2014-10-08


ÁGUA - DIREITO [humano] FUNDAMENTAL UNIVERSAL. 

Este tema da água vai ser notícia na Assembleia da República na quinta-feira, quando for votado o Projeto de Lei nº368/XII designado como "Proteção dos direitos individuais e comuns à água". 

A propósito, começo a publicar um trabalho que elaborei em 2008 [todos os dados são referentes àquela data, interessando saber que Portugal só ratificou o TRATADO DA ANTÁRTIDA em 2009 e que essa ratificação apenas foi depositada em Janeiro de 2010] sobre a Antártida e ao qual atribuí o título de ANTÁRTIDA - O ÚLTIMO REFÚGIO. No conhecido continente gelado, recordo, encontram-se praticamente 90% das reservas de água doce do Planeta.



INTRODUÇÃO
Tendo em conta que o “aquecimento global” é um tema que vem ganhando enorme relevância de há uns anos a esta parte – sobretudo pelas ligações colaterais que influenciam a política e a economia mundiais (não será um acaso da História a recente atribuição do Nobel da Paz a Instituições e a Figuras das áreas da Ecopolítica e da Investigação ambiental) – o Continente Gelado tem sido apresentado como a “última fronteira” da exploração de recursos decisivos para a sobrevivência do nosso planeta, mesmo sabendo que as “reservas” são diminutas.
                   Quer seja pelas difíceis condições de vida, quer seja pelo óptimo campo de investigação científica – a Antárctida tem conseguido ser protegida das ambições e agressões humanas, graças a um entendimento internacional consubstanciado num Tratado (datado de 1959) que define o Continente como uma zona a ser utilizada unicamente para fins pacíficos. No Atlas de Relações Internacionais, dirigido por Pascal Boniface, diz-se que a Antárctida “fornece, portanto, o modelo perfeito das relações internacionais pacíficas”. Contudo, recentemente, a Grã-Bretanha reclamou, na ONU, direitos de soberania para extracção de reservas de gás, minerais e petróleo – atitude de imediato contestada pelo Chile e Argentina.
                   Independentemente do desenvolvimento deste problema, o trabalho vai tentar responder a uma simples questão de partida: - será a Antárctida, para além da já referenciada “última fronteira”, também o “último refúgio” da humanidade?
                   Com esse objectivo, estabelecemos três capítulos, para analisar a história do continente e a sua importância política e científica- consubstanciada no Tratado de Washington de 1959; fazer o enquadramento geopolítico da região numa perspectiva da Ecopolítica – uma das fases da arquitectura da nova geopolítica que salienta a globalidade dos direitos humanos e, por último, uma breve referência ao pensamento português sobre a Antárctida – destacando as ideias de Soromenho Marques, para quem a ecopolítica ultrapassa uma simples política de ambiente.
                                                        CAPÍTULO I

                      BREVE HISTÓRIA E RECONHECIDA IMPORTÂNCIA            
                                               POLÍTICA E CIENTÍFICA

A poluição do ar e da água tende a espalhar-se indiferente a fronteiras políticas. Por exemplo, o ar contaminado pela explosão nuclear de Chernobyl deslocou-se para ocidente na direcção da Suécia, França, Itália e Suiça. Uma camada de ozono cada vez mais esgotada sobre o Antárctico, torna todas as pessoas vulneráveis à radiação ultravioleta que provoca o cancro.   
                              Louis Pojman – Filósofo político.

