2016-05-25



LIVRO GOLUNGO ALTO. De JERÓNIMO PAMPLONA.
MEU TEXTO DE APRESENTAÇÃO – DIA 23 MAIO 2016 – PORTO, na UNICEPE.


Bom final de tarde...Uma boa noite a todos.
Estamos a 2 dias do Dia de África...o que – de certa forma – confere a esta sessão uma oportunidade particular. Para falar de África, claro!
***** Há um ano...perguntava eu no meu bogue ONDE FICA A ÁFRICA?

E dizia que, numa altura em que há como que um “toque a finados” nesta União Europeia cada vez mais em deriva, também não é sem apreensão que vemos ouvimos e lemos sobre ÁFRICA. As televisões encarregam-se de nos mostrar diariamente. E um dia destes, a 25, celebra-se aquele que pretende chamar a atenção para os inúmeros problemas – claro – mas igualmente colocar em destaque as potencialidades desse terceiro mais extenso continente e segundo mais populoso do mundo…e do qual fazem parte cinco países que têm como oficial a língua portuguesa:- Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde, Moçambique e S. Tomé e Príncipe.(...)

Há poucos meses, voltava a lembrar que, sobre ÁFRICA, não há contradição entre ESQUECER E LEMBRAR!
A verdade é que, pela história, seremos eternamente confrontados – quer dicotomicamente, quer pela dialética – com esta questão!
Esquecer…não é matar a memória. Pelo contrário…é preciso dar vida à memória, para que não sejamos assaltados pela melancolia pesarosa ou por uma nostalgia perniciosa. É preciso perceber e aceitar os outros, aceitar a verdade dos outros e os avatares da história.
De África, como vamos ver, não chegam apenas REFUGIADOS ou NOTÍCIAS MÁS, tal como não chegam apenas matérias-primas.
De África também vem parte da História – muito da nossa história – vem conhecimento e encantamento, encantamento que mata saudade... como acontece com
o livro que aqui nos traz hoje... ANGOLA NOUTROS TEMPOS – POR TERRAS DO GOLUNGO ALTO E DE AMBAQUISTAS.



