2015-11-21


ÁFRICA – ESQUECER E LEMBRAR!


A propósito deste evento e a convite da AICEM - Associção Para o Idioma e Culturas em Português, com sede no Porto - escrevi mais esta visão do Continente que tem muitas Áfricas no seu seio, diversidade que vai tendo o condão de nos ir surpreendendo. 

ÁFRICA – ESQUECER E LEMBRAR!

Haverá contradição? Embora possa parecer…veremos que não existe!
E a verdade é que, pela história, seremos eternamente confrontados – quer dicotomicamente, quer pela dialética – com esta questão!
Esquecer…não é matar a memória. Pelo contrário…é preciso dar vida à memória, para que não sejamos assaltados pela melancolia pesarosa ou por uma nostalgia perniciosa. É preciso perceber e aceitar os outros, aceitar a verdade dos outros e os avatares da história. 
E OUTRA COISA:- de África não nos chegam apenas “refugiados”!

Portanto…o desafio é este: Apelo para que esqueçamos os filmes idílicos sobre África. Lawrence da Arábia, África Minha, Fiel Jardineiro, Amor sem Fronteiras, por exemplo.
Esqueçamos livros como As Verdes Colinas de África, de Hemingway…Um Lugar Dentro de Nós, Adeus África, ou Uma Fazenda em África.
Hoje, na ordem do dia, está mais um livro sobre Angola:- Magnífica e Miserável, da autoria do Cientista Ricardo Soares de Oliveira, Prof em Oxford.

E é sempre bom lembrar, por exemplo – reconhecendo o sabor a sangue e a ambição desmedida – outros filmes como O Senhor das Armas, Hotel Ruanda, Diamante de Sangue ou Crianças Invisíveis.

Em qualquer caso…Esqueçamos África, vista pelos olhos eurocêntricos.
Seja-nos permitido, contudo, lembrar a busca do conhecimento propiciada pela era dos descobrimentos – assinalam-se por esta altura os 600 anos do início da expansão.
Podemos até lembrar Camões ou as missões científicas de Silva Porto, Hermenegildo Capelo ou Roberto Ivans uns séculos depois…
Mas esqueçamos, definitivamente, os Impérios de países europeus em África! Ou melhor, não deixemos de lembrar as atitudes menos próprias, as condutas erradas, indignas e violentas desses impérios – como a escravatura humilhante, por exemplo.
Como não devemos deixar de lembrar, por outro lado, os genocídios mais recentes do Biafra, do Ruanda ou do Darfur…

Apesar de tudo, tenhamos sempre presente figuras como Santo Agostinho, Senghor, Wangari Maathai, Lumumba, Nyerere, Eduardo Mondlane, Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Aristides Vieira, Kaunda, Kenyatta, Selassiè, Samora Machel, Desmond Tutu, Nelson Mandela…
De outro modo, não deixemos de lembrar – pelos piores motivos – nomes como Bokassa, Francisco Macias Nguema, Idi Amin Dada,   Habib Bourguiba, Sékou Touré, Mobutu, Robert Mugabe…

Fundamental é que – sabendo que esquecer não significa o mesmo que varrer para debaixo do tapete – ainda assim é bom esquecer a África da Conferência de Berlim, em 1884/1885 – na qual 14 países redesenharam o Continente onde tudo terá começado, sem ter em consideração as fronteiras linguísticas e culturais estabelecidas. Antes dessa data, 80% do continente africano era dominado por chefes tribais. Basta recordar que, em finais do séc.XVIII, a “estrutura política” variava entre reinos, impérios, cidades-Estado, e outras linhagens de clãs e aldeias, resultado de inúmeros movimentos migratórios associados à sobrevivência, à religião, à cultura, ao poder e ao comércio. Mas bastou um século para se assistir a uma notável transformação do continente, fruto de uma expansão de modernidade com base em fatores exógenos – particularmente as armas de fogo, que alteraram significativamente os conceitos de estratégia militar e de ocupação dos espaços.

