2015-12-11

SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE - UM PAÍS BASEADO NUMA ILHA CORAÇÃO (III)


SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE
Projeto de bioenergia em território são-tomense apresentado na Cimeira do Clima
10:16 - 11-12-2015

O projeto-piloto «Bioenergia em São Tomé e Príncipe – Aproveitamento Energético de Biogás», iniciado em dezembro de 2014, foi apresentado na quinta-feira em Paris, na Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas.

Este projeto será desenvolvido já a partir do próximo mês de janeiro, através da instalação de cinco digestores anaeróbicos em comunidades rurais junto da zona tampão do Parque Natural do Obô, para tratar os resíduos orgânicos dos agregados familiares.

O programa, que tem como objetivo a replicação futura da tecnologia por outras comunidades em São Tomé e Príncipe e mais tarde em Angola, Moçambique e em algumas ilhas de Cabo Verde, está a ser desenvolvido com o apoio da Cooperação Portuguesa, através do Camões - Instituto da Cooperação e da Língua e da Agência Portuguesa de Ambiente, e é financiado pelo Fundo Português de Carbono ao abrigo do programa ‘Fast Start’. O orçamento do projeto está avaliado em 660 mil euros.
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Feliz por saber desta nova, publicada hoje no jornal A BOLA, entendi que seria interessante finalizar a publicação do meu texto sobre UMA “ILHA CORAÇÃO”…EM FORMA DE PAÍS. Simbólica é a imagem que vos deixo deste safu pendurado - sinal de que mantenho a esperança de um dia voltar às Ilhas do Meio do Mundo:




(...) E zarpámos, deixando para trás a Ponta Mandioca e a Ponta Bote, antes de atingirmos a Praia do Ió ou do Ilhéu Grande, em Dona Augusta e bem à vista do Pico Macuru. Ali descansa o Rio Ió Grande – o maior da ilha – depois de uma longa caminhada desde a zona do Pico de Ana Chaves e após receber sucessivamente as águas do Rio Ana Chaves, Rio Campos, Rio João, Rio Miranda Guedes e Rio Umbugú. Contornámos a Ponta Juntabudo e depois a Ponta do Ocá, até que se nos depara a Angra de S. João dos Angolares. E já sem o recorte agressivo da paisagem costeira mais a sul, atrevemo-nos a espreitar muito próximo ou um pouco acima da linha de água, com Santana a revelar algumas cautelas, sendo possível observar a faina dos pescadores, ali na região de Santa Cruz. Canoas à vela, umas quantas a motor, a comunidade piscatória da ilha – direta ou indiretamente – representa quase 30% da população. E um estudo não muito antigo refere por exemplo que 50% dos pescadores terão entre 18 e 40 anos de idade e que 95% dos pescadores são angolares. Um sistema artesanal que, infelizmente, não permite uma utilização plena dos recursos, abrindo caminho a concessões a frotas pesqueiras estrangeiras – nem sempre com as melhores contrapartidas.