Rapidamente...poderia remeter-vos para o PREFÁCIO (do antropólogo Paulo Fernandes) no qual se pode ler “estarmos perante um livro de reflexão histórica e cariz sócio antropológico. Sobre o relevo, as dimensões e a substância do devir da África nas suas particularidades e particularismos”.
OU ENTÃO PARA um texto do meu camarada Manuel Rodrigues Vaz – editor jornalista, escritor: Idealizado para ser uma simples evocação da vila angolana Golungo Alto e das suas gentes doutros tempos, este livro aparece enquadrado num projeto mais lato, que passou por uma retrospetiva da História Geral de Angola, numa síntese tão bem organizada como articulada”.
Ou poderia remeter-vos igualmente para o posfácio...no qual o próprio autor destaca e resume as seis partes da obra:
“Na primeira parte abordo a “chegada” dos portugueses a Angola.
Na segunda parte descrevo as personagens e o estatuto dos Ambaquistas e dos Assimilados.
Na terceira parte centro-me na vida económica e social do Golungo Alto em meados do século XX.
Na quarta parte, num estilo em que a paródia prevalece sobre a sátira, revisitando mais de 25 anos, conto 42 “estórias/piadas”, que ocorreram em diferentes lugares de convívio e que são aqui compiladas.
Na quinta parte narro seis contos, no estilo que poderá chamar-se
de “short stories”.
Na última parte percorro, num “rally paper imaginário”, as ruas do Golungo Alto visitando lugares que nos fazem recordar afetos e emoções vivenciadas”.
Perante isto, praticamente pouco me sobraria para dizer.
Contudo, e porque é de bom tom, tendo aceitado esta tarefa (PARA ALÉM DO PRESTÍGIO, DEVO JUSTIFICAR OS HONORÁRIOS) DEVO DIZER QUE é de toda a justiça... ACENTUAR que o livro está muito bem escrito, literariamente rico mas acessível... E ACADEMICAMENTE muito bem estruturado. UM ESTUDO muito completo, sem ter o caráter obrigatório de uma Tese. SIMULTANEAMENTE é um livro de memórias, de saudade – sem, contudo, transmitir nostalgia.
            Numa linguagem reveladora de uma SERENA FRONTALIDADE, estas páginas encaram a História como ela foi – sabendo nós como é fácil julgar a história aos olhos da realidade de hoje.
É, PORTANTO, uma obra em que os factos históricos enquadram e conferem substância a uma série de CRÓNICAS, de contos breves e de historietas – como diz o autor – escritos com alegria, HUMOR, paixão, romance com erotismo QB...: Como por exemplo no Conto 5 “AROMAS TROPICAIS”:
“Um pouco afastados de terra, nadaram lado a lado, mergulharam e boiaram. Quando voltaram à posição vertical a Lú postou-se frente ao Dani, muito próxima, fitou-o nos olhos, duma forma dengosa, e o desejado aconteceu: beijaram-se sofregamente - um beijo ardente e prolongado.”
Há também política, claro, a controvérsia da Guerra... e não falta o Futebol, numa série de historietas contadas ao jornalista Bergeron*, do jornal A Província de Angola:
*) Desde o início que o nome me faz lembrar o meu camarada Joaquim Berenguel, Radialista em Angola (Rádio Clube de Malanje) e que depois trabalhou aqui na RDP, em Lx, no Pto e finalmente em Bragança.
            Era através desse Rádio Clube de Malanje que o Grupo FINA FLOR DE GOLUNGO ALTO (gente solteira ou com a mulher aqui no “Puto”) se deliciava aos domingos a ouvir a rubrica dos DISCOS PEDIDOS ao longo da semana, enquanto degustavam uma valente churrascada e saboreavam umas CUCAS bem geladas.
Estamos a falar desta região do Golungo Alto e de Ambaca, Malanje, Samba Caju, Camabatela, Rio Lucala, Rio Cuanza...mas devo dizer que, histórias como estas, há-as mais ou menos parecidas em muitas outras regiões de Angola.
            A personagem do Freitas de Cacanga (Adulcínio Freitas)...pode ser recontada em dezenas/centenas de lugares – confirmando a imagem “empreendedora” daqueles que desbravaram o sertão angolano. É bom reter a agilidade com que o Freitas conseguiu motivar cidadãos e autoridades para a instalação de água canalizada, energia elétrica e de uma escola em CACANGA – ali a meia dúzia de Klms de Golungo Alto. (PGS 142-144).
            Para ali – para aquela região - foram no início da década de 1950 uns tios meus América e Acácio Bondoso (ele motorista de pesados) acompanhados dos filhos João e Fernando; também Palmira Bondoso e Honorato Cardoso (no início capataz numa plantação de cana de açúcar) mais 2 dos filhos mais velhos, o Toli e o João Luís – tendo ali nascido outros 3 - e estiveram em Camabatela, Samba Caju, Samba Lucala, Cacuso, sempre à espera que o café amadurecesse na Fazenda Ginga, acabando por ser Luanda o destino final da aventura angolana na passagem do ano de 1959 para 60.
E o João Luís (que hoje está na Austrália) ainda se recorda do nome da Professora Maria Paula, em Samba Caju, e da Igreja dos Capuchinhos, em Samba Lucala, onde havia sessões de cinema. E de uma viagem com o pai, atribulada, na picada até Makela do Zombo...sofrendo furos em excesso.A solução foi usar – depois de substituído um dos pneus – muito capim, muito capim, muito capim nos outros pneus para substituir as câmaras de ar furadas.

