2008-05-01

OS PAPELINHOS DO ESTIMA !

OS POETAS NÃO DESAPARECEM - APENAS SUSPENDEM AS PALAVRAS !

Alberto Estima de Oliveira cruzou-se comigo em Macau - esse farol da lusofonia no Oriente - mas poderia ter sido em África, onde estivémos, como teria sido possível acontecer no Brasil, nos Estados Unidos da América, na Palestina ou na "Mesopotâmia-espaço que criei" - a nossa Mesopotâmia, como escreveu na simpática e singela dedicatória aposta no exemplar do seu livro que me ofereceu.



Para mim...começou por ser o amigo de alguns amigos. E foi depois meu amigo. De Amizade recíproca e verdadeira ! E de amigo...passou a "referência". De rectidão, de humanismo, da Poesia. E os Poetas não morrem ! Apenas suspendem as palavras, nessa viagem cósmica que um dia todos teremos de fazer.

Aríon Publicações, Lisboa - 2003

Dentro de dois meses completaria 74 anos de vida - uma vida preenchida mas também sofrida. A imagem que dele guardarei, sempre, será essa de um sorriso de cabelos brancos, um "cavalheiro" na postura e nas palavras que dominavam o nosso convívio - mesmo quando as palavras queriam significar dureza para com as injustiças da vida e dos homens. Tal como ficará para sempre esse "filme" dos nossos almoços com o Helder e o Gilberto no Santos, em Coloane; no Clube Militar, em Macau; ou no Serra da Estrela, nas Amoreiras em Lisboa : - o ritual das palavras e das ideias rivalizando com o ritual de saborear um grande vinho.
Culto, afável, humilde - como devem ser os grandes homens - foi com ele que tomei o gosto de enfeitar as palavras, de as amaciar e, por fim, lhes dar forma de pensamento e emoções. Foi com ele - ainda - que tomei o jeito de amadurecer os "cliques" e as ideias em dezenas e centenas de "post-it's" ( à falta, serviam mesmo os recibos das caixas de multibanco) - aquilo a que chamei "os papelinhos do Estima" ! E daí me ficou também o vício da escrita mais doce, muito para além da rudeza e aspereza das notícias que são a causa da minha profissão. A par de outros "modelos" contemporâneos (Cardoso Pinto, Helder Fernando, Beatriz Basto da Silva, Ramos Rosa, Luís Veiga Leitão, Conceição Lima, Olinda Beja) - Estima de Oliveira foi para mim uma "referência". Disse-o ainda recentemente, quando apresentei o meu último livro de poemas em Lisboa - uma sessão que lhe dediquei, na sua ausência já muito sofrida - e assim ficou registado na "mensagem" que lhe enviei, por escrito, no exemplar que lhe ofereci.

Estima de Oliveira faleceu no silêncio da noite, "desligando-se" da máquina que - como disse o Helder - a custo, ainda fazia quase respirar o Poeta !

Mais um grande abraço ao Estima...e Até Sempre !
Voltaremos a estar juntos...na próxima esquina!

" se no segundo exacto
a graça fosse
de minha eterna posse

prendia
a forma da manhã

formando um dia
à dimensão da vida."

Do seu livro " ESQUELETO DO TEMPO"
Livros do Oriente, Macau - 1995.
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António Bondoso
1 de Maio de 2008

2 comentários:

Joaquim Elisio disse...

O Alberto foi meu colega em Bissau.
Para mim era o Alberto. Ainda há bem pouco tempo, estava eu em Espanha de férias, vi uma reportagem na RTP Internacional onde o mostraram a receber um prémio de poesia em Macau. AO POETA ESTIMA DE OLIVEIRA. Para mim era o Alberto. ATÉ JÁ.

Unknown disse...

É bom recordar este Poeta Amigo!

Quando me deste a notícia,
recolhi os seus livros da estante, abracei-os, lendo suas sensíveis dedicatórias,
ao som das lágrimas...

Breves poemas seus tocaram:


onde se colhe
a flor
floresce
o corpo

a dor
cresce
o amor
nasce

*

consegue-se um pouco
de solidão
e ficamos aflitos
desejando
o voo dos pássaros

só depois
reflectimos
na construção
das asas

*
por vezes acontece-me o silêncio
e nesse nada haver afasto-me de mim

então surpeendo-me no espanto
de não estar

não estando vou indo
na tal berma
as margens do caminho

esvoaço
geralmente ao entardecer
na claridade da noite

caminho sempre

a primavera existe
no mais profundo inverno

há um frio interior
que se transforma
com o calor do sangue

(rosas vermelhas)

* * *

Abraço