2013-10-25

DOIS POEMAS...PARA ILUSTRAR UM LIVRO DE INVESTIGAÇÃO EM PROSA.
OU DE COMO JOSÉ CRAVEIRINHA E ANTÓNIO BONDOSO SE "ENCAIXAM" NA MESTIÇAGEM DA LÍNGUA.


FRATERNIDADE DAS PALAVRAS (1974)
O céu 
É uma m'benga
Onde todos os braços das mamanas
Repisam os bagos de estrelas.
Amigos:
As palavras mesmo estranhas
Se têm música verdadeira
Só precisam de quem as toque
Ao mesmo ritmo para serem 
Todas irmãs.
E eis que num espasmo
De harmonia como todas as coisas
Palavras rongas e algarvias ganguissam
Neste satanhoco papel
E recombinam o poema.
(José Craveirinha) - In LUSOFONIA E CPLP - DESAFIOS NA GLOBALIZAÇÃO. (pg.113)


Em tempos chamei-lhe minha. (A Publicar)

Era ali que eu existia.
E tinha pela frente o mar
Imenso
Com ondas de calema e tanta espuma.
Contava carneirinhos a perder de vista
E sonhava com os mistérios do mundo:
Que era ali, todo inteiro
Até onde meus olhos alcançavam.

Depois...
Um limitado horizonte de livros e de mapas
E barcos a cruzar o oceano
E eu navegando neles,
Disseram que muita gente e outras naus
Haviam por ali passado na aventura
Do saber e conhecer.
E falavam de outros homens
Que escravos da ambição
Mais escravos conduziam p’ra alimentar terras distantes.

 Foram tantos, tantos, tantos
Em rotas de vida e morte
Cruzaram muitos destinos
Cada um à sua sorte.
Alguns partiram e vieram…
Outros ficaram e quiseram
Partilhar o que não tinham.
Muitos roubaram e rasgaram
Nem todos souberam amar.

Mas era ali que eu existia...
Por isso lhe chamava minha
Por isso lhe queria muito.

Crescer e saber que a pertença
É na mente relativa
Não mudaram meu querer.
Separação dolorosa
Prolongada além do tempo
Machucou mas não matou
Essa relação intensa.

Aumentaram meus afectos
Somados a outros sonhos
A saudade serenou e o pensamento a voar
Trouxe a Amizade de volta
No vento do furacão.

E há nomes no horizonte
De um mesmo mar que revejo
Com águas de muitas cores.
É um oceano imenso de liberdade
Tão cara, tão custosa tão salgada
É o sangue de irmãos outros
Que alimenta novos sonhos
Em continentes de sempre.
É um grito novo de vida  
Na bússola de muitas dúvidas
É a razão de sentir
Desejo de construir.

Chamei-lhe minha no tempo
Quando a história me ensinou
Era ali que eu existia
E é ali que sempre estou.
Lá longe, desse lugar
Onde o mundo se divide
Chegam-me os novos sentidos
Mas continuo a escutar
O canto do ossobó.
Também melodioso, um papage repete:
Ainda lhe chamo minha, ainda lhe chamo minha, ainda lhe chamo minha…
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Tudaxi Sá glavi… tudu kwa Sá doxi
Non kloson navega… tlaxi non peneta 
Nen-ke-mu tlata… sonhu non madô
Tudu Kwa Sá Fesa… tudu kwa Sá bwa
Tudaxi Sá Mêsê… Bamu so floga…
Antawo san tanji mu…antawo san tanji mu…antawo san tanji mu…
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(António Bondoso) - (A Publicar). 


NOTAS:
POEMA DE JOSÉ CRAVEIRINHA: 
m'benga - pote de barro; mamanas - mulheres; ronga - dialeto mais meridional do grupo linguístico banto tsonga.É falado numa pequena área que inclui a cidade de Maputo; ganguissam - namoram; satanhoco - uma coisa que não presta.
POEMA DE ANTÓNIO BONDOSO: 
Antawo – ainda; Bwa – Bom /boa; Kwa – isto /coisa; Tudaxi – tudo /todos; Glavi – bonito; Doxi – doce; Kloson – coração; Peneta – destino; Papage - Papagaio; Nen-ke-mu = antepassados; Tlata – cuidar; Madô – indomável; Mêsê – Amor; Fesa – Festa; Bamu – Vamos; Floga  – Brincar; Tanji – chamar de longe; Mu  – meu/ minha;
San – lhe. 
=========== António Bondoso
Outubro de 2013.

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