2013-04-19

A TÁTICA DO QUADRADO...
... A Ética, a Virtude e o Valor das Palavras – e da Palavra – na construção das lideranças, antes que a austeridade dispare mais um tiro na desgraça.
“As palavras dançam nos olhos das pessoas conforme o palco dos olhos de cada um.
 Almada Negreiros



Sem ética, sem moral, sem um forte e consistente sentido de justiça, não há palavras que possam definir e formatar um verdadeiro líder, um líder virtuoso. Nos compêndios sobre a matéria, deparamo-nos por exemplo com Cardona (2000) a dizer que a liderança virtuosa não é mais do que a liderança transcendental, caracterizada pela força interior do líder, pelas suas virtudes e pela confiança depositada nos colaboradores. A este líder, Rego e Cunha (2003) acrescentam outras características virtuosas como ser honesto, autêntico, confiável e fomentando os valores da lealdade, justiça, direitos humanos, verdade, harmonia e trabalho sério. A criatividade e o desenvolvimento dos colaboradores é outro aspecto importante.
          E a este propósito, Kanungo e Mendonça (1996) definiram um quadro de quatro virtudes fundamentais dos líderes, assentes em cinco princípios práticos: a Prudência, a Justiça, a Coragem e a Temperança devem repousar na auto-estima dos colaboradores; numa base onde o lucro não seja exclusivo; na paciência e na serenidade; na persistência não obstinada e na capacidade de discernir o que é realmente importante.
          É tudo isto, a começar pelos dois últimos princípios, que falta ao atual líder do PSD e primeiro ministro Passos Coelho. Se outros considerandos não houvesse, bastaria termos em conta a sobranceria e a arrogância que o conduziram desde o início do seu mandato a um afastamento progressivo das ideias e das propostas do maior partido da oposição – às quais nunca concedeu o mínimo crédito. Tal como, por um comportamento de décadas – só interrompido paradoxalmente em 2011 com a aliança contranatura para derrubar Sócrates – no que diz respeito ao PCP e ao BE. Agora, na presença (ou em função) da Troika, pretendeu dar um sinal de abertura escrevendo uma carta a convidar o líder do PS para um diálogo fictício, pois na missiva – tornada pública vá lá saber-se por quem – salientava não ser possível ir além do pensamento do governo. Convenhamos que, independentemente de qualquer leitura filosófica, é de bom tom não convidar o vizinho para um “diálogo de surdos”. Sobretudo se, em tempo de crise, todos somos afetados – principalmente os que menos podem, aqueles com menos capacidade reivindicativa, e os dependentes do Estado, quer estejam no ativo ou na reforma, e para os quais o fisco é implacável. Desde sempre para os mais frágeis, aliás. Dizia Aquilino Ribeiro em 1928, numa crónica publicada em Ilustração, que “...a justiça é para a aldeia a mais voraz das sanguessugas. Concebida para proteger o órfão, deixa o órfão sem coiro e o viúvo sem camisa”.
E o que se anuncia nesta altura é mais austeridade. Recusada por muitos mas salvadora do governo. Não se coloca em causa a necessidade de austeridade. O que se condena é a austeridade pela austeridade, como consequência do somatório de políticas erradas deste governo. Sempre para os mesmos – por ser mais fácil e garantido – para aqueles que menos contribuiram para o estado a que o Estado chegou. Como se não bastasse a recessão, o desemprego, a emigração forçada e as previsões irrealistas que fazem falhar o défice e aumentam a dívida, acabámos de ser informados que as próprias Finanças reconhecem a cobrança abusiva de IMI, por não ter sido aplicada corretamente a cláusula de salvaguarda – que impede aumentos bruscos desse imposto. E, por estas e por outras que se vão acumulando, temo que as reações já não demorem muito mais a ficar-se apenas pelas palavras gritadas desesperadamente em cada esquina do país. Alguns “intelectuais” ou com pretensões a isso ousaram criticar há dias um “desabafo” de Mário Soares, mas estão a esquecer-se do que poderá realmente acontecer se, por exemplo, alguns daqueles milhares que tentam diariamente o suicídio resolverem direcionar a sua revolta, a sua humilhação, a sua impotência para sobreviver no sentido de uma arma de fogo. Certamente não seria apenas mais um tiro na desgraça! Seria antes uma desgraçada explosão!
António Bondoso
Jornalista – C.P.359



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