2015-10-16

O FIM DA QUARTA LIBERTAÇÃO...OU UMA CERTA FORMA DE FALAR DE SAUDADE...



Numa altura em que os medos e os fantasmas regressam ao nosso cotidiano, 41 anos depois da “quarta libertação” (1640, 1820,1910 e 1974), dei por mim a pensar na saudade – suas causas e efeitos. E partilho agora parte dessa reflexão:
SAUDADE
Teremos talvez que buscar o início dos tempos…para tentar encontrar uma definição para este termo comum, popular, altamente difundido em português.
Certamente ao latim…talvez mesmo aos gregos e aos árabes… e porque não aos fenícios! Mas não podemos esquecer o galaico-português e depois os arcaísmos…
Soidade, suidade – como diziam as Cantigas de Amigo, por exemplo as de D. Dinis no século XIII, e depois Suydades, no século XVI com Gil Vicente.
Seja como for…a tradução para outras línguas não é nada fácil – senão mesmo quase impossível.
Há quem diga que HIRAETH – do gaélico irlandês se aproxima… havendo até um “quase”, quer em romeno ou alemão, quer em polaco ou inglês.
Mas é em português que se vive a saudade: em Portugal, Brasil e todos os outros países lusófonos… havendo mesmo dois crioulos ou duas línguas locais (no crioulo de Cabo Verde = Sodade/Sodadi – quem não recorda Cesária Évora! – e Saudadji em língua Forra de S. Tomé e Príncipe. Mas apesar de tudo, mesmo em português…o significado não é único, exclusivo!
E pode considerar-se até uma linha muito ténue entre «saudade» e saudosismo – movimento simbolista, nacionalista, poético e filosófico no início do século XX…a que chamaram Renascença, mas ao qual, hoje, praticamente se decidiu atribuir um sentido negativo.
O que é afinal a Saudade? Será apenas Ausência? Tristeza? Dor? Angústia? É solidão? Não haverá um sentimento positivo nessa expressão “saudade”?
Sem forçar muito a nota, podemos até descortinar uma ideia «sedutora» em saudade se nos lembrarmos do Fado – não todo, claro está e estou em crer que não se pode ficar indiferente à voz sensual de Ana Moura, por exemplo, que faz a gentileza de nos brindar igualmente com um brilhante e rasgado sorriso no qual mora o fado inteiro.
Seguramente…a saudade é um “estado d’alma”. Podemos ter saudades de alguém que amamos e está longe ou ausente; de um amigo querido, de alguém conhecido ou de um colega; de alguém ou algo que não vemos ou com quem não conversamos há imenso tempo. Já não falando, claro, de alguém falecido muito próximo. Ou mesmo de lugares, se nos recordarmos da “geografia sentimental” de Aquilino Ribeiro, ou de boa comida, de boa música, de se fazer algo que há muito não se faz (as saudades que eu tenho da Rádio…por exemplo!), do tempo e das circunstâncias que passaram/vivemos e que nos marcaram: e vem à memória, de imediato, o 25 de Abril de 1974. E depois…todo o processo de crescimento e de amadurecimento da cultura e da vivência democráticas, como se da educação de um filho se tratasse. Que saudade de o ter nos braços, que saudade de o erguer em direção ao céu, que saudade de saber os erros cometidos e de o ver cometer os seus na caminhada inexorável da sua afirmação. Que saudade de abraçar a mãe e da nossa felicidade estampada, nesta já longa estrada que temos vindo a percorrer.
Que saudade de S. Tomé – onde bebi a luz quente do saber ser gente, onde provei o valor da amizade e da camaradagem e onde decidi o meu futuro; que saudade do 74 da Cândido dos Reis, no Porto – onde pude acrescentar outros valores como os da ética, do respeito e da responsabilidade; que saudade de Macau – onde reencontrei o prazer da Rádio, onde cultivei novas amizades, algumas das quais determinaram o presente que vivo hoje, por exemplo no campo da escrita.
E para quem escreve…tudo isto faz sentido! Quer seja em Poesia, quer seja em Prosa! Eu comecei com a poesia…exatamente em Macau, onde publiquei em 1999 EM MACAU POR ACASO , um livro de poemas já carregado de “saudades”, sobretudo a angústia de quem lá nasceu e que, quase de repente, viu a sua terra natal assumir outra nacionalidade. Tal como já havia acontecido em África…mas talvez não com tanto traumatismo! Houve como que uma “almofada emocional” – um certo período de «adaptação»…Uma transição de 12 anos!
Agora, quarenta e um anos depois da quarta libertação, vivemos um tempo de subversão de valores, de submissão da liderança política aos donos de tudo isto – a alta finança – de uma austeridade que atinge a dignidade individual e que suga a alegria do convívio fraterno das pessoas. A liberdade já passou e tenho saudade do seu encantamento. Não espero qualquer D. Sebastião, mas tenho saudade de alguém que nos devolva o espírito saudável de viver!
António Bondoso
Outubro de 2015. 


Foto de A. Bondoso

António Bondoso
Jornalista

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