2008-02-12

TEMPERATURA ELEVADA...LOUCURA ES(INS)TÁVEL !

OS ERROS DO "OCIDENTE"... E O PAÍS (ESTADO) QUE NÃO EXISTE !

Por muito que os "poderosos" queiram e desejem, o Kosovo não existe como Estado Soberano.
À luz do Direito Internacional, consubstanciado na Carta e nas decisões das Nações Unidas - por muito criticada e ignorada, a ONU não foi ainda substituída! - o Kosovo, enquanto Estado independente, resultou apenas de uma declaração unilateral suportada e incentivada, ilegalmente, pelos omnipresentes EUA e por alguns países da "Velha Europa". A Resolução 1244 do CS das Nações Unidas, apesar de prever uma ampla autonomia para a província do Kosovo, reconhecia a soberania e a integridade territorial da Sérvia, sendo o Kosovo - berço da nacionalidade - parte integrante do país. Para já, a Resolução foi rasgada pelos EUA, pela GB, França, Alemanha e Itália. Portugal ainda não divulgou a sua opção, apenas porque - concertadamente com os parceiros europeus - "obedeceu" à estratégia dos poderosos de enviar para a "zona de impacto" os militares (ou militarizados) da GNR. Portugal não é capaz de fugir aos encantos (negativos) da mais antiga Aliança e de estar sempre ao lado dos "mais fortes"! Não é que daí venha algum mal ao mundo ou o país se enobreça... Acredito é que já era tempo de, por uma vez na vida (exceptuando talvez 1143 e 1494), os nossos governantes decidirem por si, pela justiça e pelo direito internacional. Mas em Política não há "justiça" - só há interesses ! Sobretudo os interesses dos outros ! Aos EUA não lhes faz qualquer diferença provocar mais uma crise nos Balcãs. Estão longe, para eles a História de séculos não conta e, se houver conflito armado, determinam que seja o "braço europeu" da NATO a enfrentar o problema. E a indústria do armamento progride ! Por sua vez, a GB não pode condenar e evitar "fora" o que promoveu e permitiu em "casa"! Excepto na questão do Biafra, exactamente devido aos tais interesses - ou seja, o petróleo ! A Itália, eventualmente, não deve ter esquecido ainda o velho sonho "fascista" da Grande Albânia. No que diz respeito à Alemanha e à França, não descurtino ainda as bases da opção, a não ser conquistar uma posição estratégica face à Rússia - talvez não pelos mesmos motivos mas, sobretudo, para se vigiarem mutuamente, como sempre fizeram. Para além disso, talvez a economia : - é preciso vender equipamento moderno e armas modernas, não importando saber se o novo país fica ou não hipotecado. Ainda relativamente aos EUA, seria interessante perceber se a Administração BUSH está a seguir a actualizada teoria de Fukuyama sobre a "construção" de Estados, tendo em conta os falhanços já registados. Talvez na Sérvia seja mais fácil , dado o enfraquecimento do Estado originário após o desmembramento da Federação Jugoslava.

