A MORTE - ESSA COMPANHEIRA INSEPARÁVEL !
Interroguei-me se não seria mais humano, mais doce, mais cristão evitar tal sofrimento. Deus mostrou misericórdia e deixou que a morte a levasse noventa anos depois !
Não esqueço, não vou esquecer, uma sua frase (meio afirmação meio pergunta) tipicamente repetida nos últimos tempos de vida:- o que ando eu cá a fazer !? Ao que nós, cheios de boas intenções e mensageiros de um optimismo "camuflado", invariavelmente respondíamos afirmando a sua boa estrela, a felicidade que era ver casar os sobrinhos e os sobrinhos netos e ver novos rebentos de uma família que tem marcado Moimenta da Beira desde finais do século XVII.
Ver - era exactamente um gosto e um sentido que ainda resistia à erosão da vida da Tia Luísa, apesar de uma manifesta dificuldade. Contudo, bem menos preocupante do que a audição - um aspecto gerador de muitas situações hilariantes. Os "equívocos" de uma surdez avançada, no entanto, eram encarados - por ela e por nós - com uma naturalidade sadia. Mantinha-se a comunicação, consolidava-se a relação, a Tia Luísa era adorada.
E vai continuar a ser. Lembrada... pelo menos na liturgia da palavra :
LUISINHA...
Ó menina Luisinha !
O grito vinha da rua chegava pela janela
Próprio de quem conhece
Dono de quem respeita.
Tratamento de carinho
Doce quando amanhece
Como cheiro de canela.
Não importa quem passava
Nem carece de saber
Não importa quem chamava
Nem a notícia que vinha.
Lá dentro... todo o seu mundo...
Mal ouve o grito que soa :
Luisinha...
Ò menina Luisinha !
Mas chega à janela e espreita
Saúda quem apregoa
Seu nome com tom profundo.
Tormento de pão difícil
Pestes fomes e guerras
Ela encarna no amor
Ingénua sabedoria
Doa-se a ela toda
E a todos aos pedacinhos
Aos irmãos e aos sobrinhos
Às pessoas que a rodeiam.
É um coração solitário
À volta de muita gente
Por engano foi perdido
Por desengano ouvido
Lutou sempre e arduamente
No trabalho se empenhou.
De um tempo que não foi seu
Não brincou às esperanças
De sonhos que não sonhou
Nem o Mundo conheceu
Mas a todos muito amou.
Luisa leva lugares
Vozes vazias e vagas
Num peito de sangue vermelho
Como vinho de lagares,
Um coração solitário
Cheio de seiva e de algas
Memórias de um corsário
Assaltante de um momento
Um grito no imaginário
No eco do pensamento:
Luisinha...
Ò menina Luisinha !
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