2013-02-22


A MINHA CRÓNICA DE HOJE NO JORNAL BEIRÃO - MOIMENTA DA BEIRA!!!

UM TEMA AINDA TÃO POLÉMICO...QUANTO ATUAL.


A TÁTICA DO QUADRADO...
... o vazio na “cadeia de comando” após o golpe militar de 1974, a Descolonização, os “retornados” e os “manipuladores do tempo” – antes e depois do adeus.


          Não estranhe...mas o processo foi mesmo inclinado! E, por tardio, não se poderia esperar outra forma. Complexo, doloroso, traumático, atabalhoado – difícil, dramático e trágico como se percebe nestas duas frases de Melo Antunes que eu fui retirar ao Expresso, semanário que acompanho fielmente há 40 anos e que, por força do meu retorno ao “Portugal Europeu”, em finais de 1974, alguns dos primeiros exemplares fizeram idêntico trajeto num caixote que embarcou nas ilhas do meio do mundo.
          Demorou a chegar ao Cais de Alcântara, mas chegou, demorou a ser encontrado mas foi achado. Para além dos jornais, trazia apenas as tábuas de uma cama – os únicos bens materiais que possuía ao fim de 21 anos de África e dois meses depois de ter casado, após ter conseguido desfazer-me de um carro que adquirira um ano antes.
          Os acontecimentos não me apanharam “desprevenido” de todo, pois senti e fui percebendo a degradação do clima, tendo passado o final do Verão de 1973 em Portugal. Mais ou menos férias, mais ou menos convalescença, mais ou menos recuperação de muitos anos nos trópicos, acumulando um longo serviço militar. Falhei apenas no “timing” do processo – mais cedo do que eu previra – e na ideia antiga de que Angola era o horizonte mais longínquo. E, honestamente, confesso que não acusei a tragédia nem o trauma, embora tivesse sido difícil e doloroso. Outros passaram e vieram bem pior, a grande maioria com um mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma. Talvez pela ausência do trauma e por uma situação profissional mais ou menos definida na ex-EN [que detinha em STP o seu Emissor Regional], sempre fui apologista de uma discussão aberta sobre o tema. De forma descomplexada, embora reconheça que nem sempre possa ter sido calma. As feridas demoram a sarar!
          E trinta anos depois das independências das ex-colónias escrevi sobre o passado histórico: Escravos do Paraíso – Vivências de S.Tomé e Príncipe passou os olhos por quase tudo, assumindo o bom e o mau desse passado, sem complexos. E a Descolonização – um dos três “D” inscritos na “Bíblia” do MFA – foi matéria incontornável. Não pelas dificuldades do processo das “Ilhas” em si, mas por toda a envolvência e todas as consequências de uma inevitabilidade do fim do império. Que, fora do espírito do tempo e sem tempo para ser preparado, foi levado ao sabor das correntes e caiu no vazio gerado pelas contradições dos novos senhores do poder. O resultado foi trágico para os portugueses da Guiné, de Moçambique e sobretudo de Angola. David Martelo, militar, publicou em 1998 As Mágoas do Império, e aí escreveu por exemplo: “Depois de Abril de 74, dividido entre a construção do futuro e a liquidação do passado, a maioria do povo português absorvido pelas frenéticas convulsões da revolução metropolitana, pareceu desinteressar-se pela última tragédia imperial”.  
          Uma tragédia que deixou marcas profundas, talvez ainda hoje latentes mas não impeditivas da catarse. Um estudo desenvolvido em 1982 por Arnaldo E. Da Silva Droux, para a sua dissertação de mestrado em Psiquiatria, na Universidade do Porto, com base na apreciação de comportamentos de 254 retornados registados no Centro de Emprego do Porto – concluiu por exemplo que “as frequentes queixas de doenças de evolução prolongada, embora dependentes da idade, foram particularmente intensas”. O estudo [Os Repatriados da Descolonização Portuguesa – alguns aspectos psico-sociais da sua reintegração] foi publicado em 1986 e pode ser consultado em:        
A este processo da integração dos “repatriados”, está agora a dedicar a RTP uma série ficcionada com o título genérico de Depois do Adeus. Passados quase quarenta anos, ainda não é fácil escrever a “História” dos que vieram de África, mas há já outras garantias para uma base de trabalho serena, séria, profissional e academicamente válida. Ao nível da ficção, recomendo por exemplo a leitura de algumas obras do meu camarada e amigo Leonel Cosme, com trinta anos de Angola: A Revolta, A Terra da Promissão, A Hora Final, A Separação das Águas e, finalmente, O Chão das Raízes. É neste último, sobre o regresso e a integração, que o autor lembra: “Sem tempo para esperar por outro tempo, temos de nos reinventar”. Mas, se ao nível da literatura, a “libertação” foi avançando, já nesta série televisiva me parece estar ainda presente o pecado original, faltando a explicação e a exploração das causas, todas as causas, e da forma como decorreu esse processo.
          Não interessa agora [para mim é secundário] saber se os cidadãos regressados, retornados, refugiados ou repatriados foram bem ou mal recebidos aqui. Muitos terão sido bem, outros mal e a maioria talvez assim-assim. Mas na minha perspectiva, importa enquadrar as causas dessa tragédia para se conseguir entender quem veio e como veio. Para, depois, chegar ao caráter, às atitudes, à forma como cada um foi resolvendo a sua vida.
A ideia tem a ver com a simples razão de que há ainda muita gente que não quis, não teve tempo de entender ou simplesmente preferiu a chamada fuga para a frente. Patente por exemplo numa troca de impressões, há dias, no facebook, num pequeno núcleo de amigos e/ou conhecidos. Num sinal evidente de que nem tudo foi ultrapassado, basta ver a argumentação [transcrevo parte] relativa a uma simples opinião expressa sobre o 2º episódio da série da RTP: -