POR OUTRO LADO, um século de "maioria" albanesa não pode "apagar" cinco séculos de História . No séc.XV os sérvios representavam 98% da população do território Kosovar, contra 2% de albaneses, e a situação só se começou a inverter em finais do séc.XIX e primeira metade do séc.XX. Em 1991, os albaneses representavam já 82% contra 11% e em 2001 - após os bombardeamentos da NATO e a limpeza étnica levada a cabo pelos albaneses (seguramente como resposta a idêntica atitude por parte dos sérvios) - a percentagem passou para os 88 contra 7%. Estas significativas alterações demográficas, só por si, não podem justificar uma qualquer teoria da chamada "nova geopolítica", embora se considere que as questões demográficas são um factor decisivo de qualquer abordagem geopolítica actual. Contudo, nem todos os aspectos da DEMOPOLÍTICA se encaixam na explicação para este problema do Kosovo:- se bem que as "migrações" e a "pressão da Opinião Pública" possam ser considerados, já no que diz respeito às "minorias" o processo parece estar invertido. Não havendo um conceito de minoria universalmente aceite, a Demopolítica admite dois tipos de minorias - as originais ou radicadas e as imigradas ou em diáspora. Exactamente no primeiro caso, se diz que elas precederam no território politicamente demarcado as actuais maiorias o que, como já se viu, não é verdadeiro. Os Sérvios, hoje em minoria no Kosovo, é que foram os primeiros. A presença dos albaneses enquadra-se mais no caso das minorias imigradas ou em diáspora. Contudo, curiosamente, a este segundo grupo não é comum atribuir-se a motivação de independência, precisamente o contrário do que se deveria passar com as minorias radicadas ou originais que - no caso dos albaneses relativamente à Sérvia, aí sim, - constituêm de facto um aspecto positivo. Curiosamente também, o inspirador da Demopolítica é o sueco Kjellen ( alemão por adopção) - para quem o Estado é o indivíduo geográfico, enquanto a Nação deve ser o indivíduo étnico. Isto é, o primeiro prevalece sobre o segundo - pois custa mais ao Estado perder território do que perder uma parte da sua população ! Não por acaso, uma ideia repetida mais tarde por MAO TSE TUNG, para explicar os casos de Hong Kong, Macau e Formosa (Taiwan) - os dois primeiros já resolvidos. Restando Taiwan, poderá admitir-se aqui como que uma "reserva" para futura moeda de troca:- quer dos EUA relativamente à China, quer da Rússia relativamente à Geórgia, tendo em conta as mais recentes tomadas de posição. Mas voltando às teses de KJELLEN - a par de Ratzel, um dos cérebros da chamada Escola Alemã - é fundamental ter em conta o "núcleo territorial do Estado", a sua origem ! Separando-se dele, o Estado corre o risco de sucumbir, deixa de fazer sentido. E mesmo considerando as profundas alterações e rupturas na cena internacional, nos últimos vinte anos, este pormenor não deixa de ser pertinente para a Sérvia ! E para a Comunidade Internacional, naturalmente.

O ll DE SETEMBRO não justifica tudo e, como diria Adriano Moreira, o processo do Kosovo aponta para uma séria meditação sobre o trajecto do alegado direito de intervenção e dever de protecção. "MAS A DECISÃO DE CRIAR UM NOVO ESTADO, DE VIABILIDADE MAIS QUE DISCUTÍVEL, SOB A ÉGIDE DE UMA COLIGAÇÃO OCASIONAL, SUBSTITUI A LEGITIMIDADE pela engenharia política que, inevitavelmente, perde o respeito da parte vencida e não convencida" ! É exactamente o que se passa hoje, na Sérvia.
Quando há dias (na Universidade Lusíada do Porto ), interroguei o embaixador da Sérvia em Lisboa, Dusko Lopandic, sobre se o seu país passaria para o lado da Rússia, abandonando a adesão à UE - no caso de vir a ser declarada unilateralmente a independência do Kosovo - respondeu o diplomata que a Sérvia não quer ser um problema entre os EUA e a Rússia, mantendo-se a opção pela UE. Mas também frisou Lopandic que " os antigos e grandes aliados da Rússia (URSS) estão agora a ser muito bem tratados pela UE, enquanto a Sérvia - que durante muitos anos (integrada na ex-Jugoslávia) foi como que uma aliada do Ocidente - está agora a ser tratada muito mal" ! E, embora a União Europeia tente passar a ideia de que a independência do Kosovo é um factor de estabilidade para os Balcãs, podendo a Sérvia e o novo país virem a integrar o espaço da União - o que acontece é que o "facto consumado" é mesmo um problema de difícil digestão internacional. O Professor Milan Rados, um sérvio radicado no Porto, diz que o Kosovo vai ser "um protectorado dos EUA" e o General Loureiro dos Santos aponta "erros estratégicos, indefinições políticas e incapacidades militares, como explicação para as dificuldades que o Ocidente sente no Kosovo - que se transformou numa crise para durar se, entretanto, não explodir" !

VOLTO AO TÍTULO deste apontamento, só para lembrar sinteticamente a analogia de uma "estória" que me foi contada há uns anos por um camarada da RDP já falecido, o António Roçadas, sobre um radialista desportivo numa das Regiões Autónomas :- durante a habitual cobertura informativa dos jogos de futebol, ao fim de semana, o coordenador efectuava periodicamente uma "ronda" pelos diversos campos e perguntava - fulano de tal, tempo e resultado ? Ao que o "herói" da estória respondia : - TEMPO INSTÁVEL, RESULTADO MANTÉM-SE !

1 comentário:

José-Augusto de Carvalho disse...

Excelente reflexão, meu prezado António Bondoso!
Mais uma vez se confirma que o Poder da Força esmaga a Força do Poder, ou, dito de outro modo, que os poderosos e seus acólitos são os donos do mundo. Até quando?
Abraço fraterno.