2019-11-28


MACAU – O ORIENTE DA HISTÓRIA (Aula II na USRM)
20 ANOS – MUITOS SÉCULOS
…ou de como esta relação de séculos, embora não tenha sido perfeita, foi sem dúvida a mais duradoura. E como é fundamental tentar perceber de que forma é que o território – sereno de encantamento – moldou quem nasceu e viveu! E nasceram poetas.  


Ao falar do relacionamento entre a RP da China e Portugal é inevitável inserir Macau na equação. E agora, quando se aproxima a data dos 20 anos da transferência de Administração, 19 para 20 de Dezembro de 1999, é uma ocasião propícia para rever a história mais ou menos recente. Macau foi, para o bem e para o mal, a mais duradoura relação ultramarina de Portugal. No Extremo Oriente…poderá não ter sido tão intensa e tão problemática quanto a do chamado «Estado Português da Índia», mas foi a mais duradoura. E deixou marcas indeléveis. Como essa «Língua Maquista» que, sobretudo Adé dos Santos Ferreira, tornou perene. E foi também em «Patuá» que se compôs uma aula da disciplina de Relações Internacionais na USRM – Universidade Sénior Rotary de Matosinhos – dizendo e ouvindo poemas de figuras que marcaram a vida do território onde nasceram ou onde viveram décadas – como foram os casos de Adé dos Santos Ferreira (Tu, Macau, de passado alegre e triste,/Fazes lembrar o céu quando varia de cor); Leonel Alves (Pai); Camilo Pessanha; Graciete Batalha; António Correia; Silveira Machado (mais conhecido como "o Professor" e também chamado por vezes de "Macaense dos Açores") e Estima de Oliveira.
Grato aos alunos, professores e convidados que disseram poemas – casos de Natália Vale, Adília Gonçalves, Goreti Moreira, Teresa Morais, Arlete Costa, António Domingos, David Martins, Jorge Reis e Alice Santos. Grato ao Miguel Sena Fernandes e ao João Gomes pela tradução de alguns poemas.


Entrecortando a nota expositiva sobre o relacionamento de séculos entre Portugal e a China, os «Poetas» de Macau foram fazendo ouvir a sua «voz». O primeiro foi ADÉ com CIDÁDI DI NÓMI SÁNTO:  
«Nôsso Macau, nómi sánto,
Vosôtro olá!
Qui ramendá unga jardim;
Fula fresco na tudo cánto
Sã pa ispantá.
Sai semeado, nom têm fim».
Traduzindo, quer dizer:
«Nossa Macau de nome santo,
Vede, vede todos bem!
parece um jardim;
Por todos os cantos flores frescas
É de pasmar.
Saem plantadas, sem fim».
Grande parte da vida, ADÉ dedicou-a à divulgação do dialeto macaense, sendo autor de vasta bibliografia e de récitas, peças de teatro e operetas, que também ensaiava e dirigia. Durante muitos anos foi um ativo colaborador de muitos programas de Rádio.
         E depois de Adé, incontornável, lembrou-se LEONEL ALVES (Pai) com o soneto FILHO DE MACAU:

Cabelos que se tornam sempre escuros,
Olhos chineses e nariz ariano,
Costas orientais, e peito lusitano,
Braços e pernas finos mas seguros.
Nascido e falecido em Macau (27 de Janeiro de 1921/10 de Outubro de 1982), Leonel Alves foi funcionário dos Serviços de Saúde. Colaborou em vários jornais de Macau com poesia e charadas.
         De CAMILO PESSANHA recordámos VIOLA CHINESA, de 1898, manuscrito no seu «caderno de capa preta»:
Ao longo da viola morosa
Vai adormecendo a parlenda,
Sem que, amadornado, eu atenda
A lengalenga fastidiosa.
De alguma forma, são ainda nebulosas as razões da saída de Pessanha de Portugal, mas aventa-se como hipótese plausível um desgosto amoroso. Em Macau, Camilo Pessanha permanece de 1894 a 1926, ano da sua morte, tendo vindo à «metrópole» quatro vezes. De acordo com as suas confidências, foram vinte e seis anos de «degredo», pois ele nunca se adaptou ao ambiente de Macau, onde lecionou várias disciplinas no Liceu, ocupou o lugar de conservador do Registo Predial e exerceu as funções de juiz.
          Interessante a figura de GRACIETE BATALHA que viveu em Macau de 1949 a 1992. No poema que selecionámos deixa nitidamente transparecer a «angústia» de que já falámos na crónica anterior. ONDE QUE TU VAI, MACAU?
Onde que tu vai, Macau?
Qui de amanhã ocê tê?(…)

(…)Meu povo chora càlado.
Que nã sabe ele-sa fim …
 
Filho de Macau largado
Qui de amanhã para mim?