         Ali bem perto, soubemos, o João Carlos transformou a sua roça São João num polo de cultura turística, um dos primeiros no período pós-independência longe do bulício da capital. E abrigados na Praia Pequena, ali pernoitamos para recuperar a energia necessária para completar a ação exploratória. Com os primeiros raios de sol a colorir a escuridão daquelas águas, depressa agitamos as barbatanas e tomámos o rumo da Ponta dos Morcegos, em Angobó, deixando para trás a ideia de “turismo rural”. E depois Angra Toldo, Micondó, o Ilhéu Catarino e a Colónia Açoreana, antes de chegar à Ribeira Afonso – outro interessante e importante polo piscatório. Mais um esforço, agora numa costa menos difícil, para alcançar a Baía Luísa, contornar a Península e deparar com a Praia Rei – em Água Izé – junto à foz do Rio Abade na sua margem direita. Nas imediações – lembrei a Pantufo e a Santana – é preciso muito cuidado para não ser arrastado para a conhecida “Boca do Inferno”, um típico local da costa batido pelas fortes marés e cuja erosão deu origem a um curioso canal/túnel, merecedor de uma lenda: de tão perigoso foi associado ao demónio, partindo a lenda de uma figura maldosa representada pelo administrador/proprietário da roça que, quando se ausentava em férias ou em trabalho, não o fazia de barco. Preferia montar a cavalo e com ele desaparecer no canal/túnel onde a rebentação era muito forte.
Mais para norte é já a Praia Amador, antes do Ilhéu Santana – cujas águas são excelentes para a prática da pesca submarina. A barracuda é típica, algo preocupante quando em cardumes de certa dimensão – o que não deixou de agitar os sentidos de Santana. Se a presença de um tubarão, apesar da manifesta elegante imponência, mete respeito…a visão de algumas barracudas, com aspeto robusto e uma cabeça pouco simpática, implica um redobrar de atenção.  
         Ali ao lado, depois da Ponta Agulha, a Praia Méssia Alves [hoje chamam-lhe Messias Alves] acolhe um complexo turístico de excelência – o Club Santana Beach Resort – que oferece 20 bungalows e 11 suites com todo o conforto, para além de uma panorâmica única e inseridos num jardim tropical. Mais um exemplo do turismo de referência que o “país novo” tem vindo a valorizar, à semelhança dos projetos já mencionados. Um turismo alimentado como estratégia fundamental do desenvolvimento – tanto económico, social, cultural, ambiental – e como um vetor de paz e de segurança.
         De Santana à protegida Praia das Pombas foi apenas o tempo de um impulso de barbatanas do Santana e a que o Pantufo respondeu com alegria, deixando que eu “cavalgasse” o seu dorso por alguns momentos. Contornámos a Ponta Praião e depois a Praia Melão, na foz do Rio Manuel Jorge, antes de atingir a Ponta de S. Marçal já no polo piscatório de Pantufo. Esta zona representou para mim, em tempos recuados, um trajeto domingueiro de peregrinação e de enamoramento. E ainda a Ponta de S. Jerónimo, onde hoje está implantado o afamado complexo turístico do grupo Pestana. E é um desfiar de memórias vividas em toda aquela marginal, a Praia Perigosa, os edifícios onde em tempos funcionou o Rádio Clube de S. Tomé – primeiro no que viria a ser o Clube Militar e hoje Embaixada de Portugal, depois na atual instalação da Rádio Nacional e onde eu dei os primeiros passos na profissão, quer no Rádio Clube, quer mais tarde no Emissor Regional da EN. Ainda o Clube Náutico, a Piscina Velha e a Fortaleza de S. Sebastião – atual Museu Nacional – a Praia da PM e o Cais acostável apenas para navios de baixo calado. Um tema até hoje não resolvido e fundamental para o desenvolvimento – o chamado Porto de Águas Profundas.
         E, assim, de novo aportámos à Baía de Ana Chaves, confirmando o trajeto de uma “Ilha-Coração” que me deu forma de adulto e da qual ainda hoje guardo todo o sangue da juventude – feliz pelo caminho natural de um país independente. Caminho de muitos obstáculos e de muitas dificuldades que é preciso ultrapassar com seriedade, competência e total disponibilidade para trabalhar. Um país não nasce por osmose – é preciso muita energia positiva, muita imaginação, muito trabalho e gerar um clima de confiança. Definindo prioridades e explicando, explicando sempre as decisões que é necessário tomar em prol das pessoas que são a razão do país!
         Um país que se alarga à Ilha do Príncipe – paraíso que é hoje administrado como Região Autónoma e que vai dando passos seguros, embora lentos, nos caminhos do desenvolvimento. O turismo e os transportes como prioridade, mas também a preocupação de um serviço de saúde capaz de responder aos desafios do turismo, agora que a UNESCO classificou a ilha como Reserva da Biosfera.
         E a distância de 140 quilómetros que separa S. Tomé do Príncipe foi um desafio que Pantufo e Santana rapidamente aceitaram. Navegar em mar alto não é fácil, mesmo para golfinhos e tubarões, mas uma milagrosa “quietude” das águas do Golfo permitiu que eu trouxesse à memória uma viagem num navio patrulha da Marinha de Guerra portuguesa. Seis horas demorou, então, a viagem…e não foi nada fácil. Só melhorou quando avistámos o Ilhéu Boné de Jóquei – também ele merecedor de uma lenda, mas esta amorosa e envolvendo dois jovens apaixonados. Um amor impossível, contudo, para a época muito distante e dada a diferença da cor da pele. Um pormenor que não deixou de causar alguma perplexidade a Pantufo, mamífero de rara sensibilidade. Já Santana pouco ou nada se sentiu afetado com a história.
E os dois lá me guiaram pelo canal até à Ponta Café, sendo visível que esta região do sul da ilha é bastante acidentada, com destaque para o Pico de Mencorne e Morro de Este. O Pico do Príncipe e o Morro de Carreote ficam mais para o interior desta região montanhosa. Com exceção desta cadeia, as formas de relevo do Príncipe são menos abruptas, o que origina uma topografia mais favorável à agricultura. A boa onda das marés do Golfo rapidamente nos colocou na Praia do Abade, e depois de contornar a Ponta da Praia Salgada foi preciso apenas um ligeiro impulso até chegar à Ponta da Mina, onde – séculos atrás – o regime colonial erigiu uma fortaleza e ali instalou uma forte “bateria” de costa. Apreciámos a quietude da protetora Baía de Santo António e de seguida rumámos ao norte da ilha – onde se fala da lenda de Maria Correia, a grande Senhora da Ilha que dormia com os escravos mais fortes e depois os empurrava no Precipício de Belo Monte, ali bem perto da já muito famosa Praia Banana. E aparece a Praia das Burras mais a Praia de Santa Rita, já bem perto do Ilhéu Bombom – entretanto e em boa hora aproveitado para um excelente Resort turístico. Excelentes praias tem o norte do Príncipe, ainda longe de uma eventual exploração petrolífera – provavelmente nada conciliável com os cuidados exigentes da classificação da UNESCO.
         Foi ali na Praia Banana que eu me despedi de Pantufo e de Santana, proferindo um amigável “paçô”… de até sempre. E ali fiquei, como há 50 anos, sentado na praia e olhando o horizonte, gozando o paraíso e esperando pelo desenvolvimento sustentado e amigo do ambiente. E o mar – sempre o mar! – a proteção das tartarugas e o pensamento na criação de uma “Reserva Marinha”, à semelhança daquela que há poucos anos foi criada no Gabão, com 46 Klms quadrados e correspondendo a 23% das águas territoriais do país. É esse o caminho." 
=== António Bondoso 
Jornalista 

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