2013-01-07



OS MEUS LIVROS DO ANO DE 2012 (II)

Neste segundo capítulo começo por pedir desculpa por não ter cumprido o prazo com o qual me comprometi. Razões outras, algumas inadiáveis, conduziram-me a tarefas não planeadas. E pelo meio, passeando os olhos pelo caderno “ATUAL”, dos 40 anos do Expresso, foi um achado de ouro a bela prosa de José Pedro Castanheira sobre a figura de Melo Antunes – um dos fundadores da democracia, segundo Jorge Miranda, ou mesmo o pai da democracia em Portugal, de acordo com Ramalho Eanes. Tudo isto a propósito de uma extensa biografia escrita pela historiadora Maria Inácia Rezola e publicada em Novembro, com o título Melo Antunes. Uma Biografia Política. Tive pena de não conseguir ainda recolher os ensinamentos das quase 800 páginas da obra que, de certa forma, se cruza também com o livro de Rui de Azevedo Teixeira sobre Jaime Neves e – passe a imodéstia – se espelha igualmente em parte do meu O PODER E O POEMA, particularmente no que respeita aos anos mais recentes da História de Portugal. 


  
          Não pretendendo ser juíz em causa própria, socorro-me do que disseram ou escreveram os apresentadores de O PODER E O POEMA, nas sessões realizadas até ao momento.
          Em Lisboa, na Casa Internacional de S.Tomé e Príncipe, Pedro Barroso – maestro, poeta, compositor, autor e cantor – disse por exemplo que “Este é um trabalho interessantíssimo e de certo fôlego a merecer toda a atenção” e que “acaba por resumir, de forma bastante criativa,  a dialética poesia/poder na nossa História, de forma interessante e original”. E, naturalmente e ao correr do pensamento, Pedro Barroso conduz a sua ideia para a força da poesia cantada que é, de facto, uma arma:- “Quando a canção põe em causa o poder existente, esse poder treme”. E acrescenta: “Porque conseguimos sintetizar o espaço de sonho que eles [poder] não têm; porque conseguimos sintetizar a injustiça social que eles consagram. O poder tema a poesia. Um poder que esteja de consciência tranquila, nunca poderá temer um poeta”. Destaca do livro o poema E Depois? para dizer que “é muito apropriado ao momento que estamos a viver – a que me apetece chamar já de 25ª Hora, ou um momento que posso designar como antes que seja tarde”. Por último, Pedro Barroso salientou que “este livro não é apenas um livro de poesia, é sobretudo um livro/ensaio sobre as odes à revolta que foram surgindo ao longo da história”. 



Já no Porto, na Livraria Lello, o Prof. Doutor Joel Mata – docente na Universidade Lusíada e investigador do CEPESE, da Universidade do Porto – apresentou e disse um texto imbuído de brilhantismo académico, questionando permanentemente o autor de O PODER E O POEMA que, segundo ele, “disserta sobre o poder dos poderes, de líderes do poder convidando o o leitor a dar uma espreitadela a uma paisagem triangular: Portugal, Angola e S.Tomé e Príncipe e em nota sotoposta lá vem nostalgicamente Macau, a demarcar os confins do império”. Joel Mata afirma que A.B. faz uma revisitação quase obsessiva a autores como Ary dos Santos, Manuel Alegre ou Zeca Afonso, mas reconhece que o livro “é um trabalho pleno de virtudes, de visões presente-passado, presente-presente e presente-futuro, parafraseando Sto Agostinho, e augura em praticamente todos os textos poéticos um sabor amargo, procurando, numa busca incessante, encontrar o eco ou a companhia – das multidões em fúria, inconformadas –, para dar voz a um protesto tão necessário quanto premente, face à situação actual do país e do mundo”. E vai ainda quase ao final do livro, onde se fala do desemprego como a nova lepra do século XXI, para dizer que se pode colher neste livro uma última ideia: “o poeta também é um construtor de pátrias, apelando ao inconformismo, da mesma forma que Almada Negreiros o fizera, com o Ultimatum Futurista às Gerações do Século XX: «O Povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem, portugueses, só vos faltam as qualidades»”.
          Em Moimenta da Beira, na sala nobre da Biblioteca de Aquilino Ribeiro, o Dr. Alcides Sarmento – director do Agrupamento de Escolas local – falou nomeadamente da originalidade de O PODER E O POEMA, quer quanto ao conteúdo, quer quanto à forma e, depois de lembrar Ortega e Gasset no que diz respeito ao homem e à sua circunstância, salientou a tradição literária de Moimenta da Beira. Não é comum – disse – “um concelho juntar a qualidade de homens como Aquilino Ribeiro, Afonso Ribeiro, Eduardo Salgueiro e Luís Veiga Leitão, todos com um traço de união: o combate pela liberdade!” 


          Não termino sem fazer referência ao brinde que anunciei. E que, de certa forma, entronca com as obras de que já falámos – particularmente no que respeita à África de todos os sonhos. É uma publicação original de 1960 que a Biblioteca de Bolso Dom Quixote trouxe para a língua portuguesa, em Portugal, no ano de 1988. Sombras no Capim, 25 anos depois de África Minha, apresenta-nos uma Karen Blixen perfeitamente enfeitiçada – não pelas tribos do Quénia (Kikuyu, Wakamba, Kawirondo e Masai) mas sim pelos Somali que para ali emigravam desde sempre:



          Somali era o seu criado e mordomo na Fazenda. Farah era o seu nome e por ele nutria grande admiração: “Os Somali são de uma grande beleza, esbeltos e altos como todas as tribos da África Oriental, com olhos escuros e altivos, pernans direitas e dentes de lobo. São vaidosos e apreciadores de belas roupas. Quando não trajavam à europeia – e muitos deles vestiam com garbo fatos dos melhores alfaiates de Londres que os patrões tinham deixado de usar – traziam longas túnicas de seda crua, com coletes pretos sem mangas primorosamente bordados a ouro.”
          Vale a pena ler...sobretudo agora que o Quénia vive em crise de valores e que a Somália encarna a própria crise. E também porque já (quase) não há neve no Kilimandjaro.
========= António Bondoso
Janeiro de 2013. 



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