Numa tradução livre de João Gomes, podemos ler:
Para onde vai Macau?
Que amanhã você tem?(…)
(…)Meu povo chora calado
Por não saber seu fim…
Filho de Macau abandonado
Que amanhã para mim?
Sem esquecer o ensino primário em Macau, na Universidade de Hong Kong Graciete Batalha regeu a disciplina de Língua Portuguesa, em 1958-1959. Desenvolveu depois a sua atividade docente no Liceu Nacional Infante D. Henrique, em Macau. Lecionou igualmente na Escola do Magistério Primário de Macau, de que foi diretora de 1967 a 1969. Professora e pedagoga, conferencista, investigadora e ensaísta, é reconhecida como “uma das personalidades mais marcantes no panorama da cultura contemporânea de Macau”. Foi ainda membro do Conselho Legislativo de Macau, da Assembleia Legislativa de Macau e do Conselho Consultivo do Governador de Macau. Foi também membro da Sociedade de Geografia de Lisboa. 


ANTÓNIO CORREIA é um «Beirão» do sul do Douro – Resende – e dali levou para Macau uma sensibilidade telúrica muito própria e moldada na sua função de homem de leis. Poderia eu ter selecionado – agora, que também chove muito em Portugal – o poema PORQUE CHOVE EM «OU MUN». Mas a sequência da «aula» levou-me a preferir o soneto FAROL DA GUIA, monumento pelo qual também eu nutro uma particular afeição. Tem «luz» e indica «presença»:
Português lampião no sul da China,
o primeiro entre os mais, Farol da Guia,
guia-nos na procela em cada dia,
co´a luz, que à noite tens diamantina.(…)
(…)Brilha e rebrilha ao céu e mar sem fim,
que a luz de Portugal, luzeiro amigo,
dá-se aqui, sem se impôr, a todo o chim.
António Correia radicou-se em Macau em 1980 e saiu em 1997. Poeta, contista e romancista com colaboração em jornais, revistas e na rádio em Macau. Foi Advogado, Notário Privado, Gestor de Empresas e Deputado. Foi membro do Conselho Superior da Advocacia, Conselho de Cultura e Conselho Consultivo do Governo de Macau. Em Macau publicou os seguintes livros: Miscelânea, 1987; Conjugando o Verbo Amar, 1989; Folhas dispersas, 1989; Ngola, 1990; Amagao, meu amor, 1992; Deideia, 1992; Fragmentos, 1994 (1.ª edição), 1996 (2.ª edição) (3); Contos de Ou Mun, 1996.
         JOSÉ SILVEIRA MACHADO nasceu em S. Jorge, nos Açores, e viveu mais de 70 anos em Macau, tendo publicado o seu último livro aos 87 anos de vida (2005) com o título O OUTRO LADO DA VIDA. Uma obra de forte crítica social:
(…) As grades não prendem
O voar do pensamento
As grades não seguram
a distância do vento