E nesse período houve até um reino/império…por onde passou o navegador e explorador Sancho de Tovar (que alguns identificam mesmo como espião!)…império que floresceu entre os séculos 15 e 18 – numa região banhada pelo rio Zambeze e cujo território hoje se pode situar entre o Zimbabwe e Moçambique – o Império de Monomotapa. De tão curioso – e talvez até pelas ligações que mais tarde se verificariam a propósito do Mapa Cor-de-Rosa – seria objeto de uma obra de Ana Maria Magalhães e de Isabel Alçada “ NO CORAÇÃO DA ÁFRICA MISTERIOSA”.  
Ouro e marfim foram as riquezas que elevaram e derrubaram esse império. Como outros casos inumeráveis.
==== E ainda hoje se encontram no topo das Relações Internacionais os problemas diretamente ligados à exploração das riquezas africanas – matérias-primas de caráter vital para muitas potências. Isto, apesar de – entre os 10 países mais pobres do mundo – 9 serem africanos. E entre estes se encontrarem a Guiné-Equatorial e S. Tomé e Príncipe, países inseridos na área da lusofonia/CPLP e ambos com a palavra “PETRÓLEO” gravada na agenda mediática.
O caso é que, nos dias de hoje (pese embora o eterno acordo entre a CEE/União Europeia com os países designados como ACP), o pêndulo do relacionamento está nitidamente a desviar-se para a Ásia: - primeiro foi a China [que até criou há uma dezena de anos o Fórum de Macau para desenvolver as relações com os países «lusófonos»]…e agora, com muitos anos de atraso, está a ser a Índia a promover essa aproximação. Dois dos países BRICS a recentrar o eixo da política internacional.
==== A União Europeia, definitivamente, = com a sua atenção/preocupação mais centrada no leste europeu e no próximo e médio oriente, vai-se afastando cada vez mais da África. E não só no que diz respeito aos “refugiados” ou Migrantes, apesar da recente tentativa de perceber, para resolver, esse complexo problema. Só dinheiro para os Estados Africanos não resolverá certamente. Por isso é que Federica Mogherini, [Alta Representante da UE para a política externa] diz que “o objetivo é criar oportunidades para as pessoas, proteger a vida das pessoas, lutar contra as redes de tráfico que exploram o desespero das pessoas e fazer tudo isto em conjunto”.
Quero dizer eu…não impor, mas aceitar e adaptar regimes com a maior transparência possível e à medida de uma justiça universal, sem pretender ser donos da justiça ou de um conceito único de democracia.
==== a isto chamo COOPERAÇÃO – uma atitude para a qual é fundamental rever os atuais paradigmas. Por isso, Podemos sempre incluir aqui inúmeras ideias.
Porque não esta de Aimé Césaire?*
«Não me enterro num particularismo estreito. Mas tão pouco quero perder-me num universalismo descarnado. Há dois modos de nos perdermos: por segregação emparedada no particular ou por dissolução no 'universal'. A minha concepção do universal é a de um universal depositário de todo o particular, depositário de todos os particulares, aprofundamento e coexistência de todos os particulares.»
*-(Martinica. Político e Poeta, fundador do Movimento da Negritude)

Alguém escreveu para o Círculo de Leitores há muitos anos – e ainda hoje faz jurisprudência – que nenhuma ciência da terra nem nenhuma ciência social pode por si só captar e analisar as múltiplas transformações estruturais dos Estados, das comunidades económicas e dos blocos político-militares. A colaboração interdisciplinar é indispensável para o nosso futuro.
Sobretudo, devo acrescentar, depois da queda do Muro de Berlim, após a implosão da ex-União Soviética e da ex-Jugoslávia, e com o aprofundamento da chamada globalização, em finais dos anos de 1980.