            É que a penetração no interior não foi nada fácil. A dificuldade da língua – OU DAS LÍNGUAS – e a escassez de colonos. Poucos, sem mulheres e sem escolas. E em LUANDA, por ex, em 1846 – já muito próximo da Célebre e Trágica Conferência de Berlim – em Luanda havia 5 mil habitantes e 100 tabernas, para 144 casas de 1º andar, 275 casas térreas e 1058 cubatas.
            Lê-se por aqui que nos séc. 17 e 18, sobretudo depois da expulsão dos Jesuítas, chegou mesmo a acontecer a KIMBUNDIZAÇÃO dos portugueses. E que já em 1620 tinha sido publicado um CATECISMO em Kimbundu.
            A INVERSÃO SÓ ACONTECE, e numa dimensão reduzida, já na segunda década do séc. 19, com a chegada de uma nova vaga de emigrantes da metrópole e também muito pelo esforço dos chamados AMBAQUISTAS.
É um dos capítulos mais interessantes desta obra:
Quem são/Quem foram os AMBAQUISTAS? COMO FORAM INFLUENCIADOS...E COMO EXERCERAM A SUA INFLUÊNCIA...?
Resumindo a investigação do autor...pode dizer-se que os AMBAQUISTAS constituíram uma elite luso-africana, independente dos SOBADOS e consolidada no séc.19, que teve uma origem muito heterogénea – com negros (mesmo antigos escravos), mestiços e alguns brancos. Nos seus antepassados europeus houve conquistadores, soldados, comerciantes e degredados. A sua ambição de saber ler e escrever levou-os a partilhar a influência dos dominadores coloniais – com o objetivo de a poderem depois exercer junto das sociedades tradicionais africanas, tanto a nível económico como político. Foram considerados os mais importantes intermediários na correspondência entre os chefes angolanos e as autoridades coloniais. Falavam, escreviam e ENSINAVAM o português, para além do seu próprio dialeto ou de uma língua franca africana – no seu caso, o KIMBUNDU.
No final desse séc.19, o número de “Ambaquistas” era calculado em 10 mil, muitos deles dispersos um pouco por todo o território, assumindo inter-relações culturais e sociais com todas as etnias do território.
O exemplo mais conhecido é o da colónia ambaquista na Mussumba, residência dos reis lunda (atualmente República Democrática do Congo). Foi aqui que o seu fundador e dirigente, Lourenço Bezerra Correia Pinto, um ambaquista oriundo do Golungo Alto, conhecido por Lufuma, deu aulas de língua portuguesa, leitura, escrita e aritmética básica, no período de 1865 a 1885. A colónia terá sido fundada em 1859, tendo desenvolvido uma intensa atividade artesanal e agrícola.
OS AMBAQUISTAS tiveram igualmente peso nas caravanas das rotas comerciais e até em expedições de investigação e conhecimento. Como por ex: essa ligação “costa a costa”, entre 1804 – 1814, com Pedro João Baptista e Anastácio José – 2 nativos luso-africanos, que foram ao serviço dos portugueses e foram identificados como tal. Ficará bem, por esta altura, relembrar um poema de Arnaldo Santos em “A Casa Velha das Margens”
O DESTERRO DO AMBAQUISTA
Escrevo de nenhures
De meu coração
Oiço as batidas.
É esse
O meu único chão
O pó
Em que existo
E onde preces e sonhos
Tenho erguidas.
É esta
A Ambaca antiga
Que carrego em mim
Em palavras
E vidas
Com que os espíritos Lhe reclamam.
É este
O meu solo Materno pátrio
No qual busco a cidade
E me consolo.
Os Ambaquistas faziam questão de assumir e de realçar o seu “estatuto especial”... trazendo-me à memória o caso de Macau. A importância decisiva que tiveram os MACAENSES na relação entre a Administração portuguesa e a comunidade chinesa. Exatamente porque falavam as duas línguas – no caso, o português e o Cantonense.
E não querendo abusar da vossa atenção e da vossa paciência, para além das notas históricas sobre a Colonização, o Choque de Culturas, e a Escravatura... PARA ALÉM DOS ASPETOS MUITO PARTICULARES DA CONSCIÊNCIA CÍVICA E POLÍTICA DOS PORTUGUESES DE ANGOLA – sobretudo no Sul, com a FUA, em Benguela, em 1961, fortemente reprimida – mas já antes em Luanda, em 1948, com o aparecimento do MOVIMENTO DOS NOVOS INTELECTUAIS DE ANGOLA, com jovens negros, mestiços e brancos... há esse relato delicioso sobre a rainha Njinga também conhecida como DONA ANA DE SOUSA ( depois de batizada em Luanda já com 40 anos de idade, ela que terá nascido em 1582...), tendo sido nomeada ainda como MUENE NZINGA MBANDI.