No encanto dessa idade
há de haver felicidade
p´los cristais da quimera
Há de entrar primavera
Mais conhecido por "o Professor" e também chamado por vezes de "Macaense dos Açores", Silveira Machado foi professor, cofundador e e jornalista do semanário católico "O Clarim", para além de comentador, animador cultural, dirigente desportivo e escritor. Este seu último livro é uma compilação de textos e de comentários por si publicados ao longo dos anos em O Clarim e tem por tema principal o que chamou de "lado preto da vida" – o das "crianças que morrem de fome, doentes, pobres, drogados, desempregados ou imigrantes". O autor, um católico convicto, quis igualmente lançar um apelo à preservação e à divulgação da cultura portuguesa em Macau.
         ALBERTO ESTIMA DE OLIVEIRA foi, como é usual dizer-se, um cidadão do mundo: Portugal, Angola, Guiné-Bissau e Macau, remontando os seus primeiros versos aos 18 anos de idade. Do seu livro de 1988, Diálogo do Silêncio retirei este poema inteiro:
«é um impacto neutro
uma porta já aberta
e cai-se
num silêncio
intemporal
e profundo
como se
por artes mágicas
entrássemos
noutro mundo…
algumas pancadas na porta grande
a velha casa tremeu
silêncio».
Em Macau, onde viveu de 1982 a 2001, e sob a chancela do Instituto Cultural, Estima de Oliveira publicou a maioria dos seus livros, todos eles de poesia, colaborando também nas revistas Macau Revista de Cultura. O Poeta está traduzido em chinês e em inglês, nomeadamente na coletânea com o título Fly, publicada em Portugal em 1986 e apresentada pelo autor, nesse mesmo ano, no 1º Festival Internacional de Poesia de Las Palmas, Gran Canaria, no qual também representou o território de Macau. Em 1997, o ACTO/Instituto de Arte Dramática, adaptou uma das suas obras O Corpo (Con) Sentido e levou-a à cena, em três sessões, no Teatro Municipal de Estarreja. Faleceu em 2008.
Tal como Estima de Oliveira, de ANTÓNIO BONDOSO também se pode dizer que foi um cidadão do mundo, pois da sua geografia sentimental e de trabalho fazem parte Moimenta da Beira, S. Tomé e Príncipe, Angola, Porto e Macau. Foi ali que publicou o seu primeiro livro em 1999. De poesia e com o título EM MACAU POR ACASO. E dele foi selecionado o poema LEQUE VERMELHO:
O leque é vermelho
Invariavelmente vermelho (…)
(…) O leque é vermelho…
E trinta vezes repetido
Enche de cor o horizonte
Agora sombrio da minha janela.(…)
A Rádio foi e é a sua paixão – Rádio Clube de STP, EN, RDP e Rádio Macau – tendo colaborado na RTP e na RTV. Foi colunista nos jornais Correio Beirão e Jornal Beirão, fundados em Moimenta da Beira.
Entre poesia e prosa, António Bondoso publicou já mais de uma dúzia de títulos desde 1999. Colaborou igualmente em diversas Coletâneas de poesia, e em 2019 já publicou TERRA DE NINGUÉM ou Variações sobre o País Real, com a editora Edições Esgotadas. Realizou, em 1999, para a TDM-Rádio Macau uma série de 31 Programas (MACAU – O ORIENTE DA HISTÓRIA) para assinalar a Transferência da Administração Portuguesa de Macau para a RPC, os quais foram transmitidos em algumas dezenas de Rádios Locais em Portugal. 


         Por fim…e como nos aproximamos rapidamente da «quadra natalícia», entendi por bem recuperar um outro belo poema de Adé do Santos Ferreira sobre o Natal. NATAL! NATAL! – é um poema, diz-nos o Miguel Sena Fernandes, que serviu de letra, em «Patuá», para um clássico de Natal de Adolphe Adam de 1847, “O Holy Night”. Os Doci Papiaçám di Macau cantaram a música com esta letra do Adé na missa do galo de 2000:
Perto di Céu,
N´acunga nôte sánto,
Ung´estréla já sai pa lumiá.(…)
(…)Glória pa Dios! dôs ánjo cantá,
Natal, Natal,
Luz di paz ta deramá …
Natal, Natal,
Amor nádi falta!
Numa tradução livre do Miguel Sena Fernandes, deixo-vos o poema completo que foi dito, nas duas versões, pela Alice Santos:   
(NATAL, NATAL ou PERTO DI CÉO)
“Próximo do Céu
Naquela Santa noite
Uma estrela veio para iluminar

Abaixo do Céu
Cheio de encanto
Uma doçura de voz nos chamou para ver

O lugar sagrado que Deus escolheu
Para o Filho Santo do Céu nascer

Gloria a Deus! Dois anjos cantaram
Natal, Natal,
Amor não faltará

Glória a Deus! Dois anjos cantaram
Natal, Natal,
Luz de paz a derramar
Natal, Natal,
Amor não faltará “
E assim, na simplicidade de uma aula sobre R.I., se falou do triângulo Portugal/Macau/China e de uma relação de séculos que, embora não tenha sido perfeita, foi sem dúvida a mais duradoura. E como é fundamental tentar perceber de que forma é que o território – sereno de encantamento – moldou quem nasceu e viveu! E nasceram poetas.  


António Bondoso
28 de Novembro de 2019. 





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