2019-11-27



MACAU – O ORIENTE DA HISTÓRIA!
20 ANOS – MUITOS SÉCULOS!
...ou de como, em 20 de Dezembro de 1999, Macau passou a ser diferente mas não deixou de ser Macau. 


Foi este o tema que escolhi para uma «aula» de Relações Internacionais – a última deste ano de 2019 – na Universidade Sénior Rotary de Matosinhos (USRM), em Leça do Balio. Uma oportunidade para recordar o relacionamento entre chineses e portugueses através de Macau, numa altura em estamos próximos da data que assinalou a transferência da administração do território para a RPC. Momentos de «história» antiga e recente, imagens, testemunhos e emoções, pela poética, de figuras que marcaram a vida do território onde nasceram ou onde viveram décadas – como foram os casos de Adé dos Santos Ferreira (Tu, Macau, de passado alegre e triste,/Fazes lembrar o céu quando varia de cor); Leonel Alves (Pai); Camilo Pessanha; Graciete Batalha; António Correia; Silveira Machado (mais conhecido como "o Professor" e também chamado por vezes de "Macaense dos Açores") e Estima de Oliveira.
Grato aos alunos e professores, que escutaram e participaram – nomeadamente dizendo poemas – casos de Natália Vale, Adília Gonçalves, Goreti Moreira, Teresa Morais, Arlete Costa, António Domingos, David Martins e Jorge Reis. Um abraço particular ao engº António Rosado que me facultou quase duas dezenas de fotografias sobre a evolução dos trabalhos da construção do aeroporto de Macau e que estão, algumas, expostas no átrio da Universidade. Reconhecido igualmente a convidados que testemunharam vivências mais ou menos recentes, como por exemplo a Alice Santos – que também disse poesia – a Maria do Amparo e o Major-General Jorge Santos, engº e militar, que recordou – numa síntese brilhante – a azáfama dos últimos anos da presença portuguesa em Macau, falando particularmente da construção do aeroporto e do Centro Cultural, infraestrutura onde decorreu a cerimónia da «transferência». Deixou inclusive uma nota de humor quando referiu um episódio ocorrido a poucos dias da «cerimónia»: chuva intensa e ventos fortes obrigaram um colaborador seu a dizer-lhe «Jorge Sampaio tem os pés molhados», querendo significar que, no lugar onde ficaria sentado o Presidente da República Portuguesa, caía chuva. Ao que Jorge Santos retorquiu «agora, só nos resta rezar para que não chova mais». E o assunto resolveu-se assim. Como foram sendo resolvidos outros momentos ao longo de séculos, nomeadamente os tempos difíceis do «1,2,3» de 1966, em plena «Revolução Cultural» na China de Mao, ou os períodos de angústia dos naturais de Macau (particularmente os de ascendência lusa) que se seguiram à assinatura da «Declaração Conjunta» Luso-Chinesa, em 1987, sobre o futuro do território. Que, na perspetiva da RPC, nunca foi uma «colónia». Visão sábia de quem, pacientemente, analisa e projeta o tempo futuro, eliminando essa tese no âmbito das Nações Unidas e pela qual não poderia haver «descolonização». A RPC, com olhos postos na «reconstrução» da «Grande China», depois do retorno de HK, Macau e Taiwan (que ainda demora), não poderia aceitar uma eventual e consequente hipótese de, descolonizados, aqueles territórios pudessem ascender à «independência». Entenderam, por isso, designar os momentos de 1997 e de 1999 como de «Retrocessão». Isto é, o ato de ceder o que se obteve por cessão.
A Declaração Conjunta, apesar de habilmente elaborada, não «oferecia» uma evidente tranquilidade quanto ao futuro. No entanto, nela estavam escritas palavras e ideias como «alto grau de autonomia da RAEM», dotada de um governo próprio e na qual se manteriam «substancialmente inalterados» os sistemas social e económico durante 50 anos. No fundo, ideias que balizavam a semântica do estabelecido no Tratado de restabelecimento das relações diplomáticas entre Portugal e a RPC, de 1979, o qual reconhecia o princípio do mútuo respeito pela soberania e integridade territorial”.
Os altos e baixos do processo de transição, sobretudo a seguir ao «caso Melancia», condicionaram de alguma forma a eficácia da localização de quadros e do ensino do Mandarim como língua oficial, mas – apesar disso – o governo de Macau e os representantes portugueses no Grupo de Ligação Conjunto Luso-Chinês que «negociaram» o futuro, foram capazes de assumir a importância do Aeroporto para a autonomia do território e de formalizar outras questões fundamentais, como as bases do Direito e a permanência da língua portuguesa – pelo menos até 1949 – o que permitiu aprofundar as relações no âmbito da Lusofonia, uma ideia iniciada pela Administração de Rocha Vieira e mais tarde concretizada pela RPC ao criar o «FÓRUM de Macau» em 2003.
Finalmente, a inevitável e sempre considerada comparação entre os casos de Macau e de Hong Kong. Quer pela dimensão, quer pela história, o que nos apresenta Macau como um quadro singular. Há dias, a historiadora Catherine Chan See disse à Agência Lusa que «O fosso político entre Macau e Hong Kong já vem dos tempos da Revolução Cultural chinesa». A Lusa concluiu que, depois de ouvir vários dirigentes de grupos “não alinhados”, «Duas décadas após a transição, a população de Macau permanece desinteressada da política, graças à educação que não favorece o espírito crítico, devido à melhoria do nível de vida ou ao receio de represálias». Os casos foram e são diferentes, sem dúvida. E outra das explicações pode estar nesta ideia de Ron Lam U Tou – presidente da Associação da Sinergia de Macau e o último candidato a ficar fora da Assembleia Legislativa nas últimas eleições, em 2017: “quase metade da população de Macau nasceu do outro lado da fronteira e os mais velhos “ainda se lembram de quando, na China, não havia nada para comer”. “Nos anos 1990, muitos dos meus colegas de liceu viram os pais ir trabalhar para Taiwan de forma ilegal ou na construção civil”.
Também por isso, mas não só, Macau é diferente. E foi, para o bem e para o mal, a mais duradoura relação ultramarina de Portugal. No Extremo Oriente…poderá não ter sido tão intensa e tão problemática quanto a do chamado «Estado Português da Índia», mas foi a mais duradoura.
E deixou marcas indeléveis. Como essa «Língua Maquista» que, sobretudo Adé dos Santos Ferreira, tornou perene. E foi também em «Patuá» que esta aula na USRM se revelou, dizendo e ouvindo poemas – matéria que deixaremos para a próxima nota neste blogue.
Apesar do inevitável «prazo de validade»…Macau passou a ser diferente mas não deixou de ser Macau.


António Bondoso
Jornalista e Mestre em R.I.
27 de Novembro de 2019

2 comentários:

Alice Santos disse...

Uma tarde onde as memórias foram presente, onde Macau e as vivências de cada um fizeram recordar o dia a dia de quem por lá passou e não ficou indiferente às suas gentes. Quem viveu em “Ou Mun” sabe que ao regressar deixa um pouco de si por lá, mas traz muito de “Á-Má-Gao”. Macau entranha-se na pele de todos os que por passam.
Obrigada.

António Bondoso disse...


Obg Alice Santos. Pela presença, pela disponibilidade e pelo carinho.

Ou Mun sã assi. Primeiro estranha-se e depois entranha-se.