A Antárctida – o último continente a ser descoberto – tem uma área de 14 milhões de Km2 e representa 10% da superfície dos continentes emersos. Outrora submetido a um clima tropical, o continente está hoje praticamente coberto por uma enorme calote glaciária, cuja espessura pode atingir 4700m, e possui 90% das reservas de água doce do nosso planeta. E tendo em consideração os jazigos de ferro, cobre, carvão, níquel, crómio, cobalto, titânio, urânio, zinco, ouro, prata, platina e petróleo – é apontado como muito promissor o potencial mineiro da Antárctida.
                    Um ambiente de temperaturas negativas que podem atingir os 90º não é propício a formas de vida superior, mas existem grandes quantidades de baleias, cachalotes, orcas, focas, pinguins e aves marinhas – graças a uma rica ictiofauna e grande abundância de plâncton. Contudo, a “presença” humana na Antárctida fez-se notar a partir de meados do séc.XVIII, com as expedições de Lozier Bouvet e de James Cook, sendo que, hoje, as mais de 40 bases “científicas” empregam cerca de quatro mil pessoas no Verão e apenas mil no longo e escuro Inverno. Além disso, considera-se haver também já um turismo polar – representado por cerca de 40 mil visitantes – o que não deixa de ser uma preocupação ambiental, a par da “Rodovia do Gelo” (1632 Km para ligar duas estações americanas), o aeroporto de gelo australiano com 4 Km e uma base inglesa com habitações permanentes. A Inglaterra foi, de facto, o primeiro país a reivindicar o “gelo” antárctico (após a IIª GM), seguindo-se a Nova Zelândia, França, Austrália e Noruega. Chile e Argentina, pela proximidade, dão como adquiridos e indiscutíveis os seus direitos, enquanto os EUA nunca reclamaram – nem reconheceram – qualquer parcela do continente, eventualmente querendo sugerir que não existe propriedade nacional na Antárctida. Curiosamente, o nome da ex-URSS só aparece por ocasião do Tratado de 1959 (Washington), sendo um dos 12 primeiros assinantes. A partir da entrada em vigor do Tratado – 1961 – foi proibida toda a actividade militar e ficaram congeladas todas as reivindicações territoriais por 30 anos. Reconhecida a importância da situação, o Tratado foi renovado em 1991, pelo Protocolo de Madrid, por mais 50 anos. Considerado como exemplo de uma vontade de cooperação pacífica entre as nações do mundo, ao designar o continente como reserva natural consagrada à paz e à ciência – o Tratado desde cedo começou a ser violado: em 1962 registou-se um acidente com um reactor nuclear dos EUA; em 1983, a construção de uma pista de aterragem francesa destruiu uma grande colónia de pinguins e, em 1989, aconteceu um grande derramamento de crude, provocado pelo choque de um petroleiro argentino e outro peruano. E agora, a GB reclama a possibilidade de extracção de reservas de gás, minerais e petróleo, num raio de 350 milhas náuticas em frente ao território antárctico chileno. Uma clara violação do Tratado, que o deputado chileno Jorge Tarud classificou de grave, apelando à sua Presidente no sentido de convocar os membros do Tratado Antárctico.
                    Pelo Tratado, que Portugal ainda não aprovou*, o interesse científico da região sobrepõe-se aos económicos, territoriais ou militares. O Antárctico é um observatório privilegiado para o estudo do ambiente, medicina, biologia, zoologia e sismologia. E, apesar dos elevados custos com a investigação científica, a Rússia dispõe de 7 bases (750 pessoas), os EUA três (embora a figura do “Atlas” refira 6 para cada) - qual competição da “velha” guerra fria! – a Argentina seis, mas em ligação com a GB, Austrália e Chile; o Japão duas e, depois, vários países com uma: França, África do Sul, Índia, Alemanha, Polónia, Nova Zelândia e Ucrânia. Brasil, Peru, Uruguai e China organizam regularmente campanhas oceanográficas, tal como outros países europeus.
                    Compreender o sistema atmosférico e climático mundial tem sido uma das tarefas mais activas, mas – desde o Ano Geofísico Internacional em 1957 – já se elaborou uma nova teoria sobre os fenómenos magnéticos e foram identificados mais de 200 minerais. Já no início deste ano, o navio oceanográfico Polarstern identificou mil espécies nas águas da Antárctida. Os 52 cientistas (de 14 países) a bordo, pretendem ainda conhecer os efeitos das alterações climáticas na biodiversidade. São as “viagens do censo” no terceiro Ano Polar Internacional.




* Viria a aprovar em 2009 e a depositar o documento de ratificação apenas em Janeiro de 2010.

OS OUTROS DOIS CAPÍTULOS SERÃO PUBLICADOS NA QUINTA-FEIRA.

António Bondoso
Jornalista
2014


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