==== e nesse sentido, não deixa de ser estranho que Portugal – 40 anos depois das independências das suas ex-colónias em África – não tenha ainda conseguido, em plenitude, dar corpo a uma relação profícua, sem traumas, sem tabus e de respeito mútuo, de forma a aprofundar e a fazer coexistir todos os “particulares” que são os países de língua oficial portuguesa.
==== tantos anos passados, e apesar da criação da CPLP em 1996, deitou-se para o caixote do lixo o chamado “espírito de Bissau” – um gesto de capital importância para o relacionamento de Portugal com os novos países saídos das ex-colónias africanas, o qual passava por uma fase dificílima. Estávamos em 1978, quando o Presidente Ramalho Eanes – recorrendo embora a uma atitude de diplomacia paralela – consegue com o Presidente Agostinho Neto um “acordo geral de cooperação nos domínios cultural, científico, técnico e económico”.
E como princípio – diria Agostinho Neto – “entendeu-se que a cooperação não significa apenas uma dádiva ou um benefício em sentido único. Ela tem um carácter recíproco, o que lhe dá o carácter novo nas relações Angola-Portugal”.
Ramalho Eanes definiria mais tarde esse espírito de Bissau – como sendo a “preocupação em aproveitar aquilo que o passado de bom nos legou, tentando acabar com preconceitos, que sempre existem quando as independências ocorrem”. Agostinho Neto, o Presidente-Poeta que o meu camarada jornalista e escritor Leonel Cosme chama de “pragmático”, agradeceu o esforço de Ramalho Eanes para esse encontro – do qual resultou um clima de amizade entre Portugal e Angola, estando “dentro da lógica dos fenómenos históricos vividos e segue a natureza do impulso humano para a coexistência”.
==== Mas infelizmente esse impulso não tem sido seguido regularmente. Ainda hoje, como é sabido, o clima do relacionamento entre os dois países tem sido sufocado por altos e baixos – mais baixos do que altos – muitas vezes traduzidos em questões mesquinhas ou oportunisticamente manipuladas.
          Sendo o capital uma entidade sem rosto, por que razão se questionam apenas (e quase sempre de forma acintosa) os investimentos angolanos em Portugal, ignorando capitais de outras proveniências?
          São evidentes as enormes diferenças entre os países do espaço lusófono. Desde logo o conceito temporal do espaço nação e do território Estado. Há já 41 anos de democracia recente em Portugal – país a caminho de 9 séculos de existência – enquanto há outros, como Angola, onde o caminho da paz ainda só completou 13 anos. O tempo da guerra, as suas causas e meandros condicionaram – não se pode negar – o normal desenvolvimento do país. E, por consequência, o seu relacionamento externo. Ainda há dias, o embaixador itinerante angolano, António Luvualu de Carvalho, referiu que “seria fantástico fazer em 13 anos o que outros fizeram em 100”!
         Quer em Portugal, quer nos Países de Língua Oficial Portuguesa, é certo que há – e sempre houve – algumas cabeças ocas. A diferença poderá estar na consolidação da cultura democrática, no nível de aceitação da liberdade de pensamento e de expressão. E definir cabeças ocas, embora seja tarefa aceitável para um jornal – não poderá segura e definitivamente ser preocupação de qualquer Órgão de Soberania. É certo que a tensão latente remonta aos tempos da independência, de Angola particularmente, e às contradições e constrangimentos em que Portugal se viu envolvido nesse período – não deixando de ser palco do experimentalismo internacionalista.
O embaixador Luvualu de Carvalho disse também que, em Portugal, há um nicho de pessoas que pensam que Angola ainda é de Portugal: - "A representatividade deste grupo não é grande, mas os meios que possuem, meios de comunicação televisiva (...) rádios, jornais e nas redes sociais claro que influencia muitas pessoas a terem uma imagem negativa em relação ao Estado angolano".
         Será neste grupo, direi eu, que devem estar inseridas algumas das tais cabeças ocas.
Portanto…foram tempos diferentes. Tal como são ainda hoje. E se é verdade que os países africanos tentaram de alguma forma assumir a luta contra ingerências pós-coloniais e adaptar-se a um mundo em transformação mais ou menos permanente, não é menos verdadeiro que essa intenção nem sempre terá sido bem sucedida.
         Falávamos de diferenças, particularmente nos aspetos culturais (onde estão incluídos os direitos humanos!), económicos e políticos.
Contudo, há uma vivência secular e uma língua transnacional comum, no rasto da qual devem ser balizados todos os caminhos do futuro. Aceitando e respeitando mutuamente as diferenças.
É pelo sonho e pela utopia que devemos ir…num caminho traduzido em ações concretas das sociedades civis dos 9 [mais as diásporas], mas sem esquecer o enquadramento fundamental das vontades políticas dos Estados-membros.
Acontece, porém, que – numa cegueira completa com os fundos comunitários – Portugal tem quase sempre preferido esquecer 600 anos do mar que lhe proporcionou autonomia e independência. E até mesmo desinvestir na língua que espalhou e tornou comum a milhões de pessoas, não só em África.
A Língua portuguesa – é hoje património comum de quase 300 milhões de pessoas. E não deixa de ser curioso assinalar pequenas vitórias, eventualmente casuísticas, em territórios não originários da Lusofonia: a Universidade da Suazilândia – incentivada pelo próprio Rei – assinou há dias um acordo com o Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, para a abertura da primeira licenciatura em língua e literatura portuguesa naquele reino africano.
Ficaremos mais ricos, sem dúvida!
Mas o que enriquece o chamado espaço lusófono… não é apenas a Língua oficial. É certamente também a diversidade.
Infelizmente nós, portugueses, não herdámos dos nossos grandes exploradores, a riqueza do conhecimento das outras línguas.
Talvez não saibamos dizer duas ou três palavras em qualquer das línguas bantos, umbundo (3 a 4 milhões de pessoas nas províncias centrais de Angola)…ou quimbundo (2 a 3 milhões, na região norte e Luanda)…
Foi talvez com o Kimbundu que os portugueses mais terão convivido nos primeiros tempos da colonização.
E desse convívio, recordo, fomos assimilando apesar de tudo, alguns vocábulos.
Como cambuta (de kambuta, "baixo, baixinho"), candongueiro (de kandonga, "negócio ilegal"), moleque (de mu'leke, "menino"), muamba (de mu'hamba, "carga"), caçula (de kusula ) xingar (de kuxinga, "injuriar, descompor"), kubata – casa; (Corruptela portuguesa de Ku Dibata ), ou ainda quitanda (de kitanda, "feira, venda").

