente foram trocados valores, Portugal transmitiu [impôs] e absorveu cultura, construindo um passado comum “plenamente partilhado” com índios, africanos, asiáticos e oceânicos. Possuímos portanto um património que, citando Adriano Moreira (1988), “faz parte do património comum da humanidade”.
O que somos capazes de fazer com isto ? – pergunta o Professor. “ Se não somos capazes de fazer nada, paciência...” (2011, entrevista ao autor).
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Lembrando Adriano Moreira, por agora deixo estas páginas. Um simples acrescento ao que já foi dito e escrito.
António Bondoso, Setembro de 2012.




[1] m´benga – pote de barro; mamanas – mulheres; ronga – dialecto mais meridional do grupo linguístico banto tsonga. É falado numa pequena área que inclui a cidade do Maputo; ganguissam – namoram; satanhoco – uma coisa que não presta.   

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