 “!1 anos de guerra foi tempo mais que suficiente para aqueles que lá viviam preparassem o regresso em segurança e sem ansiedade... Eu term-me-ia vindo embora para a minha terra.
Se aquela terra era a de alguns, então tivessem ficado e lutado por ela até às últimas consequências...foram enganados? E nós os que aqui vivíamos não fomos? (...)
(...) E o que me revolta é ver gente dizer que cá foram preteridos e mal recebidos...porra que não é verdade.
Nós fizemos o melhor para os receber.”
Não como resposta, mas apenas a propósito – já que esse tipo de argumentação é recorrente – quero lembrar dois ou três aspetos que merecem alguma análise. “Aqueles que lá viviam” também emigraram, apesar de Salazar não encorajar essa atitude;  “a minha terra” costumo dizer que é onde me sinto bem e onde trabalho honestamente. Não se regressa dessa terra sem fortes razões; “Se aquela terra era a de alguns, então que tivessem ficado e lutado por ela até às últimas consequências...” pode ser entendida como uma afirmação tão dogmática quanto demagógica. Certamente que teriam ficado e alguns tentaram, mas não lhes foi permitido lutar com “armas” iguais. Não com material bélico mas por via das ideias. Socorrendo-me mais uma vez do Expresso – onde fui buscar a História de Portugal, coordenada por Rui Ramos – consulto a página 53 do Vol.8 para ler que o compromisso de Spínola, a 26 de Abril e ao falar de “garantir a sobrevivência da pátria como nação soberana no seu todo pluricontinental” foi apenas para tentar prevenir algum “separatismo branco” ajudado pela África do Sul. E depois, já com Spínola derrotado em Setembro e com a “união” entre o MFA e o PCP a controlar os jogos de poder em Lisboa, os militares em África cruzaram os braços com as palavras de ordem “não combater não morrer”. As colónias deviam ser entregues em passo de corrida!
De acordo com António José Telo [História Contemporânea de Portugal, Vol. I, página 91] o 28 de Setembro não foi apenas a derrota de Spínola – representou igualmente a “derrota das forças que, em Angola e em Moçambique, apostavam numa independência sem entrega directa do poder aos movimentos de libertação”. O MFA, com exceção dos spinolistas, controlava os militares nas colónias.
Acresce – pode ler-se ainda nas páginas 56 e 57 do volume 8 da História de Portugal coordenada por Rui Ramos – que as comunidades de colonos, para além da falta de experiência política e administrativa [ao contrário do que acontecia na Rodésia], ficaram de mãos atadas com a dissolução das assembleias legislativas e das juntas consultivas, “num ambiente cada vez mais hostil”. Sucederam-se confrontos raciais com ataques a cantineiros e subiu o clima de tensão entre os colonos e o exército, visível sobretudo em Lourenço Marques em Setembro, por ocasião da ocupação do Rádio Clube. O exército português, prossegue a História coordenada por Rui Ramos, “armara etnias e grupos religiosos que tinham combatido os guerrilheiros e podiam resistir a qualquer tentativa sua de tomar o poder”. Além do mais, os efetivos africanos do exército foram desmobilizados [à exceção de S.Tomé e Príncipe] e, por consequência, engrossaram os movimentos independentistas. 
O poder não estava só enfraquecido – estava pulverizado, salienta António José Telo na sua História Contemporânea de Portugal [Vol. I, pg.78,79].   
É aí que se centra o “vazio” na cadeia de comando, sobretudo militar, pois o poder político não existia verdadeiramente. E esse vazio foi motivo de muitos males. Com uma retaguarda desprotegida e com as alas a combater moínhos de vento, era impossível colocar no bom caminho a tática do quadrado. O que eu quero dizer é que “os militares” foram o alfa e o ómega do processo, para o bem e para o mal. Acabaram com a ditadura e terminaram a guerra, mas não foram capazes de absorver uma visão política. Pelo menos em termos imediatos.  
Sintomático – continuando a ler Telo [Vol.I, pg.136] – é o aparecimento do Plano de Acção Política (PAP) por iniciativa dos militares moderados e como forma de resposta ao Documento-Guia do Projecto de Aliança Povo-MFA, no Verão de 1975. Telo diz que o PAP “é uma imensa confusão ideológica” e “o melhor exemplo do complexo de culpa dos militares que fizeram a guerra de África durante 13 anos e se procuram identificar com o seu antigo inimigo”.
          Perante o que nos tem oferecido o projeto Depois do Adeus importa, portanto, reter a ideia de que – como diz António Borges Coelho – “o historiador é um manipulador do tempo” [ver Revista Única, do Expresso, de 12/11/2011] que, na construção de um discurso que jamais será total, irá escolher o que fica à luz e o que deixa na sombra em função do seu ponto de vista. Por isso é que Irene Pimentel – nesse mesmo número da Única – diz que “Temos que estar abertos a pôr em causa tudo. Não é só a verdade que é relativa, mas também o que nós dizemos ou escrevemos”.  
          Há uma questão que já não pode ter resposta...mas importa refletir sobre ela, a bem da História: “E se não tivesse havido ponte aérea”?
António Bondoso
Jornalista – CP 359.
Fevereiro de 2013.
Outros sítios da internet sobre a mesma temática:-Retornados e sua integração em Portugal.
www.ipsilon.pt  ---- (13Agosto2010) – Público 





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