E a propósito de Kitanda, e estando nós em Novembro, como não recordar este poema de Agostinho Neto “Meia-Noite na Quitanda”:
Cem réis de jindungo
Sá Domingas.

O sol
entrega Sá Domingas à lua
nas quitandas dos musseques

E a quitandeira esperando

Cinquenta réis de tomate
três tostões de castanha-de-caju
um doce de coco
Sá Domingas

Ela vende na quitanda à meia-noite
que o filho
está na estrada
precisa de cem réis para pagar o imposto

O sol deixa Sá Domingas
na quitanda
e ela deixa o luar

Um tostão
dois tostões
três tostões
que o coração de Sá Domingas
sofre mais ainda do que o corpo na quitanda.
Há sempre qualquer coisa de novo em África e uma aptidão constante para surpreender – diz o historiador Elikya M’Bokolo – ciente de que há muitas Áfricas.
            Apesar de tudo, esperemos poder continuar a ser surpreendidos.

-TENHAMOS FÉ NUM PORTUGAL RENOVADO…
-CONTINUEMOS A ACREDITAR NA GUINÉ-BISSAU…
-REFORCEMOS O PRAGMATISMO DE CABO VERDE
-TENHAMOS ESPERANÇA NO “RIO DOS BONS SINAIS” EM MOÇAMBIQUE…
-NÃO REGATEEMOS ESFORÇOS RELATIVAMENTE A STP
-OLHEMOS CONVICTAMENTE PARA ANGOLA … com Kizola (Amor) e com Kidielela (Esperança).
-Mungu ue! (até amanhã) 
-Mungu uenu! (até amanhã a vocês!) 

Muito Obrigado.
Maia, 19 de Novembro de 2015. 
António Bondoso.

António Bondoso

1 comentário:

De Amor e de Terra disse...

Amigo Bondoso, MUITO OBRIGADA! Gostei MUITO da sua Palestra.
Tal como me aconselhou um dia a minha Professora de Português, a propósito dos discursos..."Clara,Precisa e Concisa" e com mais uma qualidade Poética!
Um grande abraço.
Maria Mamede