Considerada como pioneira do sentimento nacionalista angolano... OS PRIMEIROS REGISTOS sobre NZINGA/NJINGA datam de 1621 – altura em que terá sido enviada a Luanda pelo seu Chefe e Irmão para negociar a Paz com os portugueses.
            Terá conseguido renegociar o número de escravos a transacionar, mas não foi bem sucedida no seu objetivo de obrigar ao desmantelamento do Presídio de Ambaca – uma fortificação fundamental para o avanço colonial no território. Entre 1641 e 48 foi aliada dos holandeses para guerrear os portugueses, mas só viria a capitular em 1656, tendo falecido em 1663, já com 81 anos de idade.
            Há traços reveladores da personalidade da rainha Njinga, neste relato do livro de Jerónimo Pamplona, relacionado com aquela missão diplomática de 1621: (PAG.44)
O episódio teve lugar na visita que fez ao Palácio do Governador vestida, como era seu hábito, com uma bela capa escarlate sobre os ombros e um finíssimo pano de musselina elegantemente preso à cintura por uma cinta de camurça, cravejada de diamantes e outras pedras raras. O governador recebeu-a sentado num cadeirão alto, quase um trono, tendo reservado para a Njinga uma almofada, debruada a ouro, sobre um sedoso tapete.
A Rainha  Njinga deu ordens a uma das suas escravas para que se ajoelhasse e sentou-se sobre o dorso da servidora. Aquele gesto marcou o tom do encontro. No final da visita o governador estranhou que a embaixadora não chamasse a escrava que se mantinha imóvel sobre a almofada. A Rainha riu-se. Deixaria a escrava, retorquiu. Não tinha por hábito usar o mesmo assento mais do que uma vez.
Quanto à origem do nome de Golungo Alto, a história é mais ou menos idêntica tanto neste Livro de Jerónimo Pamplona como no Dicionário Antonito: COROGRÁFICO-COMERCIAL DE ANGOLA de 1959 – 4ª edição: há na região um antílope (muito semelhante à Seixa e ao veado) de seu nome africano : - NGULUNGO (porco raro, especial).  O termos ALTO – vem das montanhas da zona.
Terá passado a prato típico da região, depois de se ter verificado uma peste suína muito gravosa.
O GOLUNGO ALTO é terra de gente ilustre na história de Angola, onde nasceram gradas personalidades angolanas como o famoso Cónego Manuel das Neves, que foi um dos principais impulsionadores da luta de libertação nacional, os dirigentes políticos Mário Pinto de Andrade e o seu irmão Joaquim Pinto de Andrade e à qual estiveram sempre ligados figuras como o poeta António Jacinto, o dirigente político Lopo do Nascimento, o escultor José Rodrigues bem como os seus irmãos António Jacinto Rodrigues, notável arquiteto paisagista, e Irene Guerra Marques, grande figura da cultura angolana.
E na hora de fechar, lugar ao poema RECORDANDO, de António Jacinto, precisamente dedicado ao GOLUNGO ALTO:
RECORDANDO
Oh! Meu Golungo em que a floresta assume
Graças infinitas; doce perfume
Que o Zenza lendário vem beijando
Recordando fatal amor tão nefando!
Zenza caprichoso, me vens contando,
Quando sereno te estava fitando,
Uma história de louco ciúme,
Numa noite de vibrante ciúme.
Em que Ela, embalada, terna e amante
Em meus braços, chorosa e anelante
Me jurava amor eterno. Tão querida!
Este poema está acompanhado de umas breves notas explicativas da Poetisa angolana Ana Paula Tavares: No verso 1: Floresta, alusão à Reserva Florestal de Golungo Alto. Versos 3 e 5: Zenza, alusão ao rio que banha a região de Golungo Alto. Verso 9: Ela, alusão à terra Golungo Alto.
António Bondoso
Porto, 23 de Maio de 2016.


António Bondoso
Jornalista

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